Acórdão nº 6/23.1T8FTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-01-23

Ano2024
Número Acordão6/23.1T8FTR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

Por decisão proferida em 25/10/2023 foi julgada improcedente a impugnação judicial interposta pela arguida AA relativamente à condenação pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território que a condenou no pagamento de uma coima no valor de € 12.000,00 e nas custas do processo, pela prática de uma contraordenação ambiental grave por incumprimento da obrigação de encaminhar para destino adequado os resíduos pelos quais era responsável, p. e p. pelos artigos 5.º e 67.º, n.º 2, alínea a) do DL n.º 178/2006, de 05/09, alterado pelo DL n.º 73/2011, de 17/06 [atualmente p. e p. pelos artigos 9.º e 117.º, n.º 2, al. b), do DL n.º 102.º-D/2020, de 10/12], sancionável a título de negligência pelo artigo 22.º, n.º 3, al. a) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto.

Inconformada com a referida decisão, dela recorreu a arguida, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1. O prazo de prescrição do procedimento de contraordenações graves conta-se a partir da data da prática do facto e corre por um período de cinco anos, “sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral”, de acordo com o artigo 40º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, Lei nº 50/2006, de 29 de agosto.

2. Contudo existe no regime geral das contraordenações outro prazo a ter em conta para efeitos da prescrição do procedimento contraordenacional, referimo-nos ao previsto no art. 28º nº 3 do RGCO – Dec. Lei 433/82 de 27 de outubro, “a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.

3. Como tal, na contagem daquele prazo de prescrição de 5 anos acrescido de metade não é de considerar qualquer interrupção ocorrida no procedimento, tendo, contudo, relevância as causas suspensivas do prazo de prescrição. Assim, no que toca às causas de interrupção do procedimento contraordenacional enumeradas na decisão sob recurso, as mesmas são irrelevantes para o apuramento do prazo de prescrição a realizar nos termos do art. 28º nº 3 do RGCO.

4. Ressalva-se a clareza da norma: “a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade”. O legislador nada refere quanto às causas interruptivas da prescrição, razão pela qual, para efeitos do regime previsto no art.28 n.3 do RGCO, não se atendem as causas de interrupção do procedimento.

5. Desta forma, na contagem do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, nos termos e para os efeitos do art. 28º nº 3 do RGCO, contabilizam-se apenas os efeitos das causas de suspensão que se tenham verificado e que estão previstas no artigo 27º-A do mesmo diploma.

6. Constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, caso este em que a suspensão não pode ultrapassar os seis meses, de acordo com o artigo 27-A n. º1 a) C e n. º2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, sendo esta causa de considerar, acrescendo, ao prazo do art.28 n.3 do RGCO. O que não se poderá aceitar como causa de suspensão da prescrição serão as causas invocadas em virtude da legislação publicada a propósito da situação de pandemia COVID-19.

7. Cremos que a legislação – artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, na interpretação que lhe foi dada pelo artigo 5º da Lei nº 4-A/2020, posteriormente revogado pelo artigo 8º da Lei nº 16/2020, que entrou em vigor no dia 03.06.2020 e artigos 2º e 4º da Lei nº 4-B/2021, de 01/02, em vigor até à sua revogação pela Lei nº 13-B/2021, de 05/04 – que, por força da pandemia, criou a suspensão da contagem dos prazos de prescrição do procedimento de contraordenação, apenas poderá ser aplicada aos factos praticados no decorrer da sua vigência, ficando ressalvados aqueles que ocorreram em data anterior à sua entrada em vigor, como é o caso dos autos: 30.09.2015

8. Ora, as normas de prescrição reportam-se ao regime substantivo do facto criminoso ou contraordenacional, não podendo, por força do princípio da legalidade, ser aplicadas de forma retroativa à contraordenação aqui julgadas (salvo se tal regime se mostrar concretamente mais favorável à arguida – art. 2º, nº 1 e 4 do Código Penal; art. 2º do RGCO e art. 29º, nº 1 e 4, da CRP, o que não é o caso.

9. Os novos prazos de prescrição e causas de interrupção e suspensão da prescrição do procedimento criminal e das penas e medidas de segurança, bem assim do procedimento contraordenacional e das coimas, sendo prejudiciais ao arguido - como ocorre no caso em apreço - pois alargará necessariamente tais prazos de prescrição, apenas poderá ser aplicada para os factos praticados na sua vigência, o que não é o caso dos autos, sob pena de conferir-lhe um efeito retroativo proibido, em violação do disposto no artigo 29.º, n.º 4, da CRP.

10. Como se refere no Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 23.02.2021 disponível em www.dgsi.pt, “A suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal prevista nos artigos 7.º, n. º3, da L. 1-A/2020 de 19/3, igualmente prevista na L.4-B/2021 de 1/2, não se aplica aos factos ocorridos antes da sua vigência”

11.Parece-nos, pois, não ser de admitir, no caso concreto, como causa de suspensão do procedimento contraordenacional a suspensão de: - 86 dias, com início em 09.03.2020 e termo em 02.06.2020, por força da suspensão dos prazos de prescrição que resultou do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, na interpretação que lhe foi dada pelo artigo 5º da Lei nº 4-A/2023, posteriormente revogado pelo artigo 8º da Lei nº 16/2020, que entrou em vigor no dia 3.06.2020; - 74 dias, com início em 22.01.2021 e termo em 05.04.2021, nos termos do regime estabelecido pelos artigos 2º e 4º da Lei nº 4-B/2021, de 01/02, em vigor até à sua revogação pela Lei nº 13-B/2021, de 05/04,tal como a douta sentença recorrida o fez, e nessa medida violou o principio da não retroatividade da lei penal e o principio da aplicação ao arguido do regime punitivo mais favorável, previstos no art. 2.º, n.º 1 e 4 do Código Penal e art.2º do RGCO e art.29º, nº1 e 4, da CRP.

12. Apenas o período de seis meses, decorrente da pendência do processo após a notificação do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso em 27.01.2023; em virtude do artigo 27º-A nº 1 al. c), do RGCO poderá ser contabilizado.

13. Face ao exposto, o prazo de prescrição do presente procedimento contraordenacional a ter em conta deverá ser de cinco anos acrescido de metade – dois anos e meio – a que se adiciona o prazo de seis meses por força do art. 27º-A nº 1 alínea c) do RGCO.

14. Em suma, a prescrição do procedimento criminal teve início na data do último facto imputado à arguida, ou seja, a 30.09.2015 e teve o seu fim a 02.10.2023 (5 anos de prescrição + 2 anos e seis meses + 6 meses do prazo de suspensão do art. 27º-A nº 1 alínea c) do RGCO = 30 de setembro de 2023, que em virtude de corresponder a um sábado passa para o primeiro dia útil seguinte, 2 de outubro de 2023).

15. Tendo em conta o exposto, estando a decisão sob recurso datada de 25.10.2023, verificamos que a mesma foi proferida posteriormente à data da prescrição do procedimento contraordenacional – 02.10.2023 - pelo que deverão Vossas Excelências reconhecer a prescrição do presente procedimento contraordenacional pelo decurso do prazo previsto no art. 28º nº 3 e art. 27º-A nº 1 alínea c) do RGCO.

16. Caso assim não se entenda, de acordo com o artigo 20º-A do RGCO, Lei nº 50/2006, de 29 de agosto, deverá suspender-se na sua execução a sanção aplicada à recorrente.

17. O facto de entre a data da prática dos factos e o presente já terem decorrido 8 anos, o facto de, tal como consta do ponto 13) dos factos provados da douta sentença “Não consta dos autos que a...

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