Acórdão nº 2867/21.0JAPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 19-10-2022

Data de Julgamento19 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão2867/21.0JAPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 2867/21.0JAPRT.P1
Recurso Penal
Juízo Central Criminal de Vila do Conde – Juiz 6

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I. Relatório
No âmbito do processo comum coletivo que, sob o nº 2867/21.0JAPRT, corre termos pelo Juízo Central Criminal de Vila do Conde, AA, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento, vindo a final a ser proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto, o Tribunal Coletivo:
- Julga parcialmente improcedente a acusação pública deduzida contra o arguido AA pela prática de crime de tráfico de estupefacientes agravado previsto e punido pelo art.º 21 e 24 h) do Código Penal, pelo que dele o absolve.
- Julga procedente por provada a acusação pública deduzida contra o arguido AA, pelo que o condena na pena de 2 anos prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 21 e 25 alínea a) do Decreto-Lei 15/93.
Suspende a execução da pena de prisão de 2 anos pelo período de 2 anos, com regime de prova e com a obrigação de o arguido manter o acompanhamento e tratamento médico para desabituação de hábitos aditivos.
Condena o arguido nas custas do processo, fixando em 2 UC a taxa de justiça.
* * *
Nos termos do disposto no art.º 35º e 36º do Decreto-Lei 15/93 e 109º do Código Penal, declara-se o produto estupefaciente perdido a favor do Estado e determina-se a sua destruição.
Declara-se igualmente perdido a favor do Estado, determinando-se a sua destruição, dos 5 comprimidos de Olanzapina apreendidos nos autos, dado tratar-se de bem perecível, sem valor, e cuja utilização fora das condições médicas prescritas pode gerar perigo - art.º 185 Código de Processo Penal. […]”.
Inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]:
“1- O arguido AA foi acusado da prática, em coautoria, de um crime agravado de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h) do DL n.º 15/93, de 22/01.
2- Realizado o julgamento, foi condenado pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 25.º, do DL n.º 15/93, de 22/01, não se conformando com a Douta decisão vem recorrer, suscitando as seguintes questões que pretende ver apreciadas.
Da nulidade do Acórdão proferido.
Do erro notório e da contradição insanável.
Da qualificação jurídica imputada.
Da medida da pena.
3- Ocorre manifesta omissão de pronúncia por violação expressa dos artigos 374º, 379º nº 1 c) por remissão com a portaria 94/96 de 26 de Março, uma vez que o tribunal não tomou conhecimento de uma questão suscitada na Contestação com referência Citius 32134061 e ainda reiterada nas alegações orais, conforme ata de 09/05/2022 com referência Citius 436409374, tal impunha-se uma vez que não apurando a dosagem que permitia o estupefaciente em causa, por força do principio in dubio pro reo deveria absolver-se o arguido da prática do crime imputado uma vez que a quantidade de estupefaciente apreendida nos autos pode ser compatível com o consumo, inexistindo elemento subjetivo que permita a qualificação da conduta como crime.
4- Ocorre manifesto erro notório correlacionando os pontos 10, 11 e 13 dos factos dados como provados conjugados com os pontos a) e b) dos factos não provados (sendo que ainda neste ponto corroboram as declarações do arguido e da Testemunha), bem como contradição insanável ex vi 410º nº 2 alínea b) do C.P.P.
5- É da experiência comum que alguém que detêm estupefaciente o destina a uma de duas coisas, ou a vendê-lo ou a consumi-lo.
6- Não se apuraram vendas, cedências, manuseamento ou material compatível, não se apurou a concreta dosagem deste estupefaciente, inexiste exame pericial que afirme que o apreendido excede os limites estabelecidos na portaria 94/96 de 26 de Março.
7- Deve o arguido ser absolvido da prática do crime imputado,
8- Sem prejuízo, atento tudo o exposto, dada a indeterminação da quantidade e qualidade de estupefaciente em causa, deveria a conduta ser enquadrada no disposto do artigo 40º do DL 15/93 de 22 de Janeiro e ser a medida da pena diminuída no seu quantum, até porque decorre das motivações do Acórdão proferido que o tribunal logrou um estado de dúvida quanto ao destino a dar ao estupefaciente.
9- Na falta de outros elementos que o infirmem terá de socorrer-se do único meio de prova que permite alguma conclusão que são as declarações do arguido, que são até corroboradas ao contrário do redigido no Douto Acórdão, pelas declarações da testemunha na medida em que lhe foram reportadas dívidas resultantes de consumos de estupefaciente do arguido no EP, bem como resulta da informação vertida pela DGRSP que o arguido é consumidor de estupefaciente desde os seus 12 anos de idade!
10- O arguido é primário no que a este crime tange,
11- Tem apoio e suporte familiar,
12- Encontra-se inserido profissionalmente, conforme decorre do Relatório da DGRSP e declaração junta em ata do dia 09/05/2022 com referência Citius 436408820.
13- Pretende efetuar tratamento à adição de estupefacientes, que já iniciou inclusive,
14- Em ultima ratio e ainda que se mantenha a qualificação jurídica e não se vislumbre nenhuma alteração no Acórdão proferido deve a medida da pena ser diminuída no seu quantum, por excessiva e desproporcional, violadora do disposto no artigo 18º nº 2 da C.R.P. e 71º do C.P. conjugado com o disposto no artigo 25º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, uma vez que o grau de culpa apurado não permite a pena imputada.
15- Normas jurídicas violadas, 410º nº2 alínea b), 374º, 379º nº 1 c) todos do C.P.P, artigo 71º do C.P., 18º nº 2 da C.R.P.
E ainda princípio in dubio pro reo.”.
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O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.
*
O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso, por considerar que o acórdão recorrido não padece de qualquer nulidade ou vício decisório, tendo sido corretamente efetuada a subsunção jurídica dos factos demonstrados no tipo de tráfico de estupefacientes, afigurando-se, ainda, adequada e proporcionada a concreta pena de prisão aplicada ao recorrente.
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A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta, neste Tribunal, aderindo à posição do Ministério Público na primeira instância, emitiu parecer, pronunciando-se pela negação de provimento ao recurso.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer pelo recorrente.
Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - Fundamentação
É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigos 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, nº 2 ou o art.º 379.º, nº 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).
Podemos, assim, equacionar como questões colocadas à apreciação deste tribunal, as seguintes:
1) O acórdão recorrido é nulo, uma vez que o tribunal deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar (cfr. o art.º 379.º, n.º 1, c), do CPP)?
2) Padece, ainda, dos vícios decisórios elencados no art.º 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do CPP, para além de ter sido violado o princípio “in dubio pro reo”?
3) Não se encontra preenchido o tipo de ilícito do crime de tráfico de estupefacientes, devendo o recorrente ser absolvido ou, no limite, enquadrado o seu comportamento na previsão do art.º 40.º do DL n.º 15/93, de 22/1, com a consequente redução da pena aplicada?
4) Mesmo a manter-se o enquadramento jurídico efetuado pelo tribunal de primeira instância, a pena concreta aplicada ao recorrente não cumpre os critérios de necessidade e proporcionalidade, mostrando-se excessiva?
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Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida.
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Factos provados e não provados [2]:
“II – Fundamentação
2.1. – Motivação de facto
2.1.1. – Factos Provados
Discutida a causa, provou-se que:
1. No dia 21 de Julho de 2021, por volta das 09h00, o arguido, recluso preventivo naquela data no estabelecimento prisional ..., sito na Rua ..., ..., ..., Matosinhos, guardava no interior da sua cela, dissimulado nas suas sapatilhas, um embrulho contendo, no seu interior:
22 pedaços, pesando no total 1,025 gramas, de um produto vegetal prensado acastanhado cuja substância ativa era a Canábis (resina), com um grau de pureza de 23,5%, em quantidade correspondente a 4 doses deste estupefaciente;
23 pequenos pedaços de papel, impregnados com ADB-Butinaca, designadamente.
2. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, conhecendo bem a natureza e as características estupefacientes de tais produtos e bem assim que a sua aquisição, transporte, detenção naquelas quantidades, manipulação e venda são proibidos pela lei penal, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez.
3. O arguido provém de um agregado familiar de humilde condição socioeconómica, de dinâmica disfuncional, tendo o progenitor e irmãos cumprido penas de prisão efetiva por crime de tráfico de estupefacientes durante a infância do arguido.
4. O seu processo desenvolvimental decorreu até aos 12 anos de idade junto do agregado dos progenitores, mas, por via das condutas desajustadas que adotou no contexto escolar e na vizinhança, com cerca de 12 anos passou a residir
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