Acórdão nº 414/05.0GTCSC.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão414/05.0GTCSC.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, as Juízas na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
No âmbito do Processo Abreviado com o nº 414/05.0GTCSC, que corre termos no Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de pequena criminalidade de Cascais, foi julgado e condenado o arguido AA devidamente identificado nos autos a folhas 56, pela pratica de um crime de condução de veiculo automóvel na via pública sem habilitação legal, p.p. pelo artº 3º nº 1 e 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro na pena de oitenta dias de multa à razão de diária de três euros, ou seja na multa global de duzentos e quarenta euros e tal em 18 de Abril de 2007 ( data dos factos 24 de Julho de 2005).
O arguido até à presente data ainda não foi notificado da sobredita sentença.
O julgamento teve lugar na ausência do arguido, que estava notificado para comparecer a folhas 51 conforme acta de audiência de discussão e julgamento de folhas 53 a 55.
Depois de inúmeras e infrutiferas diligências com vista à notificação da sentença ao arguido, devidamente espelhadas nos autos, que se goraram, por ser desconhecido o paradeiro do arguido AA, em 14 de Julho de 2021, foi proferido o despacho recorrido a folhas 185 e seguintes, através do qual foi julgado extinto o procedimento criminal sobre que versam os autos.
Inconformado com o referido despacho que declarou extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra o arguido, veio o Ministério Público interpor o presente recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1.
Por douta sentença, proferida a 18 de Abril de 2007 (fls. 56 a 64), foi o arguido AA condenado, como autor material, pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €3, no montante total de €240 (duzentos e quarenta euros).
2.
Como resulta dos autos e de todo o processado, o arguido foi regularmente notificado das datas de audiência de discussão e julgamento – na morada do Termo de Identidade e Residência, que prestou a fls. 6 e que não alterou -, não tendo comparecido em qualquer delas, nem mesmo na data da leitura da sentença.
3.
Tendo sido julgado na ausência, foi determinada a sua notificação pessoal, nos termos do artigo 333.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, a qual não chegou a ter lugar, porquanto, pese embora as inúmeras diligências efectuadas, não foi possível apurar do paradeiro actual do arguido – verificou-se, assim, a existência da causa de suspensão prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal.
4.
Na sequência, por decisão proferida a 14 de Julho de 2021, entendendo-se existir uma lacuna legal que cumpre corrigir, por recurso a analogia, se conclui que ‘se mostra transcorrido o prazo prescricional de cinco anos, acrescido do prazo de dois anos e seis meses inerente a eventual interrupção do prazo e ainda cinco anos que caberiam, caso o arguido, em tempo próprio, tivesse sido declarado contumaz (em análoga situação de revelia com a presentemente analisada), julga-se extinto, por prescrição, o procedimento criminal sobre que versam os autos’, sem que de tal decorra, em concreto, quais os normativos em que tal entendimento se fundamenta, sendo certo que toda a jurisprudência identificada não o sustenta.
5.
É desta decisão, que declara extintos os presentes autos, por prescrição, da qual discordamos, que ora recorremos, por considerarmos que a mesma contende e viola o disposto nos artigos 118.º, 120.º e 121.º, todos do Código Penal, devendo, consequentemente, ser substituída por outra que proceda a diligências a fim de proceder à notificação ao arguido da sentença proferida nos autos.
6.
Visa-se, com o recurso ora interposto, apreciar e responder à seguinte questão: terá lugar a prescrição do processo, no caso de a sentença proferida não ter transitado em julgado, uma vez que, determinada a sua notificação por via pessoal, por força da realização de audiência de julgamento do arguido na ausência, a mesma não ter sido possível ou, ao invés, o prazo prescricional permanecerá indefinidamente suspenso? É nosso entendimento, como fundamentamos, de que o prazo de prescrição permanece indefinidamente suspenso, até à notificação da sentença ao arguido.
7.
Cumpre, antes de mais, afirmar que o artigo 120.º do Código Penal, ao contrário de outras causas de suspensão que aí se encontram identificadas, não estabelece, para a sentença não notificada, qualquer limite máximo de tempo durante o qual tal causa de suspensão vigore ou se mantenha, sendo certo que o legislador, através da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, deixou tal situação inalterável.
8.
Não poderá deixar de se afirmar que, se o legislador manteve tal causa de suspensão nesses termos – e podia ter feito alterações, como o fez quanto à contumácia – foi porque foi essa era a sua vontade, atento o fundamento com que a mesma foi estabelecida, de não premiar o arguido pela sua conduta revel.
9.
Mais, sempre se dirá que o facto que deu origem à não notificação da sentença, e à subsequente impossibilidade de proceder ao apuramento de uma nova morada pertencendo ao arguido, tem na sua base uma vontade deste, de não pretender ser responsabilizado pelos factos que praticou e eximir-se à actuação da justiça, argumento que não deixará de estar na origem do entendimento clara e expressamente plasmado pelo legislador no artigo 120.º do Código Penal, ao afastar a possibilidade de estabelecer um prazo de máximo de prescrição nas situações de não notificação da sentença ao arguido (em consonância, v. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de Maio de 2016 – Processo n.º 372/01.0TALRA.C1 – e de 15 de Junho de 2016 – Processo n.º 514/03.0PBLRA.C1 – e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Novembro de 2020, todos disponíveis em www.dgsi.pt e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5 de Junho de 2018 – Processo n.º 77/04.0TAASL-L1, disponível em www.pgdlisboa.pt).
10.
De facto, a causa de suspensão prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, mais não visa que sancionar um comportamento revel do arguido, para a qual não poderá ser utilizada qualquer analogia ou interpretação extensiva, com vista a pôr um termo ao seu decurso, que só pode ter lugar aquando a notificação efectiva da sentença ao arguido.
11.
Resulta claro que não incumbe ao julgador substituir-se ao legislador, com base no entendimento da verificação de uma lacuna legal, sendo certo que a vontade daquele ficou claramente plasmada quando, tendo analisado as normas a alterar através da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, concluiu no sentido de deixar intacta a previsão da causa de suspensão do prazo de prescrição constante da alínea d), do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal.
12.
Assim, outra solução só poderá ser preconizada, em consonância com o entendimento vertido na decisão proferida – de limitação do prazo máximo em que vigore a causa de suspensão decorrente da falta de notificação da sentença proferida na ausência do arguido -, apenas caso se afira uma alteração legislativa que a introduza, sob pena de se subverter o princípio da legalidade previsto no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa.
13.
Em face do exposto, deve a decisão judicial de que ora se recorre ser revogada, tendo por consideração todos os argumentos e fundamentos aduzidos, e substituída por outra que determine a realização das diligências necessárias e essenciais com vista ao apuramento da morada actualizada do arguido e a proceder à notificação ao mesmo da sentença proferida nos autos, em consonância com a norma prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, a qual a mesma claramente viola.
Pelo exposto, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a decisão judicial recorrida e substituindo-a por outra nos termos determinados, só assim se fazendo a esperada e costumada
JUSTIÇA!
O recurso foi admitido por despacho judicial com a referência 133123838 .
O arguido, notificado na pessoa do seu defensor, não respondeu ao recurso.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, pelo Exmº. Procurador-Geral Adjunto foi lavrado douto parecer, que se encontra junto aos autos, através do qual e a final pugna pela procedência do recurso apresentado pelo MºPº na primeira instância, ali aduzindo e transcrevendo-se em parte:
(...)
Acompanho, nos precisos termos, os fundamentos da motivação de recurso interposto pela Digna Procuradora da República junto da 1ª Instância nos termos de facto e de direito constantes na mesma peça processual, tendo sido aí formulado o pedido no sentido do presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão impugnada e determinado que a mesma seja substituída por outra que determine a realização das diligências necessárias e essenciais com vista ao apuramento da morada actualizada do arguido julgado na ausência e a proceder à notificação ao mesmo da sentença proferida nos autos, em consonância com a norma prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, a qual a mesma claramente viola, porquanto, a esse propósito e também em harmonia com a jurisprudência citada na motivação do mesmo recurso: “- A lei é clara ao determinar que a prescrição do procedimento criminal se suspende durante o tempo em que, a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência. Sendo que para esta causa de suspensão a lei não indica qualquer prazo máximo, a partir do qual a prescrição voltasse a correr.
- Se o legislador pretendesse incluir nesta causa de suspensão um prazo máximo, tê-lo-ia indicado.”
Para tanto, foram extraídas, além do mais, as seguintes conclusões na mencionada motivação de recurso interposto pela Exmª Magistrada junto da 1ª instância, aqui nos permitimos
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