Acórdão nº 3708/22.6T8SNT.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 20-06-2023

Data de Julgamento20 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão3708/22.6T8SNT.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.RELATÓRIO


1.–Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A., Sucursal Em Portugal intentou acção executiva sumária contra A [Alexandre……], B [Helia……] e C [Pedro……], apresentando como título executivo escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, na qual os executados A e B tiveram intervenção na qualidade de mutuários e o executado C , na qualidade de Fiador.
2.–Na sequência de várias diligências, foi proferido o seguinte despacho:
“Considerando o regime imperativo consagrado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que se afigura aplicável [artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b)], e o disposto no seu artigo 18.º, n.º 1, alínea b), e nos artigos 576.º, n.º 2, e 578.º, primeira parte, do CPC, convido a exequente a documentar nos autos, no prazo de 10 dias:
- a abertura, tramitação e encerramento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) e sua efetiva comunicação aos executados mutuários;
- o cumprimento ao disposto no artigo 21.º do citado decreto-lei, em relação ao executado fiador e, tendo este exercido a faculdade aí prevista, a abertura, tramitação e encerramento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), e sua comunicação ao mesmo executado”.
3.–Juntou o exequente vários documentos, tendo o executado Pedro Bras defendido que o exequente “não juntou nenhum documento que consubstancie o cumprimento ao disposto no art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 de outubro, em relação ao executado fiador”.
4.–Foi proferido despacho, no qual, ao abrigo do disposto no art 734º do CPC, se julgou “verificada a excepção dilatória inominada de preterição de sujeição dos Executados mutuários ao PERSI e de violação do dever de informação ao Executado fiador” e se rejeitou a execução.
5.–É deste despacho que o Exequente recorre, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
a)-Desde logo, o Exequente, aqui recorrente, não se conforma com a decisão que versou sobre a matéria de Direito, uma vez que, cumpriu com as formalidades que se impugnam pelo DL 227/12 de 25/10.
b)-O recorrente enviou cartas de integração no PERSI em 02/03/2021, para os recorridos mutuários e em janeiro e Maio de 2021 para o fiador, bem como as cartas de extinção por falta de colaboração em 17/03/2021.
c)-Aliás os recorridos mutuários nunca solicitaram a integração deles no PERSI nem pretenderam resolver o assunto quanto ao incumprimento, pois era o fiadora que ia fazendo os pagamentos.
d)-As respetivas cartas para os mutuários foram enviadas para a única morada que o aqui recorrente tem conhecimento e que pertence ao imóvel hipotecado.
e)-Mais, o DL 227/2012 de 25 de outubro, não obrigada a que o meio de notificação seja por carta regista com aviso de receção, indicado apenas que deverá ser através de um suporte duradouro.
f)-Já quanto à violação do dever de informação ao fiador, que alegadamente o aqui Recorrente terá praticado, o mesmo não poderá concordar, pois se por um lado as cartas de integração do PERSI foram enviadas, por outro,
g)-Com a citação do fiador para a presente execução, sempre ocorreu a interpelação para pagamento da divida, sendo esta exigível, afastando assim a regra do artigo 782.º e fazendo funcionar o regime do artigo 781.º, com o vencimento total das prestações.
h)-Veja-se a esse propósito os Acórdão do STJ de 11/03/2021, Processo 1366/18.1T8AGD-B.P1.S1 e ainda o 1366/18.1T8AGD-A.P1 de 08/09/2020,onde se entendeu que, embora não tenha havido lugar à interpelação do fiador, há que ter em conta que entretanto ocorreu a sua citação para os termos da execução, pelo que, pelo menos, a partir dessa data há que considerar que o fiador embargante se constitui em mora, o que significará a inexigibilidade a este dos juros de mora anteriores à citação, nenhum efeito advindo, contudo, da ausência de interpelação no tocante à exigência do capita, juros remuneratórios, despesas e comissões.
i)- Considera-se assim que a citação para a execução constitui interpelação bastante para pagamento, assistindo à Exequente o direito de exigir (solidariamente com a devedor principal) dos fiadores o pagamento da totalidade das prestações que, por força do estatuído no artigo 781.º do CC se venceram (e não apenas as já vencidas e não pagas até à data da instauração da execução), com a contabilização dos juros moratórios a partir daquela citação, despesas e comissões devida
j)-Assim, deveria o tribunal a quo, ter considerado que o recorrente cumpriu com as formalidades devendo como tal a execução ser admitida!”.

6.–Em contra-alegações, o Executado defendeu a improcedência do recurso.
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II.–QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso são:
- apurar se foram efectuadas as comunicações exigidas no âmbito do PERSI;
- apurar se existiu violação do dever de informação ao fiador.
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III.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a atender no presente recurso são os que resultam do relatório supra.
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IV.–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face às questões a decidir, passemos à sua apreciação por ordem lógica.
Insurge-se o apelante com a decisão recorrida, porquanto entende que cumpriu com as formalidades previstas no DL 227/12 de 25 de Outubro, tendo enviado cartas de integração no PERSI para os mutuários e para o fiador, bem como as cartas de extinção por falta de colaboração.

Apreciando.

O DL 227/2012, de 25 de Outubro veio instituir o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), estabelecendo os princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários, mais criando uma rede extrajudicial de apoio no âmbito da regularização dessas situações de incumprimento de contratos de crédito. (cfr. art. 1º).

Por forma a apoiar estas situações de incumprimento, este diploma prevê a adopção célere de medidas susceptíveis de prevenir o incumprimento, mais impedindo as instituições bancárias de, no período compreendido entre a data de integração do cliente no PERSI e a extinção, por qualquer motivo, deste procedimento, resolver o(s) contrato(s) de crédito com fundamento em incumprimento; intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação dos respectivos créditos; ceder esses créditos, ainda que parcialmente, e transmitir a terceiro a sua posição contratual.

Por esse motivo, sendo obrigatória a integração de cliente bancário no PERSI, quando verificados os seus pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (cfr. art. 18º, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012).

Por seu turno, o art. 2º deste diploma determina que este se aplica “aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a)-Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b)-Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c)-Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d)-Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e)-Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês”.
Igualmente importante para a questão em apreço é o art. 3º, al. a) que estabelece que “Para efeitos do presente diploma, entende-se por: (..) a) «Cliente bancário» o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”.
Donde, este regime jurídico apenas será aplicável ao caso dos autos, caso os apelantes possam ser considerados como consumidores nos termos do citado DL 67/2003.
O art. 1º-B da Lei 67/2003, de 8 de Abril define como consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 24/96, de 31 de Julho.
Considerando o texto da Directiva 1999/44/CE, que refere que consumidor é qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional, tem sido entendido que o conceito de consumidor para a Lei 67/2003 deve restringir-se a esta acepção mais restrita, afastando do mesmo as pessoas colectivas, porquanto apenas pode estar em causa o uso privado dos bens adquiridos.
Como refere o Prof. Calvão da Silva, in “Venda de Bem
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