Acórdão nº 330/22.0GBAND.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-10-25

Data de Julgamento25 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão330/22.0GBAND.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 330/22.0GBAND.P1




Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 330/22.0GBAND que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo e Competência Genérica de Anadia, em 13/07/2023 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor:
«Decisão
1. Em face do exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a acusação pública e, em consequência, decido:
a) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
d) Condenar o arguido AA nas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima BB (que inclui o afastamento da residência ou do local de trabalho desta) e proibição de uso e porte de arma, pelo período de 3 (três) anos, devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (artigo 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal);
e) Condenar o arguido AA no pagamento à ofendida BB da quantia de €1.500,00 (mil quinhentos euros) a título de reparação da vítima em casos especiais, nos termos do artigo 82.º-A do Código do Processo Penal;
2. Mais decido condenar o arguido nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3. UC (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e artigo 8º, n.º 9, com referência à tabela III do Regulamento das Custas Processuais).»

Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 18/08/2023, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
I. Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de direito e de facto, nos termos do do artigo 412º do Código de Processo Penal.
II. Entende-se que quanto aos factos provados, factos há que devem ser dados como não provados e outros alterados.
III. Assim como se entende, ao decidir outros factos com base nas regras de experiencia comum, foi para além do que permite o principio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do C.Penal.
IV. Do Depoimento do filho da Ofendida, CC, e do companheiro da Ofendida, DD; o ponto 6 terá de ser dado como não provado, ponto 11 terá de ser alterado para não provado, o ponto 15 deve ser alterado para: Quando a ofendida ia para lhe dizer que parasse com tal comportamento, o arguido desferiu-lhe um pontapé que a atingiu na perna esquerda, ao nível da coxa; o 16. deve ser eliminado in fine, onde se diz: cortando o cabo de ligação à habitação;
V. Os pontos 19 a 24 terão também de ser enquadrados e analisados sempre em concorrência com o facto de estar alcoolizado e em que naturalmente as suas capacidades cognitivas, de reacção estão afectadas, já para não falar da sua lucidez, pelo que no caso concreto, não se pode dizer que o Arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, o que constituem elementos típicos subjectivos do crime, pois, reafirma-se, tais capacidades estavam retiradas, ou pelo menos diminuídas ao ponto delas não ter percepção o Arguido.
VI. A Ofendida não receou pela sua vida, não deixou de fazer o seu dia-a–dia, não teve dor emocional pelas injurias proferidas, (pontos 13 e 14 dos factos provados) nem a agressão física apontada em 15. causou dores físicas, pois que nos dias imediatamente a seguir, e em todos os dias, se dirigiu à festa, ao mesmo local onde foi agredida e injuriada – pelo que o Tribunal agiu na medida da pena em excesso de zelo pela Ofendida.
VII. A sentença recorrida violou o artigo 50º do Código Penal, já que deveria ter suspendido a execução da pena em que o arguido foi condenado, ainda que sujeitando tal suspensão à observância de regras de conduta e/ou a regime de prova, para além das penas acessórias que foram aplicadas.
VIII. De facto, atenta a personalidade do arguido, as condições da sua vida e a sua conduta posterior à prática do crime, bem como às circunstâncias deste, tal suspensão era (como é) um poder-dever que se impunha (como impõe) ao julgador.
IX. Com efeito tal permite concluir que a ameaça de prisão e censura do facto realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
X. Merece o arguido um verdadeiro juízo de prognose favorável, ao contrário do que pugna a sentença.
XI. A conduta da Ofendida não pode ser tida por inócua, pois após a 1ª condenação, continuou a viver com o agressor, e após as agressões e injurias dos dias 17 a 19 de Julho de 2022, e aos cortes de energia, continuou todos os dias a ir à festa com o seu companheiro, o que revela então que não pretendia a tutela do direito ou a protecção do sistema judicial com uma condenação, fazendo assim mau uso do direito e dos Tribunais, não tendo por sua vez o Tribunal atendido ao artigo 72º, alínea b) do C.Penal.
XII. Toda a factualidade descrita, a ser tida como provado pelos Venerandos Desembargadores, radica na forte dependência do álcool da qual padece o Arguido, o que foi atestado quer pela Ofendida, quer pelo seu filho, quer pelo próprio Arguido.
XIII. Tal condição, tal Doença, há que dizê-lo condiciona a sua perceção da realidade e as suas reacções, logo, o seu comportamento socialmente e mormente com a Ofendida.
XIV. Não se pode dizer que uma pessoa embriagada está “consciente” dos actos que está a praticar enquanto os pratica.
XV. Nem do mesmo modo, se pode dizer que pudesse voluntariamente decidir não fazer algo de determinada maneira, ou fazer de outra.
XVI. O álcool é uma adição que condiciona todas as vertentes da vida do seu adito, e é aqui que se encontra o Recorrente.
XVII. O Tribunal destituiu-se da função ressocializadora que as penas têm também e sobrepôs unicamente a função punitiva, de uma pena de prisão.
XVIII. A medida da pena foi excessiva para os factos que constam no libelo acusatório e considerando o trajecto do Arguido desde o inquérito, o seu relatório social, o cumprimento das medidas de coação ; encontrasse integrado socialmente, tem trabalho regular, tem uma companheira com quem reside e com quem partilha as despesas, e alem disso, é uma ajuda vital para acompanhar o seu pai, já de idade avançada (pois que o visita regularmente e ali pernoita para atender às suas necessidades).
XIX. Pelo que foram violados os artigos 40, 50º, 71º, 72, alínea b), e 127º do C.Penal.
XX. A pena de prisão efectiva de 3 anos, deve ser suspensa na sua execução, por se verificarem os pressupostos da sua aplicação; acrescida das demais penas acessórias aplicadas; e ainda com regime de prova e a regra de conduta de frequência de consultas em unidade de alcoologia,
XXI. Ou, em alternativa, reduzida para 2 anos - e porque nem sequer foi equacionado a possibilidade da (com grande sacrifício do Recorrente, mas mesmo assim menor do que a pena de prisão efectiva), nos termos do artigo 43º do C.Penal, a utilização de Vigilância Electrónica, vulgo pulseira electrónica, ou prisão domici1iária, substituindo-se a pena de prisão efectiva, dando já o Arguido o necessário consentimento aplicando-lhe ainda, em conjunto com as demais penas acessórias, as de obrigatoriedade de frequência de consultas em unidade de alcoologia, pugnando pela ressocialização do arguido tendo em atenção a recuperação do arguido como pessoa útil à sociedade.

O recurso foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público, consignando da seguinte forma:
Inconformado, interpôs o arguido recurso da sentença proferida, delimitando nas conclusões apresentadas na respectiva motivação o âmbito do mesmo.
Assim, o objecto do presente recurso, tal como é configurado pelo recorrente, abrange matéria de direito e de facto, pretendendo quanto a esta última (e, diga-se, de forma ilegítima)
o arguido ver o seu juízo prevalecer sobre o livre juízo apreciativo da prova formulado pelo julgador, substituindo a convicção formada pelo tribunal a quo pela sua própria interpretação
da prova produzida.
Todavia, pelas razões explanadas na motivação da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida e subsequente subsunção jurídica da mesma, às quais nesta sede não podemos deixar de aderir (em face da posição assumida pelo Ministério Público em sede de audiência de discussão e julgamento, onde pugnou pela respectiva condenação do arguido recorrente nos exactos termos em que a mesma veio a ser proferida e tendo o arguido demonstrado com a prática dos novos factos pela qual veio a ser condenado a ineficácia de todas as penas ao mesmo já anteriormente aplicadas), e não se verificando a violação de qualquer dos preceitos legais invocados pelo recorrente ou a ocorrência de qualquer dos vícios
a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal (de resto, também não suscitados), entende-se que não merece o presente recurso provimento.
Motivo pelo qual, não deverá o recurso a que ora se responde merecer provimento, mais devendo a sentença recorrida ser confirmada e integralmente mantida.

Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no parecer que emitiu propugna pela improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
*
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
*

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no
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