Acórdão nº 344/20.5IDPRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-02-08

Data de Julgamento08 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão344/20.5IDPRT-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 344/20.5IDPRT-A.P1


Acordam em Conferência na 1ª secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto


Nos autos nº 344/20.5IDPRT-A.P1 que correm na comarca do Porto, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Instrução Criminal do Porto - Juiz 1, foi proferido o seguinte despacho:
“Defere-se, nos termos dos art.º 187.º, n.º 1, al. b), 189.º e 269.º, n.º 1, al. e), todos do C. Pr. Penal, à requerida intercepção e gravação das comunicações efectuadas de e para os cartões SIM ... e ..., ambos da operadora V....
Com efeito, considerando os indícios já recolhidos no inquérito em curso e as informações policiais dele constantes, as promovidas escutas telefónicas recortam-se como essenciais para a descoberta da factualidade relevante, pois que, de outro modo, se revelará muito dificultada - senão mesmo impossibilitada – a acção investigatória dos órgãos de polícia criminal que conduzem a presente investigação (art.º 187.º, n.º 1 do C. Pr. Penal).
Assim, autoriza-se a intercepção e gravação a intercepção das comunicações efectuadas pelos aparelhos de comunicação móveis acima referidos, bem como cópia legível dos contratos de adesão com a operadora caso existam, ou no caso de se tratar de um cartão recarregável, fornecimento das datas de carregamento, referências multibanco, códigos de carregamento e demais dados que permitam a identificação dos cartões bancários utilizados para proceder ao respectivo carregamento.
No que respeita à facturação detalhada onde constem as chamadas efectuadas e recebidas (trace-back), bem como a informação das células activadas durante as conversações e a identificação dos números que os contactem, considerando que, nos termos do art.º 4.º, n.º 1, al.s c) e f) da Lei 32/2008, de 17.JUL, essas informações dizem respeito a dados de tráfego e que esses normativo (bem como os seus art.ºs 6.º e 9.º) foram declarados inconstitucionais, pelo ac. do Tr. Constitucional n.º 268/2022, de 19.ABR, com força obrigatória geral, não pode dar-se acolhimento a tal pretensão do M. Público.
Prazo: 90 dias (art.º 187.º, n.º 6 do C. Pr. Penal).”


Inconformado, veio o Digno Magistrado do ministério Público, interpor recurso, tendo concluído o mesmo nos seguintes termos:
I – Conforme admitido pelo disposto no art.º 187º do Código de Processo Penal, o Ministério Público promoveu interceções telefónicas e a obtenção de dados de tráfego, trace-back e georreferenciação.
II – o MMº Tribunal a quo considerou essencial à descoberta da verdade a realização de interceções telefónicas, mas negou a restante promoção por considerar ser inconstitucional a obtenção desses elementos. Fundou-se na declaração de inconstitucionalidade feita no inciso decisório do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022.
III – O Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre a inconstitucionalidade do disposto no art.º 189º/2, do Código de Processo Penal, mas sim sobre normas da Lei 32/2008.
IV – Caso o MMº Juiz do Tribunal a quo entendesse que o disposto no art.º 189º/2, do Código de Processo Penal é inconstitucional em virtude da doutrina constante de tal Acórdão, teria que expressamente tê-lo declarado para que se iniciasse o mecanismo de fiscalização difusa de constitucionalidade com recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, o que não fez. Tão pouco elencou argumentos que permitam concluir que assim o entende.
V – Já depois de publicado o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, foi proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de 06.09.2022, no Processo 618/16.0 SMPRT, em sede de recurso extraordinário de revisão.
VI - Aí se sumariaram as seguintes conclusões: “Os arts.187º a 189º, do Código de Processo Penal regulam o recurso aos dados relativos a conversações ou comunicações telefónicas em tempo real, enquanto o acesso aos dados conservados pelas operadoras por conversações ou comunicações telefónicas passadas é regulado pela Lei n°32/2008, de 17 julho;
VII - O n.º 1 do art.187º do Código de Processo penal delimita o objeto dessa regulação como “a interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas”, o que representa comunicações a ocorrer, conversações ou comunicações telefónicas em tempo real.
VIII - Já se o que interessa processualmente são comunicações passadas, localizadas no tempo e no espaço, chama-se à colação a Lei n°32/2008, de 17 de julho.
IX - São, pois, dois meios de prova diferentes: um as escutas telefónicas, outro a conservação e transmissão dos dados. O primeiro regulado nos arts 187º a 190º do Código de Processo Penal. O segundo previsto nos artigos , e da Lei n.º 32/2008, agora declarados inconstitucionais nos termos do acórdão n° 268 do Tribunal Constitucional.
X - Mais, a doutrina fala mesmo na trilogia das fontes da prova digital, a saber: Código de Processo Penal, artigos 187º a 190º, Lei 32/2008, de 17.07, a denominada lei dos metadados, e a Lei 109/2009, de 15.09, Lei do Cibercrime, “três diplomas legais para regular aspetos parcelares da mesma realidade concreta.”
XI – O acórdão do Tribunal Constitucional não buliu em mínima medida sequer com o regime processual penal das interceções telefónicas.”
Termos em que se pugna que o Despacho recorrido seja substituído por outro que ordene às operadoras de telecomunicações que fornecem os serviços de comunicações aos postos alvo de interceção, que entreguem nos autos os dados de faturação detalhada, trace-back e de georreferenciação, para o período da interceção decidida judicialmente.

Neste Tribunal o Digno Procurador Geral Adjunto teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido do provimento do recurso.

Cumpre assim apreciar e decidir.

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