Acórdão nº 60/18.8T9MLD-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-01-24

Ano2024
Número Acordão60/18.8T9MLD-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo 60/18.8T9MLD-A.P1
Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica da Mealhada

Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
I.1. AA veio interpor recurso da decisão proferida em 28.09.2023 que lhe indeferiu o incidente de reconhecimento de idoneidade para a renovação da licença de uso e porte de arma de caça.
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I.2. Recurso da decisão (conclusões que se transcrevem integralmente)
“1. Atentando à decisão recorrida constata-se que durante o longo tempo (desde os 18 anos de idade, com carta há quase 30 anos) o Requerente dedicou-se, como hobbie, à atividade venatória, sem incidentes ou incumprimento das regras que a regulam.
2. Ora, ressalvado o devido respeito, o que importa para o caso é verificar se ocorreram incidentes dignos de registo ou incumprimento das regras que regulam a atividade venatória durante todo o período de tempo em que o requerente, ora recorrente, foi portador de licença de uso e porte de armas (e caça de caçador), elemento este de que a declaração do Clube de caçadores se encontra inscrito desde 13 de Agosto de 1994.
3. Os factos perpetrados no processo principal revestem-se de singularidade, na medida em que só foram realizados numa única situação de conflito, de que, atualmente, o recorrente se mostra afastado.
4. O Tribunal a quo deveria ter emitido um juízo mesmo assim positivo sobre esses factos, tanto para mais, foi solicitado relatório social, para o efeito, e as suas conclusões são elucidativas, desse factor positivo.
5. O Requerente dedicou-se, como hobby, à atividade venatória, sem incidentes ou incumprimento das regras que a regulam.
6. O Tribunal a quo baseou a decisão de que se recorre essencialmente, em dois argumentos, um de índole jurídica e outro de índole prática ao elencar os crimes de que foi acusado e condenado, e sobretudo o de ameaças.
7. O crime pelo qual foi condenado o requerente, foi perpetrado sem o recurso ou exibição a armas de que era legítimo possuidor, ou referiu que ia utilizar alguma arma.
8. A prática desses crimes de ameaças, por si só, não inabilita, por inidoneidade, a concessão de licença de uso e porte de armas.
9. Temos um episódio singular, estanque no tempo (reprovável e evitável, é certo), ocorrido há cerca de 5 anos, num contexto aí descrito, de stress emocional, nervosismo, exaltação, não tendo utilizado armas, ou feito referencia que dava algum tiro.
10. O recorrente não representa nenhum perigo de prática de outros crimes, desta ou doutra natureza, como veio reconhecido na sentença que o condenou, porquanto, além de lhe ter sido a multa que a cumpriu, não lhe foi aplicada a pena acessória de proibição de uso e porte de arma.
11. O recorrente foi portador da licença de uso e porte de armas desde os 18 anos, dedicando-se desde longa data à prática venatória, durante este período, cumprindo as regras associadas a esta atividade.
12. Não constam outras condenações, no seu CRC, ou em sede de inquérito tem processos pendentes.
13. Está integrado na sociedade, profissionalmente, e familiarmente.
14. Não foi determinada a aplicação de medida de segurança de cassação de uso e porte de arma da sentença condenatória primitiva, ou apreensão das armas.
15. O requerente o requerente interiorizou o desvalor da sua conduta e inserido na sociedade, como cidadão honesto, bom amigo e trabalhador.
16. Havendo assim um juízo de prognose favorável, juízo esse que ainda hoje se mantém inalterado, ao longo dos anos que a sua licença foi -se renovando há cerca de 30 anos, tem que ser tido em conta a sua conduta a comportamento ao longo do tempo.
17. Ao recorrente, tirando os crimes por que foi condenado e a escolha da pena, o Tribunal a quo, não adoptou uma postura normativa adequada às regras vigentes, mostrando-se, antes pelo contrário, uma reacção contrária, por isso, o requerente ainda é merecedor da confiança que o estado deposita em quem é titular de licença de uso e porte de armas, para exercício da actividade lúdica/venatória.
18. Assim, com todo o respeito por opinião diversa, parece-nos que os factos dados por provados, em face do exposto, ao recorrente deverá ser atribuída idoneidade para ser titular de licença de uso e porte de armas, nos termos e para os efeitos do art. 14.º, n.º 2 e 4, ex vi do disposto do art. 15.º n.º 2, ambos do RJAM, pois que não denota o seu comportamento uma personalidade avessa ao cumprimento de regras mínimas de convivência social, ou desrespeito pela segurança, em especial e no que concerne à utilização de armas de fogo.”
Pugna pela revogação da decisão recorrida, reconhecendo-se ao recorrente condições de idoneidade para os efeitos previstos no artigo 15º da lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.
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I.3. Resposta do Ministério Público
O MºPº na resposta ao recurso, pugnou pela sua improcedência, concluindo:
“1. Por sentença nestes autos exarada proferida em 28 de setembro de 2023, sob referência citius 127724145 foi decidido não reconhecer ao requerente a 10 idoneidade para a renovação da licença de uso e porte de arma.
2. Ponto fulcral do presente recurso será avaliar se, em face da condenação do arguido pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291°, n.° 1 alínea b) e artigo 69°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 153°, n.°1, 155, n.°1, alínea a) e artigo 132°, n.°2, alínea l) do Código Penal, um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 153°, n.°1, 155, n.°1, alínea a) e artigo 132°, n.°2, alínea l) do Código Penal, um crime desobediência, p. e p. pelo artigo 348°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, por referência ao artigo 152°, n.° 1, alínea a), n.° 3 do Código da Estrada, tendo sido condenado na pena única de trezentos e sessenta dias de multa à taxa diária de nove euros e na pena acessória de oito meses de proibição de conduzir veículos com motor, por sentença transitada em julgado em 20.11.2020 por factos praticados em 10.06.2018 será de conferir idoneidade para a concessão de licença de uso e porte de arma de caça.
3. Consta, além do mais, dos factos provados na sentença constante do processo apenso que «Instantes mais tarde, mantendo-se a patrulha no local, o arguido saiu de casa, e, no momento em que lhe foi solicitado de novo que efetuasse o teste, o arguido voltou a exaltar-se, dizendo: "Vocês querem-me lixar. Não faço teste nenhum". - Tendo-se refugiado de novo na habitação, mantendo a porta aberta, o arguido dirigiu-se aos militares, afirmando: "São uns Cabrões, uns filhos da puta. Eu fodo-vos, eu mato-vos". Depois, dirigindo-se ao cabo BB, afirmou: "Eu a ti conheço-te, filho da puta. Eu amanhã mato-te".».
4. Entende o Recorrente, em suma, que tal condenação não é suficiente para se concluir pela falta de idoneidade do Recorrente atendendo a que o mesmo é caçador há diversos anos, sendo aquele episódio, ou seja, os factos que conduziram à condenação, são insuficientes para concluir que não estão reunidos os requisitos de idoneidade do arguido para que lhe seja concedida licença de uso e porte de arma de caça.
5. Dispõe o art. 15.° do RJAM que «As licenças C e D podem ser concedidas a maiores de 18 anos que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições: a) Se encontrem em pleno uso de todos os direitos civis; b) Demonstrem carecer de licença de uso e porte de arma dos tipos C ou D para a prática de atos venatórios, e se encontrem habilitados com carta de caçador ou demonstrem fundamentadamente carecer da licença por motivos profissionais; c) Sejam idóneos; d) Sejam portadores de certificado médico, nos termos do artigo 23.°; e) Obtenham aprovação em curso de formação técnica e cívica para o uso e porte de armas de fogo» e o n.° 2 que «A apreciação da idoneidade do requerente é feita nos termos do disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 14.°».
6. Por seu turno, preceitua o art. 14.° do RJAM no seu n.° 2 que «Sem prejuízo do disposto no artigo 30.° da Constituição e do número seguinte, para efeito de apreciação do requisito constante da alínea c) do número anterior é suscetível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outras razões devidamente fundamentadas, ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão».
7. Conforme refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19.02.2013 69/01.0JELSB-I.E1 «A condenação pela prática de crimes dolosos ou negligentes, mesmo que cometidos sem uso de violência e a que não corresponda pena superior a um ano, podem constituir factor atendível de ponderação e, concretamente, integrar essas "outras razões devidamente fundamentadas".».
8. Afigura-se-nos que será do contexto em que o crime foi cometido, designadamente, atentando nos factos dados como provados que terá de se aferir da idoneidade do requerente para a concessão da licença de uso e porte de arma de caça.
9. Assim, e, considerando os factos dados como provados que, como se disse, constituíram ameaças à vida de agentes policiais, tal revela, mesmo que, tratando-se de um ato isolado, falta de idoneidade para a concessão de licença de uso e porte de arma.
10. Deste modo e convocando o parecer de indeferimento da PSP de onde se extrai, com pertinência, que «pelo perigo abstrato que representa a posse de arma de fogo, que não está disponível a qualquer cidadão, implica assim a plena consciência por parte do titular de licença dos especiais deveres que sobre si impendem, eximindo-se de praticar atos que evidenciem negligência e/ou ponham em causa a necessidade de manter o equilíbrio entre os interesses pessoais e os comunitários, neste caso de segurança pública».
11. Por outro lado e, como
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