Acórdão nº 2818/15.0T9CSC.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 18-05-2022

Data de Julgamento18 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão2818/15.0T9CSC.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação Lisboa.



I–RELATÓRIO:


1.1.–Decisão Recorrida

No processo comum singular com o nº 2818/15.0 T9CSC do Juízo Local Criminal de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, realizado o julgamento foi proferida sentença que, a final, decidiu nos seguintes termos:
«1)–Condeno a arguida DC_____, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º, als. c) e e) do Cód. Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis Euros);
2)–Condeno ainda a arguida em 2 UC’s (duas unidades de conta) de taxa de justiça - arts. 374º n.º4, 513º e 514º, todos do Cód. de Processo Penal.
Notifique e cumpra o disposto no art. 372º nº 5 e no art. 373º, n.º 2, ambos do Cód. de Processo Penal.
Após trânsito, remeta boletins ao Registo Criminal - art. 6.º, al. a) da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio.»

2.–Recurso

1.2.1.–Inconformada com essa decisão, dela recorreu a arguida, pugnando pelo reenvio do processo para apuramento das suas condições pessoais e posterior determinação da medida da pena, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões:
«1.–Foi a arguida condenada na prática de dois crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º, als. c) e e) do Cód. Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis Euros).
1.-A Recorrente não se conforma com esta decisão, discordando do entendimento do tribunal a quo, não recorrendo quanto à prática do acto e sua qualificação, mas recorrendo quanto à medida da pena.
2.-Não existe relatório social da recorrente.
3.-Nada foi dado como provado quanto às condições económicas e sociais da arguida, sendo que o teria que ser, para medir a medida da pena em sede de multa.
Não ficou provado que tivesse havido prejuízo para quem quer que fosse, nem da parte do banco nem da parte da avó da arguida, titular da conta bancária em que foi usada a procuração.
4.-Não ficou provado apesar da documentação junta aos autos que a aqui recorrente é muito doente e há muitos anos que não trabalha (desde antes da data dos factos).
5.-Nos termos do art. 71º n.º 1 do Cód. Penal a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos mencionados preceitos legais far-se-á em função da culpa e das exigências de prevenção geral e especial do agente, determinando o n.º 2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do arguido, desde que não façam parte do tipo legal de crime.
6.-Não se aceita que devido à arguida não ter comparecido à audiência de julgamento e assim sendo não tenha prestado declarações, se deva fixar o valor de uma pena de multa desconhecendo-se as actuais condições sócio-económicas da mesma, até porque a favor da arguida releva a circunstância de a mesma não possuir antecedentes criminais.
7.-A omissão na sentença dos factos relevantes para determinar a pena, conduz ao vício do artº 410º 2 al.a) CPP se do processo, resultar que o tribunal não teve a iniciativa de os investigar quando devia e podia tê-lo feito sendo possível produzir essa prova.
8.-A determinação da multa obriga ainda a que o quantitativo diário obedeça à correcta ponderação da situação económico financeira do condenado e aos seus encargos pessoais (art.º 47.º, n.º 2 do CP) e isto mesmo que a arguida não compareça ou não preste declarações.
9.-Ao encerrar a produção da prova sem se encontrar dotado de todos os elementos necessários à boa decisão, o tribunal cometeu a nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal.
10.-Ao proferir decisão condenatória com omissão de factos relevantes para a determinação da sanção, lavrou sentença ferida do vício de insuficiência da matéria de facto provada, do art.º 410.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, com as consequências previstas no art.º 426.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
11.-Deverão os presentes autos ser reenviados para novo julgamento, restrito à matéria da escolha e determinação da pena (art.ºs. 426.º e 426.º-A do C.P.P.) e ao apuramento (apenas) dos factos relativos à personalidade do arguido, às suas condições pessoais e económicas, assim se habilitando o tribunal a proferir a decisão sobre a pena, tudo conforme resulta o Acórdão Tribunal da Relação de Évora Procº 109/12.8PALGS.E1 de 11-09-2012.
12.-Cabe, pois, ao Tribunal oficiar a segurança social, o centro nacional de pensões e as finanças, bem como ordenar a realização de relatórios sociais, para saber dos rendimentos da aqui recorrente e saber quem é a proprietária da casa onde a arguida reside.
13.-Não se pode condenar num montante de multa pelo facto de a arguida não ter prestado declarações, sob pena de violar o expresso no nº 1 do artº 343º do CPP onde se lê que “O presidente informa o arguido de que tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que, no entanto, a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo”
14.-Perante tudo o que ora foi dito deve ser a arguida dispensada da aplicação de pena ou pelo menos ser-lhe aplicada uma pena especialmente atenuada, de não mais de € 190,00 (cento e noventa euros), valor máximo de dois meses de rendimento de inserção social
15.-Sob pena de violação destes artigos e ainda violação do artº 126º e 410º do CPP e dos artº 3º, 13º, 32º e 38º da Constituição da República Portuguesa.
16.-Termos em que o douto acórdão apreciou erradamente os factos, porquanto omitiu a recolha de informações que são condição sine quo non para a fixação do valor da multa e aplicou de forma incorrecta a leis aos factos.
Termos em que deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, devem V. Exas mandar baixar o processo à Comarca de Cascais afim de ali se apurar as capacidades financeiras da recorrente e só depois ser fixada a medida da multa e assim decidindo, farão V. Exas. Venerandos Drs. Juízes Desembargadores a costumada Justiça.»
*

1.2.2.–Sem apresentar conclusões, respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso.

1.2.3.–Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.

1.2.4.–Cumprido o disposto no art.º 417.°, n.º 2, do C.P.P., sem resposta, procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos a conferência, de harmonia com o preceituado no art.º 419.°, n.° 3, do mesmo diploma.
*

II–FUNDAMENTAÇÃO

2.1.–Objecto do Recurso

Dispõe o artigo 412º, nº 1, do C.P.P, que a motivação enuncia
especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

E no nº 2 do mesmo dispositivo legal determina-se também que versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:
a)-As normas jurídicas violadas;
b)-O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c)-Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
Já no que respeita à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, e de harmonia com o disposto no art.º 412.º, n.º 3, alíneas a) e b), e n.º 4 do C.P.P, deve o recorrente especificar os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, sendo que, quando as provas tenham sido gravadas, aquelas especificações fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Constitui entendimento pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respetiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação — art. 412.°, n.° 1, do CPP —, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.a instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objeto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso (…), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objeto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada, a questão a examinar e decidir prende-se com saber se se verifica o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada por falta de indicação dos factos relativos às condições pessoais e económicas da arguida.
*

2.2.–Da Decisão Recorrida

2.2.1.-Na sentença proferida pela 1ª Instância foram dados
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