Acórdão nº 512/18.0GBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31-10-2023

Data de Julgamento31 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão512/18.0GBGMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção Penal)

I. RELATÓRIO

No processo comum singular n.º 512/18...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi submetido a julgamento o arguido AA, com os demais sinais dos autos.
A sentença, proferida a 5 de junho de 2023 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:
«Nestes termos, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido:

I- Em sede de ilícitos criminais:
A) Condenar o arguido AA pela prática em autoria material de dois crimes de injúria, p. e p. pelo art.º 181º e 184º do Código Penal na pena, cada um, de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
B) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA pela prática dos crimes a que se aludem nas alíneas a) na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros) pela prática dos crimes a que se alude em a);
C) Mais vai o arguido condenado no pagamento das custas do processo, por força do disposto nos artigos 513.º e 514.º do C.P.P., com taxa de justiça que se fixa em 3 U.C.`s, de acordo com a tabela III do Regulamento das Custas Processuais;
***
Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal – art. 5.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto.
***
A presente sentença será depositada (art. 373.º, n.º 5, do CPP).
Dê a correspondente baixa na estatística oficial.»
*
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões:

«1 - Incorre na prática do tipo legal de crime previsto no art.º 181.º, n.º 1, do Código Penal, “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração”.
2 - O ilícito em análise preenche-se com um comportamento activo do agente que, utilizando a linguagem no seu sentido mais lato, imputa factos a outra pessoa ou dirige-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração.
3 - De acordo com o disposto no artigo 184º do Código Penal, a pena prevista naquele artigo sofrerá uma agravação se a vítima for uma das pessoas previstas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132º, do Código Penal, entre as quais se encontram os agentes das forças públicas ou serviços de segurança, no exercício das suas funções ou por causa delas.
4 - A estes elementos objectivos constitutivos do crime, há-de acrescer o elemento subjectivo, no caso o dolo em qualquer uma das suas modalidades, o qual tem de abranger também as circunstâncias que determinam a agravação – cfr. artigo 14.º do Código Penal.
5 - Face aos factos dados como provados e da actuação do arguido entendemos que não estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos tipificadores do crime.
6 - É que temos de ter em conta as circunstâncias em que as alegadas injúrias ocorreram.
7 - Na verdade o arguido foi surpreendido com um assalto que tinha acabado de ocorrer na casa do seu sogro.
8 - O arguido foi chamado ao local pois que os seus familiares que haviam chamado a GNR e dado conta do ocorrido não se sabiam expressar muito bem na língua portuguesa.
9 - O arguido chegado ao local e num estado de nervos e sobressaltado face ao ocorrido foi confrontado, não com o questionamento sobre os factos, mas antes sobre a sua identificação, sobre os seus documentos de identificação.
10 - Sem perceber, porque não lhe foi explicado, para o que é que a GNR pretendia os seus elementos de identificação em primeiro lugar sem antes se inteirar do ocorrido, o arguido, visivelmente nervoso proferiu tais expressões mostrando o seu descontentamento.
11 - Sucede que em momento algum pretendeu injuriar ou por em causa a honra e consideração dos militares da GNR, tanto mais que não se lhes dirigiu pessoalmente, nem lhes imputou factos.
12 - Aliás, da matéria de facto dada como provada na sentença proferida pelo Tribunal a quo, não resulta que o Recorrente tenha ofendido a honra e consideração dos ofendidos, pois,
13 - Por um lado, as expressões proferidas não assumem gravidade suficiente, para em abstrato constituírem ofensas, sendo que estas, por isso, deverão ser entendidas não como injúrias, mas antes como manifestações de desentendimento e/ou desagrado.
14 - Por outro lado, o Recorrente não agiu com o intuito de ofender a honra e consideração dos ofendidos, mas tão somente, como forma de demonstrar o seu desagrado com a "situação" relatada nos autos.
15 - É forçada, descontextualizada e ilegítima, e por isso não se pode aceitar, a conclusão da Mª Juiz “a quo” quando afirma que “os ofendidos, militares da GNR que se encontravam em exercício das suas funções, devidamente fardados e caraterizados enquanto força de segurança e que tendo sido chamada ao local perante uma situação de assalto, foram apelidados como sendo inúteis e que a Guarda, isto é a força de segurança de natureza militar que é constituída por militares organizados num corpo especial de tropas, dos quais os ofendidos fazem parte, foi apelidada de merda, sendo o mesmo que dizer que os elementos que a compõem são uma “merda”, já que a instituição não é algo intangível, mas sim corpóreo e tangível como sejam os militares que a compõem”.
16 - Note-se que tais expressões apenas foram ouvidas pelos Ofendidos já que no local eram os únicos que entendiam português e daí terem chamado o arguido.
17 - Não é pois verdade que o Recorrente tenha proferido as expressões que ora lhe são imputadas, com o intuito de ofender a honra e consideração dos ofendidos, que nem foram directamente interpelados ou visados nas suas pessoas,
18 - Pelo que não se aceita a punição do Recorrente, uma vez que as expressões proferidas nas circunstâncias de tempo, modo e lugar, indubitavelmente não assumem dignidade penal, o que nos autos importa.
19 - Veja-se a esse título o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no Processo 294/19.8PABCL.G1 de 24-05-2021 onde no seu sumário se pode ler:
I- As palavras dirigidas pelo arguido ao assistente, dizendo-lhe que “ele não prestava, que era um mau profissional e que era um arrogante”, no contexto em que estas palavras foram proferidas, relativo a um caso de estacionamento de veículo automóvel indevido na via pública, visaram direta e essencialmente a ação do assistente, enquanto agente da PSP no exercício da sua atividade de polícia, e não a pessoa deste.
II- Quem exerce funções públicas, de que é exemplo os agentes das forças de segurança, encontra-se sujeito à critica objetiva. E, neste contexto, são compreensíveis os exageros na crítica, a animosidade, os excessos de linguagem, a grosseria e a má educação, sendo exigível a quem exerce funções públicas disponha da capacidade de aceitar a crítica, ainda que injusta ou imerecida, a falta de civismo e de pacífica convivência social.
III- O direito penal tutela valores fundamentais da vida em sociedade e deverá promover a pacificação social, sendo um direito de ultima ratio, pelo que fazendo aqui apelo ao princípio da proporcionalidade e à concordância prática entre, por um lado, o direito ao bom nome e à reputação, e o direito à liberdade de expressão e ao direito de critica objetiva por outro, consideramos que as palavras dirigidas pelo arguido ao assistente não têm suficiente dignidade penal para o efeito de integrar o tipo legal de crime de injúria.
20 – (…)É nesse contexto que surge o direito que cada pessoa tem de divulgar a opinião e de exercer o direito de crítica, como uma das manifestações da liberdade de expressão, consagrada no artigo 37.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que preceitua o seguinte: “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”.
21 - A liberdade de expressão, para além de constitucionalmente consagrada constituiu, nas palavras repetidamente utilizadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, caracterizada ainda pelo pluralismo, tolerância e espírito de abertura, e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um.
22 - Por outro lado, como se ensina no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.01.2015, Processo n.º 168/12.TRPRT.S1, relatado pelo Sr. Conselheiro Manuel Braz, publicado em www.dgsi.pt, citando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 12/06/2002, no processo nº 332/02, do mesmo relator, “o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado.
23 – (…) sendo o assistente A. C. agente da PSP, no exercício das suas funções à data dos factos, como se assinala no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc.515/17.1PHSNT.L1, de 17.04.2018, relatado pela Sr.ª Desembargadora Maria Margarida Bacelar, publicado em www.pgdlisboa.pt, deveria ter uma acrescida tolerância a estas formas de expressão, porventura transgressora das regras do civismo exigível na...

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