Acórdão nº 286/18.4IDSTB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-05-25

Ano2023
Número Acordão286/18.4IDSTB-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam em Conferência na Secção Criminal (2.ª Subsecção)

I – Relatório


1. O processo de inquérito com o nº 286/18.4IDSTB, que correu termos na Comarca ..., no Ministério Público – Departamento de Investigação e Ação Penal – Secção de ..., culminou com acusação deduzida, entre outros, contra o arguido AA, imputando-lhe a prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelos artigos e 105º, nº 1, da Lei nº 15/2001, de 5 de junho.

2. Efetuada a notificação da acusação deduzida e, não tendo sido requerida a instrução foram os autos remetidos ao Tribunal, para os efeitos do estatuído no artigo 311º do CPPenal.
Recebidos os autos, veio a ser proferido despacho que, considerando ter havido irregularidade na notificação da acusação ao arguido AA, determinou a remessa daqueles aos Serviços do Ministério Público para os fins tidos por convenientes.

3. Inconformado com este despacho, veio o Digno Mº Pº recorrer, defendendo o que se extrai das respetivas conclusões: (transcrição)
1 - Nos presentes autos foi deduzida acusação além do mais contra o arguido AA dos pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art.º 105, n.º 1, do Código Penal.
2 - Adiantando-nos desde já à parte final do presente recurso, não se nos afigura que assista salvo o devido respeito por opinião contrária, qualquer margem de razão, em relação a qualquer um dos pontos sobre que incidiu o d. despacho judicial de que ora se recorre.
2 - Não se afigura que procedeu o Tribunal “a quo”, apreciando de forma correta, de acordo com as normas legais aplicáveis, e de acordo com as regras da experiência comum, toda a prova constante dos autos, afigurando-se-nos por isso justa a d. decisão que venha a determinar o recebimento da acusação do Ministério Público, pois o ora Recorrente, salvo o devido respeito por opinião contrária não vislumbra nulidades, exceções e/ou questões prévias de que importe conhecer, não se afigurando que se trate de irregularidade, prevista no art.º 123, n.º 1, do C. P. Penal.
3 - Neste sentido cita-se o sumário relativo ao referido d. Acórdão do TRG, constante na internet, proferido no Proc. n.º 540/14.4 GCBRG.G1, datado de 06-02-2017, “ II) Se estiver em causa a falta de notificação do M.º P.º ao arguido e mesmo que se entenda que o juiz deve reparar oficiosamente essa irregularidade, tal não significa que possa ordenar ao M.º P.º essa reparação. É que não cabe na esfera de competência do juiz julgador censurar o modo como tenha sido realizado o inquérito.”
4 - Resulta do referido Acórdão do TRG que se tendo entendido estar-se perante o vício constante do art.º 123, n.º 1, do C. P. Penal e não no previsto no n.º 2, do art.º 123, do C. P. Penal, “não podia o tribunal dele conhecer oficiosamente, apenas podendo ser o vício arguido pelos interessados no prazo aí previsto.”
5 - Mais consta no mencionado d. Acórdão do TRG, que “V. Mas mesmo que, em última instância, se admitisse que o tribunal de julgamento pudesse conhecer oficiosamente de tal irregularidade, ainda assim, o tribunal não pode devolver os autos ao Ministério Público para efeitos de ser corrigida uma eventual irregularidade de notificação da acusação, sob pena de violação do art.º 311º do CPP e dos princípios do acusatório e da autonomia e independência do Ministério Público, previstos nos arts. 32º, nº 5 e 219, respetivamente, da CRP.
6 - VI. Neste último caso a eventual irregularidade sempre deveria ser corrigida pela secretaria do tribunal e não através da devolução dos autos ao Ministério Público para esse efeito. VII. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo fez uma errada interpretação do disposto nos arts. 113º, nº 1, 123, nº 1 e 311º, nº 1, todos do CPP.”
7 - No mencionado d. Acórdão do TRG menciona-se que “Mas ainda que fosse entendimento do Juiz que era de reparar oficiosamente a irregularidade, tal não significa que possa ordenar ao Ministério Público essa reparação. Quando o nº 2 do art. 123º do Cód. Proc. Penal, prevê a possibilidade de “ordenar-se oficiosamente a reparação” quer dizer que a autoridade judiciária pode tomar a iniciativa de reparar a irregularidade, determinando que os respetivos serviços diligenciem nesse sentido, não ordenado a remessa dos autos ao Ministério Público, pois que tal contém implícita uma ordem para que proceda à notificação da acusação ao arguido – decisão que afronta os princípios do acusatório e da independência e autonomia do Ministério Público relativamente ao Juiz.” E no referido d. Acórdão do TRG consta “ … - Assim, também, Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código de Processo Penal “, UCE, 2ª edição actualizada, ps. 790/791) que, em anotação ao artigo 311º defende que “pelos motivos já exposto, atinentes ao princípio da acusação, o juiz de julgamento não pode censurar o modo como tenha sido realizado o inquérito (…) para reparar nulidades ou irregularidades praticadas no inquérito e reformular a acusação, incluindo irregularidades da notificação da acusação”.
8 - O arguido AA fez chegar aos autos carta/documento pelo mesmo exarado, constante a fls. 1080, no qual exarou a Referencia n.º ...56 correspondente esta à sua notificação da acusação conforme fls. 1054, donde resulta que o mesmo foi constituído arguido e notificado da acusação proferida nos presentes autos, a fls. 1041 a 1045.
9 - Mais consta do print dos CTT, a fls. 1079, que a notificação com a referida ...56 foi “Entregue a: AA”, pois têm ambos a mesmo registo e código de barras dos CTT, ou seja ....
10 - Constata-se assim documentalmente comprovado nos autos a constituição de AA como arguido, bem como que foi inquestionavelmente notificado da acusação proferida nos presentes autos.
11- Mais se confirma conforme “documento” dos Correios que o mesmo exarou na sua morada, cfr. fls. 1081, correspondente à sua morada para a qual foi enviada a mencionada notificação, conforme fls. 1054.
12 - Atento o exposto constata-se que nos autos se verificou a interrupção da prescrição, com a constituição de AA como arguido e com a notificação da acusação a este, art.º 121, n.º 1, al.(s) a) e b), do Código Penal.
13 - Assim, verificou-se igualmente a suspensão da prescrição do procedimento criminal quanto ao arguido AA, nos termos do art.º 120, n.º 1, al. b), do Código Penal, onde dispõe “O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação …”.
14 - Assim, somos de parecer que deverá o d. despacho judicial recorrido ser substituído por d. despacho judicial que determine a autuação como processo comum com intervenção de Tribunal Singular, recebendo-se a acusação deduzida pelo Ministério Público, e se determine a realização de audiência de julgamento.
15 - Deste modo, considera-se que valorando as provas e as normas legais em apreço corretamente, conjugando-as e analisando-as à luz das regras da experiência, e assim observadas estas premissas, outro resultado não se afigura poder ser obtido que não seja a justeza do recebimento da acusação deduzida contra o arguido, atento nomeadamente o supra descrito.
Nestes termos e nos demais de direito, que os Venerandos Desembargadores se dignarão suprir, concedendo provimento ao recurso e, em consequência revogando o d. despacho judicial recorrido e determinando o recebimento da acusação deduzida contra o arguido AA, V. Excelências, agora, como sempre, farão a já costumada, JUSTIÇA.

4. Não foi apresentada qualquer resposta ao recurso.

5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPPenal, emitiu parecer pronunciando-se (…) entendemos que a existir seria mera irregularidade na notificação da acusação e que por isso não é de conhecimento oficioso, pelo que deverá o recurso ser julgado procedente, ordenando-se, em consequência, que o tribunal a quo proferira despacho de recebimento ou rejeição da acusação[1].

Nada foi dito quanto ao Parecer.

6. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Thema Decidendum

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que ainda possam ser objeto de pronunciamento, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo Digno Mº Pº, importa apreciar e decidir a...

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