Acórdão nº 4907/19.1T9PRT-C.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 31-05-2023

Data de Julgamento31 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão4907/19.1T9PRT-C.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 4097/19.1T9PRT-C.P1
Data do acórdão: 31 de Maio de 2023

Desembargador relator: Jorge M. Langweg
Desembargadora 1ª adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Desembargador
2º adjunto: Manuel Soares

Origem:
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Instrução Criminal do Porto


Sumário:
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…………………….
……………………..


Acordam, em conferência, os juízes acima identificados
do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente a requerida AA.
I - RELATÓRIO
1. No âmbito do processo do qual foi extraída a certidão que integra os presentes autos foi proferida a decisão que decretou o arresto preventivo nos termos do artigo 103º, n.º 2, al. h) e do artigo 194º, n.º 5 do Código de Processo Penal, 228º, 268º nº1. al. b) do C.P.P., e do artigo 363º, n.º 1 do Código de Processo Civil dos bens seguidamente identificados, sem prejuízo de outros que possam eventualmente ser detetados até ao limite do valor que se pretende acautelar, com vista a assegurar o pagamento do valor das vantagens até ao momento apuradas:
Do arguido BB (…):
(…)
Da arguida AA:
- Prédio descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Maia sob o n.º ...3/19910122-E sito na Rua ..., ..., ..., concelho da Maia – cfr. fls. 1031.
2. Inconformada com tal decisão, a arguida AA interpôs recurso da mesma para este Tribunal da Relação, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos:
“A. O presente recurso tem como objecto toda a matéria do despacho que aplicou medida de garantia patrimonial de arresto preventivo de imóvel à Arguida, ora Recorrente, nomeadamente o arresto preventivo do Prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia, sob o n.° ...3/19910122-E sito na Rua ..., ..., ..., concelho da Maia', sendo que, certamente por lapso, foi indicada a morada do imóvel como situando-se na Rua ..., quando a morada correcta é a Rua ... em ..., concelho da Maia, morada constante do TIR da Recorrente - conforme indicado no auto de arresto.
Vem a Recorrente acusada pelo Ministério Público de alegados factos susceptíveis de consubstanciar a prática do crime de burla qualificada, previsto e punível pelo art. 271.°, n.° 1, e 218.°, n.° 1 e 2, aI. a) e c) todos do Código Penal, entendendo assim que a mesma terá alegadamente alcançado vantagens económicas decorrentes do crime, que totalizariam o valor de € 272.250,00 (duzentos e setenta e dois mil duzentos e cinquenta euros).
O Tribunal a quo entendeu existirem indícios substanciais de que a Recorrente e arguida (em conjunto de esforços com o Arguido BB) se apropriou de uma vantagem patrimonial ilegítima, entendendo estar fundamentada a "probabilidade séria da existência do créditos' nos indícios reunidos contra os arguidos, e que todos os elementos recolhidos levam à conclusão que a Arguida tentará dissipar o património, sem nunca, todavia, indicar quais os elementos recolhidos que levam a crer que a Recorrente irá dissipar o seu património.
É ainda de relevar que imóvel descrito e objecto do presente recurso, conforme consta do próprio despacho que ordena o arresto preventivo: Arguida AA (...), casada em regime de comunhão gerai de bens como (...) é, desde 15.12.1997, proprietária da habitação (...) - fis. 1031", ou seja, o arresto preventivo, in casu, incidiu sobre a casa de morada de família da Arguida, da sua propriedade e do seu marido desde o ano de 1997, por receio de dissipação de bens no ano de 2023, com referência a factos alegadamente cometidos no ano de 2017.
No que diz respeito aos alegados substanciais indícios do crime, a arguida, aqui Recorrente, remeterá a sua defesa para as instâncias próprias, nomeadamente a sua contestação e defesa em sede de julgamento.
Ainda, cumpre realçar que a Recorrente tem 58 anos de idade e não tem antecedentes criminais, nem sequer alguma vez foi acusada ou indiciada pela prática de qualquer outro crime; podemos assim concluir que os factos em investigação nos autos, a confirmarem-se (algo que a Recorrente repudia), constituem um episódio isolado na sua vida, que, até aqui, tem sido orientada de acordo com os ditames do Direito.
No que se refere à aplicação da medida de garantia patrimonial de arresto preventivo, prevê a primeira parte do n.° 1 do art. 228.° do Código de Processo Penal (doravante CPP) que, ^Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos Como tal, e no que diz respeito aos requisitos substantivos do arresto no processo penal, é de aplicar o regime legal do Código de Processo Civil (doravante CPC), determinando o art. 391.° do CPC que, credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedoF.
I. Como tal, e aplicando este artigo ao arresto preventivo no processo penal, não basta, para que o mesmo seja decretado, indícios suficientes do crime e da existência do crédito, sendo assim igualmente necessário provar e justificar o receio de perda da garantia patrimonial do requerente.
1 0 facto de o primeiro requisito se encontrar verificado, ou seja, a probabilidade da existência de um direito, não leva a que automaticamente haja um justo receio de perda da garantia patrimonial; todavia, a forma como os factos são expostos tanto no requerimento do Ministério Público, como no despacho proferido pelo Tribunal a quo, querem levar à conclusão que um requisito seja a consequência lógica e absoluta do outro, ao referir que wresultam indícios substanciais de que os arguidos se apropriaram de uma vantagem patrimonial ilegítima. Ora, tal leva-nos concluir que os arguidos de tudo farão para ocultar o seu patrimónior dissipá-lo, ou transferi-lo para terceiro' - o que não se pode aceitar.
(…)
.Isto é, "A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade: (...) d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193. ° e 204. (art. 194.°, n.° 6, do CPP).
No despacho proferido pelo Tribunal a quo, em momento algum são indicados factos concretos que indiciem que a Recorrente tenha adoptado, ou tenha o propósito de adoptar, qualquer conduta de dissipação de bens.
Aliás, a justificação do justo receio é efectuada com recurso a simples indicações abstractas, nomeadamente: que os indícios do alegado crime levam crer que os arguidos tudo farão para ocultar o seu património (.../', que "todos os elementos recolhidos na investigação, levam-nos a concluir que os arguidos de tudo darão para ocultar o seu patrimónió; bem como que "Existe, assim, (...) o perigo de que o passar do tempo faça desaparecer para sempre os bens dos arguido.
In casu, não foram mencionados factos concretos susceptíveis de permitir a fundamentação do justo receio de perda da garantia patrimonial, tendo a medida em causa assentado apenas em meros juízos abstractos, não concretizados em factos.
Isto é, em momento algum é indicado, de forma clara e explícita, os factos concretos que levam a acreditar que a aqui Recorrente pretende dissipar bens - talvez porque não estão indiciados quaisquer factos que façam depreender que a Recorrente pretende dissipar os seus bens e eximir-se ao possível pagamento.
De facto, inexiste qualquer receio efectivo de perda da garantia do crédito; basta, desde logo, ter em consideração que o bem imóvel arrestado é a casa de morada de família, onde a Requerente vive com a sua família, casa esta por estes adquirida no ano de 1997 - vinte anos antes dos alegados factos, e vinte e cinco anos antes do despacho que decreta o seu arresto,
Sendo que a Recorrente tem conhecimento do processo de inquérito desde, pelo menos, o ano de 2020 (data da sua constituição de arguida), pelo que, se fosse intenção sua vender ou dissipar de algum modo a sua casa de morada de família, certamente o teria feito nos últimos três anos.
Aliás, a sua evidente simplicidade está patente no comportamento colaborante que adoptou desde a sua constituição enquanto arguida, não se tendo furtado à justiça, tendo inclusive colaborado com esta, indicando em sede inquérito prova testemunhal e documental para a descoberta da verdade.
Em conclusão, não é alegado qualquer facto concreto susceptível de permitir extrair a conclusão de que a Recorrente praticou ou se preparava para praticar actos com vista ao extravio ou delapidação do seu património de forma a subtrair os seus bens, designadamente o imóvel objecto do arresto; o que se alega não passa de afirmações conclusivas, meras conjecturas, sem qualquer alicerce factual.
Sendo certo que os factos concretos que fundamentam o justo receio de perda da garantia patrimonial teriam que ser alegados e provados pelo requerente de arresto, e, conforme se expôs, tanto no requerimento de arresto do Ministério Público, como no despacho que o ordena proferido pelo Tribunal a quo, apenas são usadas frases abstractas contendo, em suma, conceitos e frases feitas para justificar o justo receio, sem nunca alegar e provar ou indiciar factos concretos.
Aliás, todos os indícios apontam para a não existência de justo receio de perda da garantia patrimonial, estando em causa o imóvel que é a casa de morada de família da Requerente, onde residem ainda neste momento, comprada pela mesma e pelo seu cônjuge em 1997, isto é, há cerca de 25 anos.
Não estando assim preenchidos os requisitos legais cumulativos que permitiriam ao Tribunal a decretar o arresto preventivo, nomeadamente o requisito referente ao justo receio de perda da garantia patrimonial, nos termos do previsto pela conjugação dos artigos 228,°, n.°1,
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