Acórdão nº 397/17.3 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-02-03

Ano2022
Número Acordão397/17.3 BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, em representação do seu associado C..., intentou no TAC de Lisboa, ao abrigo do disposto no artigo 338º, nº 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, uma acção administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações, tendo para tanto pedido a anulação do acto da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, de 13-4-2016, que fixou ao seu associado uma pensão anual vitalícia de 684,54 €, a que correspondia uma pensão mensal de 46,32 €.
2. O TAC de Lisboa, por sentença datada de 30-11-2017, julgou procedente o pedido impugnatório, “na parte em que a decisão impugnada suspendeu o pagamento da pensão atribuída”.
3. Inconformada, a CGA interpôs recurso de apelação contra aquela decisão, que foi negado por decisão sumária datada de 19-4-2019, e posteriormente confirmada por acórdão datado de 23-5-2019.
4. Desse acórdão interpôs o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional que, por decisão sumária datada de 10-10-2019, concedeu provimento ao recurso, não julgando inconstitucionais as normas constantes da alínea b) do nº 1 e dos nºs 3 e 4 – quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas normas – do artigo 41º do DL nº 503/99, de 20/11, na redacção dada pelo artigo 6º da Lei nº 11/2014, de 6/3 e, em consequência, determinou a reforma do acórdão recorrido, em conformidade.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
5. É o que se procurará fazer de seguida, relembrando a factualidade dada como assente no acórdão reformando, que é a seguinte:
i. O sócio do autor foi vítima de um acidente em serviço – cfr. doc. 3 junto à p.i.;
ii. A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações deliberou que das lesões sofridas pelo sócio do autor, decorrentes do referido acidente em serviço, resultou uma incapacidade permanente parcial de 9,45% – cfr. doc. 3 junto à p.i.;
iii. Através de ofício de 13-4-2016, foi comunicado ao sócio do autor que por decisão da Caixa Geral de Aposentações, com a mesma data, lhe fora fixada uma pensão anual vitalícia de 684,54 €, a que correspondia uma pensão mensal de 46,32 € – cfr. doc. 3 junto à p.i.;
iv. A ré, para o cálculo da retribuição anual, considerou a retribuição base do sócio do autor, no montante de 700,29 €, correspondente a posição remuneratória intermédia, entre a 5ª e 6ª posições remuneratórias, níveis remuneratórios 5 e 6, da categoria de assistente operacional, da carreira de assistente operacional, da tabela remuneratória
única aprovada pelo Decreto Regulamentar nº 14/2008, de 31/7;
v. Multiplicando € 700,29 por 14, o resultado é € 9.804,06, tendo sido esta a retribuição anual com base na qual foi fixada a pensão anual de 648,54 €, resultante da operação seguinte: 9.804,06 x 70% x 9,45% – cfr. doc. 3 junto à p.i.;
vi. No mesmo acto impugnado, comunicado através do doc. 3 junto à p.i., foi afirmado que “nos termos do artigo 75º da Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro, são obrigatoriamente remidas as pensões por acidente em serviço de incapacidade permanente parcial inferior a 30% e de valor anual não superior a 6 vezes o indexante dos apoios sociais (AS) à data da sua fixação”;
vii. Mais constando que “...Atendendo a que o subscritor nasceu em 3-12-1959, o coeficiente para determinar o capital de remição na data da alta 30-1-2015, é o correspondente a 55 anos de idade, ou seja, 12,469, de acordo com as bases técnicas e tabelas práticas aprovadas pela Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro. (...) Assim, deverá ser pago, a título de reparação total do acidente, o capital de remição de € 8.104,16...”;
viii. Todavia, o sócio do autor até à data não recebeu qualquer prestação – acordo;
ix. Isto porque a ré decidiu que “...Nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 41º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, na redacção dada pelo artigo 6º da Lei nº 11/2014, de 6 de Março, as prestações periódicas por incapacidade permanente não são acumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução da capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente ou doença profissional, pelo que o abono da pensão por acidente em serviço/doença profissional agora fixada ficará suspenso...”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
6. Como se viu, o acórdão reformando aderiu à tese sufragada em diversos votos de vencido lavrados no acórdão do TC nº 786/2017, e por isso confirmou a sentença do TAC de Lisboa, desaplicando as normas infraconstitucionais que fundaram a decisão administrativa da ré, com fundamento na violação (1) do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa, por não assegurarem plenamente o direito fundamental à justa reparação do dano laboral, bem como (2) o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição, na medida em que introduziram uma diferenciação injustificada entre servidores da Administração Pública e trabalhadores do sector privado.
7. Porém, a tese da inconstitucionalidade das normas aplicadas pela CGA não obteve anuência ou confirmação por parte da TC, na decisão sumária constante dos autos, que consequentemente impôs a reforma do decidido.
Vejamos então.
8. O DL nº 503/99, de 20 de Novembro, contém o Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas (doravante RAS).
9. Nos termos do disposto na alínea l) do nº 1 do artigo 3º do RAS, considera-se incapacidade permanente parcial, a situação que se traduz numa desvalorização permanente do trabalhador, que implica uma redução definitiva na respectiva capacidade geral de ganho.
10. Por sua vez, o artigo 4º do mesmo diploma, dispõe no seu nº 1 que os trabalhadores têm direito, independentemente do respectivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, nos termos previstos neste diploma. O nº 4, alínea b) deste artigo estatui que o direito à reparação em dinheiro compreende indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente.
11. Porém, dispõe o artigo 41º do RAS, na redacção dada pelo artigo 6º da Lei nº 11/2014, de 6 de Março, sob a epígrafe “Acumulação de prestações”, o seguinte:
1 – As prestações periódicas por incapacidade permanente não são acumuláveis:
a) Com remuneração correspondente ao exercício da mesma actividade, em caso de incapacidade permanente absoluta resultante de acidente ou doença profissional;
b) Com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente ou doença profissional;
c) Com remuneração correspondente a actividade exercida em condições de exposição ao mesmo risco, sempre que esta possa contribuir para o aumento de incapacidade já adquirida.
2 – O incumprimento do disposto no número anterior determina a perda das prestações periódicas correspondentes ao período do exercício da actividade, sem prejuízo de revisão do grau de incapacidade nos termos do presente diploma.
3 – São acumuláveis, sem prejuízo das regras de acumulação próprias dos respectivos regimes de protecção social obrigatórios, as prestações periódicas por incapacidade permanente com a pensão de aposentação ou de reforma e a pensão por morte com a pensão de sobrevivência, na parte em que estas excedam aquelas.
4 – O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, às indemnizações em capital, cujo valor fica limitado à parcela da prestação periódica a remir que houvesse de ser paga de acordo com as regras de acumulação do presente artigo”.
12. Adiante-se, desde já, que a constitucionalidade das normas constantes da alínea b) do nº 1 e dos nºs 3 e 4 deste preceito, foram já confirmadas pelo Tribunal Constitucional pelo acórdão nº 786/2017.
13. Acresce que o artigo 23º, nº 4 do RAS contém uma norma que assegura a intangibilidade da remuneração do trabalhador sinistrado quando da sua reintegração profissional, a qual não pode, em caso algum ser reduzida.
14. Do regime mencionado decorre que, no caso de infortúnio laboral de que resulte incapacidade permanente parcial, o trabalhador tem direito a receber reparação em dinheiro correspondente à redução da sua capacidade de trabalho ou de ganho. Esta reparação pode assumir duas formas, a saber:
(i) uma indemnização em capital recebida de uma só vez; ou,
(ii) recebendo o mesmo montante através de pensão vitalícia.
15. Contudo, recebendo o trabalhador por qualquer uma destas formas uma reparação em dinheiro, a mesma não pode ser acumulada com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do mesmo, o que significa que o trabalhador não pode ficar a receber mais que recebia em virtude do infortúnio laboral que teve. Ou, dito de outra forma, sendo o trabalhador reintegrado e mantendo a remuneração que auferia antes do acidente, por imposição do artigo 23º, nº 4 do RAS, não pode com ela acumular o montante da reparação em dinheiro derivado daquele acidente.
16. Apenas no momento em que o trabalhador se aposentar, tem direito a receber a reparação pelo acidente, sendo, neste caso, a mesma acumulável com a pensão de aposentação, mas apenas no montante que exceda aquela.
17. A lei estabelece uma prevalência da reparação do acidente em serviço sobre a pensão de aposentação, donde resulta que a pensão de aposentação será reduzida no exacto montante que corresponda ao montante recebido pela reparação do infortúnio laboral.
18. Do exposto...

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