Acórdão nº 347/18.0TXCBR-S.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-01-24
Ano | 2024 |
Número Acordão | 347/18.0TXCBR-S.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra - (COIMBRA (JUÍZO DE EXECUÇÃO DE PENAS DE COIMBRA – J2)) |
Recurso nº 347/18.0TXCBR-S.C1
Tribunal de Execução das Penas de Coimbra – Juízo de Execução das Penas de Coimbra – Juiz 2.
Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
A – Relatório
1. Pelo Tribunal de Execução das Penas de Coimbra (Juízo de Execução das Penas de Coimbra – Juiz 2), foi proferido despacho, a 3.11.2023, negando a concessão da liberdade condicional ao condenado AA.
2. Inconformado com tal decisão, veio o condenado AA interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, decisão do Juízo de Execução das Penas de Coimbra (Juiz 2) que não concedeu ao ora recorrente a liberdade condicional, por referência aos 5/6 da pena e à data de 15.09.2023;
B. Com o devido respeito, o recorrente não concorda com a conclusão do douto Tribunal a quo no sentido de que:
● “considerando que, com o perdão de 1 ano, a pena aplicada passou a ser de 6 anos (ao invés de 7), deixa de lhe ser aplicável o n.º 4 do art. 61.º do C.Penal, porquanto tal normativo se destina unicamente às penas superiores a 6 anos. Logo, já não há lugar à apreciação da liberdade condicional aquando do cumprimento dos 5/6 da pena (a designada “liberdade condicional obrigatória”) porquanto já não integra os pressupostos ínsitos no referido normativo”;
C. Ao recluso/ora recorrente foi aplicada uma pena única de 7 anos de prisão, imposta no Proc. 2177/19.... (onde foram juridicamente cumuladas as penas aplicadas nos Procs. nºs 116/16...., 270/16.... e 132/15....);
D. Como é sabido, entrou em vigor, no dia 01.09.2023, a Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto; por conseguinte, em 24.10.2023, foi proferido douto acórdão cumulatório em que, “procedendo à reformulação do cúmulo jurídico e ao desconto de 1 ano de prisão por aplicação do perdão da pena, nos termos acima, acordam os juízes que constituem este Tribunal Coletivo em aplicar uma pena única de 6 anos de prisão, sob a condição resolutiva prevista no artigo 8º nº1 da citada Lei”;
E. De seguida e após requerimento do condenado, o Ministério Público, no indicado Proc. nº 2177/19.... – Comarca de Viseu – Juízo Central Criminal ... – ..., procedeu, em 02.11.2023, à reformulação da liquidação da pena nos seguintes termos:
● O arguido cumpre pena à ordem destes autos de PCC 2177/19..... Por aplicação da Lei 38-A/2023 de 2 de agosto, foi reformulado o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nestes autos ao arguido AA por acórdão proferido em 24-10-2023, tendo sido descontado à pena única aplicada um ano de perdão.
De tal modo, foi aplicada ao arguido uma pena única de seis anos de prisão, sob a condição resolutiva prevista no artº 8º, nº1 da citada Lei.
Por requerimento apresentado em 31-10-2023, veio o arguido solicitar a sua liberdade imediata, em virtude de, com a aplicação de um ano de perdão, terem sido antecipadas as datas de termo da pena única aplicada nestes autos, que passará para 15-09-2024 e a data prevista para fixação dos 5/6, que ocorreu já em 15-09-2023.
Para o efeito, o arguido renunciou já ao prazo de interposição de recurso e requereu a realização de nova liquidação da pena.
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A fim de não prejudicar o arguido, o Ministério Público renuncia desde já ao prazo para interposição de recurso.
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Considerando a aplicação de 1 ano de perdão, nos termos constantes do acórdão proferido, o arguido tem de cumprir uma pena de seis anos de prisão.
Assim, é a seguinte a liquidação da sua pena:
Inicio do cumprimento da pena – ficcionou-se em 17-09-2018 (pois que desde essa data o arguido esteve ininterruptamente privado de liberdade à ordem dos processos englobados no cúmulo jurídico de penas realizado nestes autos) – cfr. se deixou consignado na anterior liquidação.
Descontos: dois dias.
Atingiu, o ½ dessa pena em 17-09-2021;
Atingiu os 2/3 dessa pena em 17-09-2022;
Atingiu os 5/6 dessa pena em 17-09-2023 e
O termo da pena ocorrerá em 17-09-2024.
F. Por douto despacho de 03.11.2023, considerou-se “o Acórdão cumulatório ora reformulado por via da aplicação da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto como tendo transitado em julgado”, ordenando-se a comunicação “[d]a nova contagem de pena ao TEP, a quem caberá a decisão sobre a libertação do arguido”;
G. No Tribunal de Execução das Penas de Coimbra – Juízo de Execução das Penas de Coimbra – Juiz 2, o Ministério Público pronunciou-se defendendo que, “Por força da reformulação da liquidação da pena em cujo cumprimento se encontra o recluso os 5/6 da pena foram alcançados em 15.09.2023, pelo que se impõe a imediata libertação do recluso, desde que o mesmo dê prévio consentimento por escrito, a ser colhido no EP”;
H. Apesar de – como fica explanado – o recorrente ter ultrapassado os 5/6 da pena em 15.09.2023, o certo é que não foi libertado, em virtude do citado entendimento plasmado no despacho recorrido;
I. Por um lado, a nova liquidação formulada pelo Ministério Público foi homologada pelo Tribunal da condenação;
J. Por outro, a pena que o recluso/aqui recorrente se encontra a cumprir não deixou de ser superior a 6 anos (em concreto, 7 anos); o que sucedeu foi que lhe foi perdoado um ano na sua execução, o qual até deve ser contabilizado (como foi pelo Ministério Público) como “cumprido”, para efeitos de fixação do marco dos 5/6.
K. A reformulação do cúmulo jurídico e o desconto de 1 ano na pena foi “sob a condição resolutiva prevista no artigo 8º nº1 da citada Lei”, que impõe que “O perdão a que se refere a presente lei é concedido sob condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada” (negrito e sublinhado nossos);
L. A descrita perspectiva do douto Tribunal recorrido, a sufragar-se, implicaria que, com o perdão concedido ao condenado, este, em vez de ser libertado em 15.07.2024 (embora em liberdade condicional, por referência aos 5/6, na liquidação anterior), só o seria em 17.09.2024 (termo da pena, após o perdão e sem a ponderação dos 5/6 previstos na nova liquidação entretanto homologada);
M. Ou seja, nesse caso, o perdão de pena, em vez de o beneficiar (indo ao encontro da teleologia da Lei nº 38-A/2023), obrigaria o recluso/recorrente a suportar um período ainda mais longo de privação efectiva da liberdade, o que se afigura intolerável;
N. Deve, pois, concluir-se, designadamente, que, por o recorrente ter sido condenado a pena de prisão superior a 6 anos (embora, entretanto, a pena efectiva de 7 anos de prisão tenha sido objecto de perdão/desconto de um ano), deveria de ter sido colocado em liberdade condicional (obrigatória) logo que cumpridos os 5/6 da pena calculados na liquidação reformulada e homologada após aquele perdão – 15.09.2023 (artigo 61º, nº 4 do Código Penal);
O. Decidindo como decidiu, contrariou a douta decisão recorrida, designadamente, as disposições do citado artigo 61º, nº 4, do Código Penal”.
3. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do mesmo e pela confirmação do despacho recorrido, concluindo que a decisão está devidamente fundamentada e foi acertada ao não colocar o condenado em liberdade condicional e não houve violação de lei.
4. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do mesmo e da confirmação do despacho recorrido.
Frisa que não há dúvida de que na sequência da decisão que procedeu à reformulação do cúmulo por força da concessão do perdão, a pena sofreu uma extinção parcial (na exata medida do perdão concedido), adquirindo, por conseguinte, uma nova dosimetria, passando de uma pena de 7 anos para uma pena de 6 anos de prisão, pelo que foram os marcos temporais relevantes para a apreciação da liberdade condicional revistos e reformulados em conformidade.
A questão a resolver consiste em saber qual a situação que se deve ter em conta para o efeito da liberdade condicional - a anterior ao perdão ou a posterior. Ora, não obstante a bondade dos argumentos invocados pelo condenado, não nos repugna a posição assumida pela decisão recorrida, que se nos afigura perfeitamente aceitável e dentro dos pressupostos legalmente definidos. Assim, considerando que a pena única, após reformulação do cúmulo, se computa em 6 anos, parece-nos não lhe ser aplicável o n.º 4 do art. 61.º do C.Penal, porquanto tal normativo se destina unicamente às penas superiores a 6 anos.
Não obstante já não haja lugar à liberdade condicional obrigatória aos 5/6 da pena, certo é que não ficará o recluso precludido da apreciação e eventual concessão de tal medida antes do termo da pena, uma vez que foi já determinada, em sede de sentença que apreciou a liberdade condicional aquando do cumprimento dos 2/3 de pena, nova apreciação para o efeito, em sede de renovação da instância após os 2/3, nos termos do disposto no art. 180.º n.º 1 do CEPMPL.
Para além do mais, a reformulação do cúmulo não deixou de significar um benefício para o recluso, ao extinguir 1 ano da pena única que lhe fora inicialmente imposta.
E, não constitui um prejuízo para o recluso, ou até mesmo uma frustração das suas expectativas, por já não prever a liberdade condicional “obrigatória” aos 5/6 de pena, até porque qualquer expectativa de libertação uma vez cumpridos 5/6 de pena, reportar-se-ia à data em que estava tal marco, efetivamente, previsto ocorrer quando a pena única era de 7 anos – ou seja, em 15.07.2024.
5. Foi dado cumprimento do disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o condenado respondido ao douto parecer.
6. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos...
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