Acórdão nº 3612/22.8T9LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-09-13

Ano2023
Número Acordão3612/22.8T9LRA.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 1)
*

Acordam, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. A sentença proferida em 21 de dezembro de 2022, decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A..., S.A no âmbito do processo de contraordenação n.º ...7 da Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, mantendo a condenação da Recorrente pela prática de uma contraordenação ambiental p. e p. pela al. e) do n.º2 do art. 111.º do Dec.-Lei n.º 127/2013 de 30.08 e art. 22.º, n.º3 al. b) da Lei n.º 50/2006 de 19.08, (construção, alteração ou laboração de uma instalação com inobservância das condições fixadas na licença ambiental por negligência), mas atenuando especialmente a coima, assim se aplicando uma coima no montante de €6.000,0 (seis mil euros), que não se suspende na sua execução.

2 - Inconformado com esta condenação, impugna-a a Arguida, com as conclusões que se transcrevem:

«…

B. Os factos provados, bem como as circunstâncias que concorreram para fundamentar a decisão de atenuar especialmente a coima, configuram verdadeiras causas de exclusão da ilicitude que impõem a absolvição da arguida ou a dispensa de pena.

C. A culpa é negligente e já decorreram mais de cinco anos sobre a prática da contraordenação em causa, não constando do registo de infrações quaisquer condenações.

D. Os factos ocorreram no contexto dos licenciamentos pendentes e a situação era recente.

E. Não há dano ambiental e as alterações objeto da infração são melhorias para o ar interior e exterior da fábrica que não eram legalmente obrigatórias e no momento atual a situação mostra-se regularizada.

F. No caso concreto a coima de € 6.000,00 é excessiva face à factualidade insignificante considerada provada, de onde não resultaram quaisquer danos e ultrapassa a medida da culpa, violando o princípio da proporcionalidade, …

G. A condenação no pagamento efetivo da coima de € 6.000,00 constitui uma decisão mais severa para a arguida do que a aplicação de uma sanção acessória preventiva (por exemplo o não cometimento de infrações num prazo razoável de suspensão) como condição para a suspensão da coima.

H. Uma sanção acessória razoável como condição para suspensão da coima não constitui uma reformatio in pejus desproporcional.

J. A não aplicação de uma sanção acessória com o argumento de que a arguida já reparou a situação e que, portanto, não há dano ambiental a prevenir, beneficia os infratores que não se tenham sequer preocupado em reparar os danos ou repor a legalidade, conforme decidido no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-11-2017 proferido no processo 143/17.1T8GRD.C1 disponível em www.dgsi.pt:

K. O tribunal a quo ao ter considerado vedada a possibilidade de suspensão da coima com a aplicação de uma sanção acessória violou o artigo 20.º-A, n.º 1 Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.

….»

3. O Ministério Público, em primeira instância, respondeu ao recurso do arguido, concluindo pela manutenção do decidido.

4. O Digno Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emite, concluiu, também, pela improcedência do recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento de mérito do recurso.

II. MATÉRIA A DECIDIR

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões que os Recorrentes extraem da respectiva Motivação que delimitam o objecto do Recurso, a questão a decidir traduz-se em saber se:

- Existem causa de exclusão da ilicitude;

- A medida e coima é desproporcional e;

- A execução da coima pode ser suspensa

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A primeira instância julgou provados os seguintes factos:

1. No dia 19 de abril de 2017, pelas 11h, a IGAMAOT efetuou uma ação inspetiva no estabelecimento da arguida, sita em ..., ..., ... concelho ...;

2. À data da ação inspetiva, AA era presente do Conselho de Administração da arguida;

3. A arguida produz rações do tipo farinha ou granulado para aves, bovinos, suínos, entre outras espécies, tendo capacidade produtiva instalada para 1500 t/dia e encontrando-se abrangida pela categoria 6.4. ii) o anexo I do Dec. Lei n.º 127/2013 de 30.08;

4. A arguida é detentora da licença ambiental (LA) n.º 377/0.1/2010, emitida em 20.08.2010 pela APA e válida até 20.08.2017;

5. Aquela LA foi sujeita a cinco aditamentos, sendo o último emitido em 24.02.2017, vindo substituir na íntegra a mesma L n.º 377/0.1/2010 e respetivos anteriores aditamentos – cf. o 5.º aditamento da LA (em anexo ao auto de notícia);

6. De acordo com o 5.º aditamento à LA n.º 377/0.1/2010, existem na instalação industrial da arguida 11 fontes fixas pontuais:

a. FF1:caldeira de produção de capor a gás propano; b. FF2: caldeira e biomassa;

c. FF3: Exaustão dos ciclones da granuladora 1; d. FF4: Exaustão dos ciclones da granuladora 2; e. FF5: Exaustão dos ciclones da granuladora 3; f. FF6_ Tegão 1 e 2;

g. FF7: Tegão 3;

h. FF8: Tegão do milho;

i. FF9: Exaustão dos ciclones da granuladora 4;

j. FF10: Exaustão do ciclone do tratamento térmico;

k. FF11: Caldeira 2 e biomassa;

7. À data da ação de inspeção, foram identificadas duas novas chaminés associadas às fontes fixas pontuais, relacionadas com a exaustão dos equipamentos do processo (Moinho, etc): FF12 e FF13;

8. No ponto “2.2.1.1. – emissões para o ar” do 5.º aditamento à LA n.º 377/0.1/2010 constam apenas as fontes FF1 e FF11, não se encontrando referência às fontes fixas FF12 e FF13;

9. A arguida introduziu uma alteração significativa na sua instalação industrial ao instalar duas novas fontes fixas pontuais (FF12 e FF13) sem ter efetuado a comunicação prévia à APA, por via da entidade coordenadora do licenciamento (DRAP Centro);

10. As referidas fontes fixas encontravam-se em funcionamento, com emissões de poluentes atmosféricos para o exterior, designadamente partículas, entre outros, captando as emissões provenientes dos moinhos e outros equipamentos do processo;

11. Essas fontes de emissão estavam localizadas o edifício de produto acabado, junto ao sistema de tratamento térmico;

12. Ainda não havia sido realizada a monitorização aos poluentes associados a essas chaminés, uma vez que eram recentes;

13. Ao atuar da forma descrita, a arguida, através dos seus legais representantes e/ou funcionários, incumpriu as condições fixadas no 5.º aditamento da LA n.º 377/0.1/2010 de que é titular, bem sabendo que lhe estavam acometidas essas obrigações/condições;

14. A arguida agiu de forma voluntária, livre e consciente;

15. A atividade da arguida e regulada por lei, in casu, o DL n.º 127/2013 de 30.08 e LA n.º 377/0.1/2020, 5.º aditamento, de que é titular, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma;

16. Não o tendo feito, através dos seus legais representantes e/ou funcionários, não agiu com a diligência a que estava obrigada e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem ilicitude ou censurabilidade à sua conduta.

17. Em face do curto limite de validade constante do aditamento referido em 5 (7 meses) foi solicitado pela arguida à APA que considerasse que o processo submetido e aprovado fosse considerado de renovação da LA por mais 10 anos e não de aditamento à LA existente;

18. A APA, em 27.09.2018 emitiu um novo TU com validade de 10 anos, sendo que estando pendente a renovação da LA pela APA, a arguida aguardou para submeter o averbamento das novas alterações;

19. As chaminés FF12 e FF13 à data da inspeção eram de instalação recente e a nova fábrica (ampliação) estava ainda em obras, sendo que a inauguração ocorreu em 15.12.2017;

20. As referidas fontes FF12 e FF13 dizem respeito a chaminés para retenção de poeiras e partículas naturais que resultam da moagem de animais para produzir ração, sem emissão de poluentes resultantes de combustão ou de processos químicos;

IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Qualificação jurídica-penal

Sustenta a recorrente que os factos praticados são bagatelas, insignificantes, não assumindo relevância contra-ordenacional.

O direito do ambiente e qualidade de vida assume-se, hoje, como um direito fundamental, consagrado no artigo 66.º, da Constituição da Republica Portuguesa e constitui uma exigência irrenunciável do controlo dos efeitos do pregresso técnico nascida da situação da ameaça do ambiente e da consequente necessidade de uma melhor protecção das condições de vida no nosso Planeta: ao legislador incumbe tentar encontrar o justo equilíbrio entre o progresso económico e social e o direito fundamental à manutenção de um ambiente são. [Anabela Miranda Rodrigues, Comentário Conimbricense ao Código Penal, volume II, página 945].

O direito ao ambiente consubstancia-se, por um lado, numa pretensão de conteúdo negativo (exigir do Estado e dos outros cidadãos a abstenção de comportamentos ecologicamente nocivos) e por outro lado, na imposição ao Estado de actuar positivamente no sentido da protecção e promoção de um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender [Paula Ribeiro Faria, Comentário Conimbricense ao Código Penal, volume II, página 932-93].

Assegurar a promoção do bem-estar e da qualidade de vida, a efectivação dos direitos ambientais; a defesa da natureza e do ambiente e a preservação dos recursos naturais, constitui uma das tarefas fundamentais do Estado [cf. artigo 9.º, alíneas d) e e), da Constituição da República Portuguesa], onde se inscreve a necessidade de tutela penal e contra-ordenacional, para protecção do bem jurídico ambiente (em sentido lato) - [a este propósito, cf. Anabela Miranda Rodrigues, Comentário Conimbricense ao Código Penal, volume II, páginas 945 a 978] - assente na ideia de prevenção dos perigos imediatos e concretos das agressões ao meio ambiente de causa natural e humana.

Neste sentido, pode afirmar-se, que a defesa do ambiente é,...

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