Acórdão nº 3841/19.1T8SNT.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 16-01-2024

Data de Julgamento16 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão3841/19.1T8SNT.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,



1.P., devidamente identificado nos autos, requereu a sua declaração de insolvência e, simultaneamente, pedido de exoneração do passivo restante.

A insolvência foi declarada por decisão transitada em julgado, bem como foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.

Ordenado o encerramento do processo, por despacho proferido em 04/11/2022 (refª 14055253) foi o insolvente declarado “exonerado do remanescente das dívidas, com consequente extinção de todos os créditos sobre a insolvência à data em que é concedida, tenham ou não sido reclamados neste processo, exceptuando-se os créditos por alimentos; as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor que hajam sido reclamadas nessa qualidade, os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações e os créditos tributários e da Segurança Social”, despacho esse que ainda determinou que as custas em dívida ficavam a cargo do requerente, nos termos do disposto no artigo 248º do CIRE.

Notificado da conta das custas do processo e das respectivas guias de pagamento, veio o insolvente, por requerimento de 29/12/2022 (refª 44266185), requerer “a junção aos autos do comprovativo de pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como a suspensão de pagamento até à decisão do mesmo, nos termos do artigo 18 da Lei 34/2004. Subsidiariamente, no caso de o pedido de apoio judiciário ser indeferido pelo Instituto de Segurança Social, requereu que o pagamento das custas processuais fosse realizado em prestações, nos termos previstos pelo artigo 248º do CIRE e artigo 33º do Regulamento das Custas Processuais. Com o requerimento juntou cópia de um e-mail, datado de 28/12/2022, dirigido a iss-apj-lisboa@seg-social.pt, com o seguinte teor: “Vimos pelo presente apresentar pedido de apoio judiciário para custas, em nome do N. Cliente P., no âmbito do processo judicial 3841/19.1T8SNT, que corre termos no Juízo de Comércio de Sintra – Juiz 2.”, nele se referindo que se anexava formulário de APJ, cópia do cartão de cidadão, procuração forense, cópia de recibo de vencimento e sentença final de exoneração do passivo restante.
Seguidamente, por requerimento de 06/04/2023 (refª 45236910), o insolvente informou o tribunal que “até à presente data não obteve resposta do Instituto de Segurança Social, quanto ao pedido de apoio judiciário apresentado.”

Entretanto, em 17/04/2023 foi proferida decisão pelo Instituto de Segurança Social a deferir o pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de custas e demais encargos do processo, decisão essa junta aos autos em 02/05/2023.
Por fim, o requerimento de 06/04/2023 foi objecto de despacho datado de 08/06/2023 (refª 144733273), que se transcreve:
“Requerimento de 6.04.2023
O Devedor formalizou o respectivo pedido de apoio judiciário junto dos serviços da Segurança Social em momento posterior ao da decisão que o condenou em custas, razão pela qual tal pedido já não pode ter efeitos neste processo.
Com efeito, o pedido de apoio judiciário, a ser concedido, abrange apenas os atos praticados após a data do pedido e não os atos anteriormente praticados (neste sentido, e a título meramente exemplificativo, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 12/06/2019, processo n.º 38/16.6T8OLH.E1 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 06/10/2016, processo n.º 2998/13.0TBVCT-A.G2, disponíveis em www.dgsi.pt).
Por tudo o exposto, o pedido de apoio judiciário que o devedor agora fez, não tem como objetivo garantir a tutela de um qualquer direito, nem tem em vista permitir o acesso dos mesmos à justiça, mas tão-somente o objectivo de o desonerar do pagamento das custas.
Por conseguinte, mantêm a responsabilidade pelo pagamento das custas em que foi condenado, podendo eventualmente requerer o seu pagamento em prestações.
Notifique.”

Não se conformando com este despacho veio o Requerente interpor o presente recurso, cujas conclusões se transcrevem:
A.-O Recorrente apresentou-se à Insolvência, com pedido de exoneração do passivo restante no dia 04.03.2019, tendo a sentença sido proferia a 12.03.2019, e em 23.05.2019, proferido despacho de encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente para o pagamento das custas do processo e demais dívidas da massa insolvente.
B.-Em 04.11.2022 foi concedida ao insolvente a exoneração do passivo restante, com incapacidade para pagamento da conta de custas pela massa insolvente, revertendo as mesmas para o Insolvente, e tendo a conta de custas, sido elaborada em 15.12.2022, no valor de € 3.537,80 (três mil, quinhentos e trinta e sete euros e oitenta cêntimos).
C.-Confrontado com a conta de custas elaborada e perante a incapacidade de pagamento da mesma, o Recorrente apresentou pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de custas e demais encargos do processo, o qual juntou aos autos, em 29.12.2022, e requereu a suspensão do pagamento da conta de custas até decisão do pedido de apoio judiciário apresentado.
D.-Em 17.04.2023, foi proferida decisão, pelo Instituto de Segurança Social, a deferir o pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de custas e demais encargos do processo, tendo sido a decisão junta aos autos pela ISS em 02.05.2023.
E.-Em 08.06.2023, foi proferido despacho de indeferimento do requerimento apresentado pelo Recorrente, com fundamento em que o pedido de apoio judiciário é posterior à decisão de condenação em custas, pelo que o mesmo não pode ter efeitos nos autos, estando assim, o Recorrente obrigado a proceder ao pagamento das custas processuais no valor de € 3.537,80.
F.-Nos termos conjugados dos artigos 304.º e 248.º do CIRE, as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente, mas em caso de insuficiência da massa para o pagamento das custas é o Insolvente responsável pelo pagamento das mesmas.
G.-Apenas com a prolação do despacho final de exoneração do passivo restante, foi apurada a incapacidade financeira da massa insolvente para a liquidação das custas, revertendo a responsabilidade de pagamento de custas pelo Insolvente, e com a notificação da conta de custas verificada a incapacidade financeira do Insolvente para liquidar o valor das custas processuais, pelo que apresentou pedido de apoio judiciário, o qual lhe foi concedido, e não impugnado.
H.-O pedido de apoio judiciário não foi feito em momento anterior, pois durante os anos em que decorria o processo, estava em vigor o n.º 4 do artigo 248.º do CIRE que previa a impossibilidade de acesso do Insolvente a apoio judiciário, norma essa que foi julgada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 418/2021, de 15.06.2021, e revogada pela Lei 9/2022 de 11.01, por violação do artigo 20.º, n.º 1 da CRP, considerando o Tribunal Constitucional que a proibição de o devedor requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça, nos casos em que tenha pedido a exoneração do passivo restante “ofende os princípios da igualdade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva”, acrescentando que tal comporta uma “denegação de acesso à justiça e tratamento discriminatório do requerente de exoneração de passivo restante que padeça de insuficiências de meios económicos para satisfazer a tributação e encargos processuais”.
I.-Ao não aceitar o Tribunal a quo a decisão de deferimento do apoio judiciário concedido ao Recorrente, como abrangendo a conta de custas do processo, desconsiderou o Tribunal a quo, que foi concedido apoio judiciário ao Recorrente por os serviços da Segurança Social terem considerado que houve ocorrência de encargo excecional superveniente.
J.-Mais, desconsiderou o Tribunal “a quo” os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 480/2020, 489/2020, 490/2020 e 418/2021, que declararam a inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 248.º do CIRE “na parte em que impede a obtenção do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, aos devedores que tendo obtido a exoneração do passivo restante e cuja massa insolvente e o rendimento disponível foram insuficientes para o pagamento integral das custas e encargos do processo de exoneração, sem consideração pela sua concreta situação económica, por violação dos arts. 20º, nº1 e 13º, nº2, da Constituição”.
K.-O sentido normativo da decisão recorrida, ofende os princípios da igualdade e do acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva, com referência aos artigos 13.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição, por comportar denegação de acesso à justiça e tratamento discriminatório do requerente de exoneração de passivo restante que padeça de insuficiência de meios económicos para satisfazer a tributação e encargos processuais, face aos requerentes da declaração de insolvência que não formulem idêntico pedido.
L.-Exigir, perante o quadro de carência de rendimentos, ao sujeito processual – Recorrente, o pagamento do remanescente de custas e encargos que a massa insolvente e o período de três anos não permitiu satisfazer, significa recolocar o devedor na mesma situação de incapacidade que fundou a sua apresentação à insolvência, e inviabilizar o desiderato de criação de condições para uma nova vida económica (fresh start), a que está votada a exoneração do passivo restante, o que constitui, materialmente, frustração do seu direito à justiça por
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