Acórdão nº 4/22.2SILSB.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-03-2023
Data de Julgamento | 23 Março 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 4/22.2SILSB.L1-9 |
Órgão | Tribunal da Relação de Lisboa |
I.–RELATÓRIO
Por sentença datada de 27.10.2022, proferida em processo especial abreviado, o arguido A foi condenado pela prática, em autoria material, de:
- Um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelos art.º 347º, n.º 2, do CP, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão, suspensa por igual período; e
- Um crime de desobediência, p. e p. pelos art.ºs 348º, n.º 1, al. a), e 69º, n.º 1, al. c), ambos do CPP, e 152º, n.ºs 1, al. a), e 3, do C.E, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €6,00, o que perfaz um total de €540,00 (quinhentos e quarenta euros), e na pena acessória de inibição temporária da faculdade de conduzir pelo período de 5 (cinco) meses, nos termos previstos no art.º 69º, do CP.
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RECURSO DA DECISÃO
Inconformado, o arguido interpôs recurso da decisão, tendo extraído da sua motivação as seguintes CONCLUSÕES (que transcrevemos):
A.–Suscitam-se neste recurso as questões de saber se a notificação da acusação ao Arguido para a morada constante no TIR, para os efeitos do artigo 196.º, n.º 2, foi validamente efetuada e se, tal vício configura uma nulidade, nos termos da alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal.
B.–Com efeito, começou por se demonstrar que em consequência de uma detenção em flagrante delito, no passado dia 03/01/2022, A foi constituído Arguido, tendo prestado Termo de Identidade e Residência, pese embora sem fornecer qualquer informação verbal sobre a sua identidade e residência, aos OPC e, recusando-se a assinar qualquer documento.
C.–Ficou demonstrado que o Arguido foi notificado na morada da sua residência, para comparecer nos Serviços do Ministério Público do Tribunal da Pequena Instância Criminal de Lisboa, no dia 03.01.2022, pelas 13:30 (fls. 4), na medida em que a ocorrência teve lugar fora do horário de expediência da secretaria judicial, o que o Arguido fez.
D.–Apesar do processo constarem três moradas distintas afetas ao Arguido, sendo uma delas – a Av. ... ..., n.º ..., R/C Dto., atribuída como morada de notificação para efeitos do artigo 196.º, n.º 2 do CPP, a verdade é que o Arguido desconhecia in totum que do processo constavam as referidas moradas e contactos seus (que nunca facultou), bem como o alcance das consequências que tal circunstância tinha para efeitos do processo penal.
E.–Aquando da apresentação nos Serviços do Ministério Público do Tribunal da Pequena Instância Criminal de Lisboa, com a concordância do MP e do próprio Arguido entende-se que estavam reunidas as condições para a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo (cf. artigo 384.º, n.º 1, do CPP), mediante o cumprimento de um conjunto de regras e injunções, as quais seriam notificadas ao Arguido.
F.–Sucede que o Arguido foi sempre notificado, por via postal simples na morada da Av. ... ..., morada essa nunca fornecida pelo Arguido, e onde o Arguido não reside, motivo pelo qual a partir deste momento deixou de colaborar no processo, levando-o a incumprir as medidas de injunção a que se tinha proposto, tendo o processo sido remetido para o DIAP e à sua ausência na audiência de julgamento.
G.–Ora, pese embora o Tribunal tivesse todos os meios para contactar o Arguido de diversas formas, não o fez, escondendo-se atrás do disposto no artigo 196.º, n.º 2 do CPP, permitindo que o processo penal avançasse sem mais delongas, e vedando o cumprimento das medidas de injunção pelo Arguido, e mais tarde o direito de defesa.
H.–Ora, face à ausência de resposta, e total inércia por parte de um arguido, impendia sobre o Tribunal o dever de perceber o motivo pelo qual o mesmo tinha deixado de responder. No entanto, preferiu cumprir cegamente a lei, desconsiderando todos os princípios basilares do direito penal, designadamente a descoberta da verdade material a ressocialização e reintegração do indivíduo na sociedade de acordo com os fins de prevenção gerais e especiais.
I.–Não obstante e já no fim do processo, o Tribunal ordena que se notifique o Arguido na sua residência para lhe dar conhecimento da sentença, depois de terem sido violados todos os direitos de defesa do arguido, designadamente o direito ao cumprimento das medidas de injunção que lhe foram aplicadas aquando da suspensão provisória do processo, apresentação de defesa decorrente da notificação da acusação e notificação da data para a realização da Audiência de Julgamento.
J.–Ora, tal atuação põe em causa toda a estrutura do processo penal e dos direitos de defesa do Arguido, constitucionalmente consagrados (cf. artigo 32.º, n.º 1 da CRP), o que não é de todo admissível.
K.–A consequência das faltas cometidas pela justiça só pode ser a da nulidade absoluta de todo o processado, devendo diligenciar-se pela nova notificação do Arguido do despacho de decisão de suspensão provisória do processo (fls. 32 e s. dos autos) para que o mesmo possa cumprir as medidas de injunção a que se comprometeu, e caso assim não se verifique, seguir o processo os seus ulteriores termos com a notificação devida.
L.–Também a ponderação feita ao abrigo do art.º 70.º, do Código Penal para a determinação da medida concreta da pena se revelou desadequada, sendo que o tribunal recorrido optou pela aplicação de pena de prisão de 1 ano e 7 meses suspensa por igual período de tempo pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário (cf. artigo 347.º, n.º 2 do Código Penal) e na pena de 90 dias de multa pela prática de um crime de desobediência (cf. artigo 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1, al. c) do CPP e 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do Código da Estrada.
Nestes termos, requer-se a V.ª Ex.ª seja o presente recurso aceite e julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente:
a)- Seja declarada a nulidade da decisão recorrida com a consequente absolvição do Arguido da prática dos crimes de que vem acusado e com a notificação ao Arguido da suspensão provisória do processo na morada Rua ... a ..., n.°..., 1.º. Esq., ....-...-L____, para que possa cumprir as injunções a que se propôs; ou, caso assim não se entenda,
b)- Seja revogada a pena aplicada, sendo substituída por outra, suspensa na sua execução, considerando que o Arguido não tem antecedentes criminais do mesmo género, e que está perfeitamente integrado na sociedade, Assim se fazendo JUSTIÇA!
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RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público respondeu ao recurso no sentido da sua improcedência.
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O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO DA RELAÇÃO
Subidos os autos a este Tribunal da Relação, em sede de parecer a que alude o art.º 416°, do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pugnou pela validade das notificações realizadas ao arguido nos termos dos art.ºs 95º, 116º, n.º 2, e 196º, n.º 3, al. d), todos do CPP, e no mais aderiu à resposta às alegações do recurso apresentadas pelo Ministério Público na primeira instância.
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Cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2, do CPP, foi apresentada resposta.
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Após exame preliminar e colhidos os Vistos, realizou-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir, nos termos resultantes do labor da conferência.
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II.–FUNDAMENTAÇÃO
A DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sendo essas que balizam os limites do poder cognitivo do tribunal superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como ocorre por exemplo com os vícios previstos nos artigos 410º, n.º 2, ou 379º, n.º 1, ambos do CPP (cfr. art.º 412º, n.º 1, e 417º, n.º 3, ambos do CPP).
Posto isto, passamos a delimitar o thema decidendum, que o mesmo é dizer a elencar as questões colocadas à apreciação deste tribunal, pela ordem em que foram invocadas:
1.–A nulidade processual prevista no art.º 119º, al. c), do CPP, por falta do arguido à audiência de julgamento, em virtude de a notificação que seguiu para a sua convocação estar inquinada de invalidade.
2.–Subsidiariamente, a medida das penas concretas aplicadas ao arguido, por serem excessivas.
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A DECISÃO RECORRIDA:
A decisão recorrida (que ouvimos), considerou provados, com relevo para o objeto deste recurso, os seguintes factos:
1.-No dia 1 de Janeiro de 2022, pelas 4h35, o arguido conduzia o motociclo de matrícula ..., na Av. ... ..., junto ao nº ..., em L____, quando o agente da PSP B - que se encontrava devidamente uniformizado e no exercício de funções - lhe deu ordem de paragem, através do sinal regulamentar de paragem, levantando para o efeito a sua mão esquerda com a palma da mão para a frente.
2.-Todavia, o arguido - não obstante se ter apercebido da ordem do referido agente de autoridade e da sua qualidade de agente - acelerou o veículo por si conduzido e dirigiu-o na direcção de tal agente da PSP.
3.-Face ao que o identificado agente se desviou, de imediato, para o lado, só assim tendo evitado ser atingido pelo veículo conduzido pelo arguido.
4.-O arguido, de seguida, encetou fuga ao volante de tal veículo.
5.-Agentes da PSP seguiram no encalço do arguido.
6.-Os agentes da PSP apenas lograram impedir a continuação da fuga do arguido, na Av. ... ..., colocando uma viatura policial à frente do mesmo.
7.-Nessa altura, o arguido foi conduzido ao local inicial da fiscalização supra referido.
8.-Uma vez aí, o agente da PSP B ordenou ao arguido que se submetesse a teste para a pesquisa de álcool no sangue, através do ar expirado.
9.-O arguido recusou-se.
10.-O agente esclareceu o arguido de que, em alternativa, podia efectuar análises ao sangue.
11.-O arguido manteve a recusa.
12.-Face à recusa do arguido, o agente advertiu o arguido de que caso não acatasse tal ordem incorria na prática de um crime de desobediência.
13.-Ainda assim, o arguido manteve a sua decisão de recusa à realização de...
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