Acórdão nº 429/20.8PHVNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-09-13

Ano2023
Número Acordão429/20.8PHVNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 429/20.8PHVNG.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – O assistente veio interpor recurso do douto despacho do Juiz 4 do Juízo de Instrução Criminal do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que não pronunciou AA pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, b, do Código Penal

Da motivação deste recurso constam as seguintes conclusões:
«1ª Vem o presente recurso interposto da decisão instrutória que não pronunciou a arguida nos presentes autos pela prática de um crime de violência doméstica.
2ª Apesar da prolação do acórdão de 6/4/22 deste Relação que ordenou que, entre o mais, se fizesse a indicação e exame crítico da prova produzida, por forma a concluir-se pela sua indiciação ou não indiciação, na decisão instrutória não levou a efeito.
3ª A não indiciação dos factos constantes do ponto 1 dos não indiciados colide frontalmente com os factos indiciados nos pontos 3 a 9 nos quais se descrevem factos que indiciam exactamente que «Durante a relação de namoro que existiu entre o assistente e a arguida no período de 05/07/2019 a 20 /06 /2020, a arguida injuriou o assistente” – dir-se-á até que injuriou e difamou o assistente.
4ª Por outro lado, na própria decisão instrutória concluiu-se que a relação do assistente com a arguida foi ciumenta de ambas as partes. Daí que, a factualidade do ponto 1 dos factos não indiciados, deve ser dada como indiciada.
5ª Mas, ainda que assim não se entenda é manifesta a contradição entre os factos indiciados e não indiciados que deve ser tida por insanável e que (a não se darem como indiciados tais factos) deveria dar lugar à constatação de que a decisão incorre em contradição insanável entre os factos indiciados e não indiciados (artº 410º nº2 al. b) do CPP).
6ª Por outro lado, deve também dar-se como indiciado que a arguida agrediu o assistente e que o tentou controlar, sendo que este último facto decorre dos restantes alegados no requerimento de abertura da instrução.
7ª O único meio de prova citado na decisão recorrida para além dos depoimentos prestados é a sentença proferida no Proc. nº 666/20.5PIPRT. No entanto, nem a referida sentença está transitada em julgado, nem pode substituir os meios de prova produzidos nos presentes autos, nem sobre a factualidade aí dada como provada ou não provada foi produzida qualquer prova, nem sequer os factos aí dados como provados colidem ou contradizem os alegados no requerimento de instrução.
8ª Por outro lado, o argumento de que relação entre Arguida e Assistente caracterizou-se como ciumenta de ambas as partes e, por outro lado, os comportamentos apurados e imputados à aqui Arguida surgiram, no essencial, na sequência de idênticos comportamentos assumidos pelo ora Assistente., poderia, eventualmente levar a que se concluísse pela existência de retorsão, mas de uma forma ou de outra, os factos teriam que ser dados como indiciados.
9ª Quanto aos factos referentes ao A... dados como não indiciados – pontos 2 e 3 dos factos não indiciados -, o depoimento do ofendido surge coonestado pela testemunha BB (cfr. fls. 99) que afirmou ter visto as marcas que o assistente ostentava após o episódio que este relata reportado ao A... de 4/10/19 e pela testemunha CC (cfr. depoimento de fls. 103).
10ª Assim, tal factualidade deveria ter sido dada como indiciada com base no depoimento do ofendido e das testemunhas BB e CC.
11ª Quanto aos factos ocorridos em Guimarães – ponto 4 dos factos não indiciados – estes foram afirmados pelo assistente na sua queixa e, no pressuposto da valoração da sentença proferida no Proc. nº 666/20, foram até dados como provados nos pontos 10) e 11) da matéria assente e admitidos pela própria arguida nesses autos, embora reportados a 2 dias antes, quando é certo que tais factos decorreram no dia 25/12.
12ª Por outro lado – e isto aplica-se a toda a factualidade dada como não indiciada -, o silêncio da arguida não pode ser valorado como um contra-indicio.
13ª De facto, a arguida nos presentes autos teve a maior das liberdades para declarar o que bem entendeu, sabendo que se encontrava obrigada a contraditar as imputações que lhe faziam, pelo que, se não o quis fazer especificadamente, sibi imputet.
14ª Não se pode pretender que as declarações do ofendido, coonestadas, quer por depoimento indirecto quer por depoimento directo pelas testemunhas arroladas, não tenham qualquer validade, pois que se o silêncio da arguida ou as suas declarações de simples negação não a podem desfavorecer, neste caso também não a podem beneficiar.
15ª Por outro lado, nenhuma razão existia para que o recorrente prestasse falsas declarações, tanto mais quanto a aspectos tão íntimos da relação que mantinha com a arguida, pelo que devem ser valoradas tais declarações e dados como indiciados os factos em causa.
16ª A prova dos factos 5 a 8 do rol dos factos não indiciados decorre concludentemente dos factos concernentes ao elemento objectivo do crime.
17ª Da prova produzida decorre que a arguida, com a sua conduta, injuriou o assistente por diversas vezes por escrito e verbalmente, difamou-o e agrediu-o, pretendendo humilhar, desrespeitar, achincalhar, desconsiderar, rebaixar e menosprezar o assistente, com o intuito de lhe causar prejuízo para a sua saúde, integridade física e psíquica, dignidade, honra e consideração pessoal.
18ª De facto, o dolo apesar de ser um fenómeno da vida psíquica, não sendo passível de apreensão directa, pode retirar-se das circunstâncias da infracção, pelo que os factos narrados no requerimento de abertura de instrução são passíveis de atingir a integridade física e psíquica e a dignidade do assistente, bem como a sua honra e consideração.
19ª Na verdade, quer as injúrias quer as imputações feitas a total despropósito perante terceiros, a estes afirmando que o assistente “ia comer” amigas suas e que tinha um pénis mais pequeno que o seu anterior namorado, quer as agressões que perpetrou são capazes de levar a que a arguida seja pronunciada pela prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artº 152º nº1 al. b) do Código Penal.
20ª Daí que deva dar-se por indiciada a factualidade dos pontos de facto 5 a 8 da matéria não indiciada, tal com o a restante factualidade alegada no requerimento de instrução.
21ª Por último sempre se dirá que o crime de violência doméstica consome todos os demais tipos legais, cujos factos se encontram alegados no requerimento de instrução in casu, designadamente os crimes de injúrias, e de ofensa à integridade física simples, previstos e punidos respetivamente pelos artigos 181º nº1 e 143º nº1 do Código Penal, pelo que mesmo que fosse de entender que inexistem indícios da prática do crime de violência doméstica, sempre a decisão instrutória havia de apreciar os indícios relativamente a tais incriminações.
22º A decisão instrutória recorrida violou a norma do artº 308º nº1 do Código de Processo Penal e as normas descritas na motivação que aqui se dão por integralmente reproduzidas breviatis causa, não podendo, pois, manter-se, devendo, em consequência a arguida ser pronunciada pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, b), do Código Penal

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância apôs o seu visto.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- saber se o despacho recorrido enferma de insuficiente fundamentação e contradição insanável da fundamentação;
- saber se dos autos resultam indícios suficientes da prática, pela arguida AA, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, b), do Código Penal, devendo, por isso, ser esta pronunciada pela prática desse crime

III – É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:

«Decisão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 64 e seguintes do Apenso de Recurso.
Por decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, na sequência do recurso da decisão instrutória apresentado pelo Assistente DD, foi decidido julgar «verificada a irregularidade do artigo 123.º, n.º 2, por omissão dos reais fundamentos da decisão de não pronunciar a arguida pelos factos referenciados no requerimento de abertura de instrução, declara-se inválido o despacho de não pronúncia e todos os atos posteriores dele dependentes, devendo ser substituído por outro que se pronuncie sobre a existência ou não de indícios suficientes da prática dos factos individuais vertidos nos artigos 49.º e ss do requerimento de abertura da instrução e explicite e exteriorize no respetivo texto, ainda que de forma simples e breve, os fundamentos de facto [enumeração factual e concretos meios de prova atendidos ou não e em que moldes] e de direito que sustentam o respetivo juízo indiciário.».
Assim, na sequência do decidido e de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 4.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, impõe-se suprir o vício apontado.
Importa precisar que, declarada a irregularidade da decisão instrutória nos termos supra referidos, não vislumbramos qualquer imposição legal à realização de novo debate instrutório, pelo que de imediato passamos a corrigir a decisão instrutória proferida nos autos em conformidade com o decidido no acórdão em apreço:
*
DECISÃO INSTRUTÓRIA

• Relatório.

Finda a fase do inquérito, na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, veio o assistente DD requerer a abertura da instrução (cfr. fls. 159 e seguintes), no sentido de ser proferido despacho de pronúncia da arguida AA pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1,
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