Acórdão nº 3682/21.6T9MAI.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-01-11

Data de Julgamento11 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão3682/21.6T9MAI.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 3682/21.6T9MAI.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Criminal da Maia

Acordam em conferência, os Juízes na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Pelo Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), no âmbito do processo de cassação nº 209/2021, foi ordenada a cassação do título de condução nº ..., de que é titular o arguido AA.
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Impugnada judicialmente esta decisão para o Juízo Local Criminal da Maia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi tal impugnação apreciada por sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Nos termos e fundamentos expostos, decido improcedente o recurso interposto e, em consequência, mantenho a decisão administrativa sob impugnação que determinou a cassação do título de condução nº... ao arguido AA.
Custas a cargo do recorrente que se fixam em 2 UC.
Notifique.
Após trânsito, comunique à ANSR, enviando cópia da presente decisão.
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O arguido AA interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
I. Vem o presente recurso da decisão que ordenou a improcedência da a presente impugnação deduzida do acto que ordenou a cassação da carta de condução ao arguido AA,
II. Contudo, não pode a argumentação expendida na decisão da qual se recorre proceder, uma vez que se constata que as sentenças proferidas nos supra referidos autos não condenam, nem ordenam qualquer comunicação para tal efeito, quanto à perda 6 (seis) pontos no Registo Individual de Condutor do aqui Recorrente, nos termos do artigo 148.º n.º 2 do Código da Estrada.
III. Assim, o aqui arguido não tinha conhecimento, nomeadamente aquando da prática do crime julgado em sede do processo que correu termos neste Tribunal sob o n.º 1/20.2PEMAI, que se encontrava apenas com 6 (seis) pontos no seu Registo Individual de Condutor, não podendo sequer recorrer de tal decisão, uma vez que tendo sido referido no libelo condenatório das sentenças aqui em causa tal consequência em virtude de condenação penal.
IV. a decisão que ordena a cassação da carta de condução ao aqui arguido mais está ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o arguido não teve conhecimento dos efeitos plenos e integrais das sua condenações nos processos enunciados naquela, e, bem assim, possibilidade de, em pleno juízo das suas consequências, ponderar recorrer de tal decisão.
V. Em face ao que fica exposto, e nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 10 do artigo 32.º, no n.º 1 do artigo 266.º da CRP, n.º 1 do artigo 205.º da CRP, e dos artigos, 41.º 43.º e 50.º do RGCO, teria – e tem forçosamente – de ser a decisão impugnada considerada nula e inconstitucional, mais devendo a sentença ora proferida ser revogada e substituída por outra nos precisos sobreditos termos.
Termos em que se requer a V. Exa. que se digne absolver o Arguido, aqui Recorrente, ordenando a nulidade do presente procedimento de cassação, bem como a sobredita inconstitucionalidade nos termos acima exposto, revogando assim a decisão proferida pelo Tribunal a quo nos presentes autos, assim se fazendo a sã e costumeira JUSTIÇA!”.
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O Ministério Público, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela manutenção do despacho recorrido, tendo concluído (transcrição):
“1- Nenhuma crítica pode ser efetuada ao despacho judicial aqui posto em crise que manteve nos seus preciso termos a decisão administrativa sob impugnação que determinou a cassação do título de condução n.º ... ao aqui recorrente AA.
2- Entendemos não ser defensável que o despacho judicial em causa seja revogado e substituído por outro que absolva o recorrente, nem o mesmo pode ser considerado nulo e inconstitucional.
3- Compulsado o recurso apresentado por AA verifica-se que as questões agora suscitadas já o tinham sido na impugnação judicial apresentada pelo mesmo e foram devidamente apreciadas no despacho judicial de que ora recorre o recorrente.
4- Nada mais há a acrescentar para além do que consta da fundamentação de direito constante em tal despacho judicial, uma vez que a Sra. Juíza fundamentou a sua convicção de uma formam clara, concreta e precisa, sustentando a sua decisão na legislação aplicável ao caso concreto, mormente nos arts. 121º-A e 148º, ambos do Código da Estrada e arts. 282º, n.º 3 e 281º, n.º 3, ambos do C. P. Penal, tendo também analisado a questão da alegada inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 32º da C.R.P.
5- Por uma questão de economia processual e porque se concorda com todos os argumentos constantes no despacho judicial proferido nestes autos em 03.07.2022, entende-se ser de manter o decidido.
6- O despacho judicial recorrido não violou qualquer preceito legal ou constitucional, antes tendo efetuado uma correta aplicação do direito aos factos”.
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Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer desfavorável ao provimento do recurso.
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Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais e realizada a conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Questão a resolver
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respetiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso presente, face ao que consta das conclusões do recorrente a questão a decidir resume-se a saber se a decisão que ordena a cassação da carta de condução ao arguido, enferma de nulidade e inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 32º nºs 1 e 10º, 266º nº 1 e 205º nº 1 da CRP e 41º, 43º e 50º do RGCO, visto que o arguido não teve conhecimento dos efeitos plenos e integrais das suas condenações nos processos enunciados naquela e da possibilidade de ponderar recorrer de tal decisão.
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É do seguinte teor a sentença recorrida (transcrição parcial):
1. Por sentença proferida em 10.09.2018, transitada em julgado em 10.10.2018, no âmbito do processo nº79/18.9PDMAI do J3 (extinto) do Juízo Local Criminal da Maia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, o arguido/recorrente AA foi condenado pela prática, em 20.08.2018, de um crime de condução em estado de embriaguez e p. e p. no art. 292º, nº1, do Código Penal, na pena de 30 dias de multa à taxa diária de €7,00, num total global de €210,00 e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, penas essas que já se encontram extintas pelo cumprimento, sendo que na sentença se ordenou a comunicação da condenação à ANSR (como consta de fls. 7/16), o que foi devidamente cumprido (cfr. fls. 8/16)
2. Por sentença proferida em 07.07.2020, transitada em julgado em 22.09.2020, no âmbito do processo nº1/20.2PEMAI do J1 do Juízo Local Criminal da Maia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, o arguido/recorrente AA foi condenado pela prática, em 11.12.2019, de um crime de condução em estado de embriaguez e p. e p. no art. 292º, nº1, do Código Penal, na pena de 110 dias de multa à taxa diária de €6,00, à qual se descontou 1 dia atenta a detenção sofrida pelo arguido, ficando uma pena de 109 dias de multa, com um total global de €654,00 e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 meses, penas essa que já se encontram extintas pelo cumprimento, sendo que na sentença se ordenou a comunicação da condenação ao IMTT e à ANSR (como consta de fls. 10/16), o que foi devidamente cumprido (cfr. fls. 9/16)
3. no registo individual de condutor do arguido/recorrente AA foram inscritos todos os dados das infrações referentes às condenações supra referidas, e bem ainda a subtração de 6 pontos por cada uma delas, sendo as únicas inscrições constantes daquele registo (cfr. fls. 48 a 50);
4. o arguido/recorrente foi notificado de que foi determinada a instauração de processo de cassação do seu título de condução, e para, querendo, nos termos do art.
50º do RGCOC, apresentar defesa quanto ao projeto de cassação do seu título de condução (conforme consta de fls. 13/16 a 15/16), nada vindo dizer em sua defesa;
5. então a ANSR proferiu decisão final de cassação do título de condução nº... de que é titular o condutor AA em 30.07.2021 nos termos do disposto no art. 148º, nº1, do Código da Estrada, tendo em consideração o facto do arguido ter perdido com as infrações pelas quais foi condenado, 6 pontos em cada uma delas, totalizando a totalidade dos pontos.
O que está em causa nestes autos é a cassação da carta de condução do arguido/recorrente em virtude da perda dos pontos da sua carta de condução e a forma como foi determinada.
Cumpre, então decidir:
Com relevância, importa referir que o regime da “carta por pontos” foi introduzido pela Lei nº116/2015, de 28 de agosto, que alterou os artigos 121º e 148º do Código da Estada, pretendendo o legislador, com a sua implementação, de acordo com a Exposição de Motivos que acompanhou a proposta de Lei nº336/XII, “…promover uma atualização do regime vigente, acompanhando a maioria dos países europeus, onde o regime da carta por pontos se encontra plenamente consagrado e estabilizado. A carta por pontos constitui uma das ações chave da Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 54/2009, de 14 de maio. Pretende-se, com a sua implementação, aumentar o grau de perceção e de responsabilização dos condutores, face aos seus comportamentos, adotando-se um sistema sancionatório mais transparente e de fácil compreensão. A análise comparada com outros países europeus demonstra que é expetável que a introdução do regime da carta por pontos venha a ter um impacto positivo significativo no comportamento dos condutores, contribuindo, assim, para a redução da sinistralidade rodoviária e melhoria da saúde pública.”
Neste âmbito, o artigo 121º-A, com a epígrafe “Atribuição de Pontos” prevê que:
1 – A
...

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