Acórdão nº 28014/15.9T8SNT.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-11-28

Ano2023
Número Acordão28014/15.9T8SNT.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I–Relatório


1.Declarada a insolvência de M por sentença proferida em 02.02.2016, em 30.03.2016 esta apresentou pedido de exoneração do passivo restante, sobre o qual recaiu despacho de 07.09.2016 que o admitiu liminarmente, nomeou fiduciário e fixou a respetiva remuneração, e determinou o início do período de cessão do rendimento disponível.
2.Na mesma data foi proferido despacho de encerramento do processo nos termos do art. 232º, nº 1, al. e) do CIRE, ordenado o adiantamento do pagamento da remuneração fixa do administrador da insolvência e o oportuno reembolso da mesma (aos cofres), determinado o pagamento da remuneração e despesas do fiduciário pelos rendimentos cedidos nos termos do art. 241º do CIRE, e ordenada a remessa dos autos à conta para apuramento das custas do processo, a pagar nos termos do art. 241º, nº 1, al. a) do CIRE.
3.–O sr. fiduciário informou da ausência de rendimentos cedidos durante o período de cessão por ausência de rendimento disponível em cada ano, que a insolvente justificou com as declarações de IRS.
4.–Cumprido o art. 244º, nº 1 do CIRE, por despacho de 26.11.2021 foi consignado que a pendência da liquidação obsta à prolação da decisão final do incidente, relegada a prolação desta decisão para momento posterior à realização do rateio, e fixada remuneração ao sr. fiduciário em 1,5 UC por cada ano do período da cessão, a adiantar pelo IGFEJ.
5.–Por não ter sido possível proceder à venda do direito (½) da insolvente sobre três frações apreendido para a massa insolvente, foi determinado o levantamento da apreensão e cumprida a notificação a que alude o art. 232º, nº 1 e, por despacho de 19.04.2023, foi declarado o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente nos termos do art. 230º, nº 1, al. d) e 232º, nº 1 e 2 do CIRE.
6.–Na mesma data (19.04.2023) foi proferida decisão final de concessão da exoneração do passivo restante à devedora e condenada esta nas custas do processo, na parte em que a massa insolvente e o rendimento disponível cedido sejam insuficientes para o respetivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o IGFEJ das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário (art. 248.º, n.º 1, do CIRE), decisão que à insolvente foi notificada por expediente de 20.04.2023 e que não foi objeto de reação/impugnação.
8.–Contados os autos, a conta de custas foi notificada aos interessados por expediente de 22.05.2023 que, no remetido à devedora, foi acompanhada de guia pagável a partir de 22.05.2023 e até 09.06.2023.
9.–Por requerimento de 25.05.2023 a devedora alegou que a sua situação económica não teve alteração e não lhe permite pagar o valor das custas, invocou acórdão do Tribunal Constitucional de 06.10.2020, e requereu a junção aos autos de requerimento de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário com dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo que deu entrada na Segurança Social.
10.–Continuados os autos com vista, o Ministério Publico pronunciou-se no sentido de a devedora dever pagar as custas já liquidadas e juros devidos, sem prejuízo do direito ao seu pagamento em prestações nos termos e para os efeitos do art. 33º do RCP.
11.–Sobre o requerimento da devedora incidiu despacho proferido em 15.06.2023, que concluiu pela manutenção da sua responsabilidade pelo pagamento das custas do processo sem que o apoio judiciário agora formulado – ainda que lhe venha a ser concedido – tenha a virtualidade de a desonerar do mesmo.
12.–É desse ultimo despacho que vem interposto o presente recurso pela devedora, tendo apresentado alegações e formulado as seguintes conclusões:
A)-O acto tácito de deferimento do pedido de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário com dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo é formado no dia 26.06.2023, nos termos do disposto nos artigos art. 24º nº 1, art. 25º nº 1, nº 2 e nº 3 da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 2/2020, de 31/03, sendo suficiente a menção em tribunal da formação do ato tácito;
B)-Tal resulta da comprovada entrega no dia 25.05.2023, na Segurança Social pela Apelante/devedora, do Modelo PJ1-DGSS – Requerimento de protecção jurídica para pessoa singular com a documentação necessária para aferir a sua situação patrimonial, o acto tácito de deferimento encontra-se formado no dia;
C)-O requerimento a comprovar o pedido de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário, deu entrada após a Apelante ter sido notificada para pagar a conta de custas da insolvência, que mereceu despacho a indicar manter-se a responsabilidade da Apelante/devedora no pagamento das custas do processo, sem que o apoio judiciário formulado, mesmo se concedido, tenha a virtualidade de a desonerar do mesmo;
D)-A Apelante, contrariamente ao despacho recorrido, entende que o apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos, requerido no âmbito do processo de exoneração do passivo, abrange as custas devidas em momento anterior ao da formulação do pedido do apoio judiciário junto da Segurança Social;
E)-Na realidade, o encerramento do processo de insolvência e a concessão da exoneração do passivo restante (com o levantamento da quota parte das fracções autónomas libertadas da massa insolvente por impossibilidade da sua venda), não ALTEROU EM NADA a sua situação económica;
F)-A lei aplicável nos artigos 304º, 46º, 47, 51º, nº 1, alínea a) e 248º e art. 33.º do Regulamento das Custas Judiciais, prevê que as custas não satisfeitas pela massa insolvente e pelo rendimento disponível no período da cessão, decorrente da respectiva insuficiência, devem ser suportadas pelo devedor que tenha requerido a exoneração do pedido restante. E, acrescenta que o devedor beneficia op legis de um diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido e sendo concedida a exoneração do passivo restante acresce o benefício do pagamento em prestações;
G)-De acordo com os artigos aplicáveis só após a decisão final relativa ao pedido de exoneração do passivo restante é que o devedor tem condições de saber se, face aos rendimentos disponíveis e valor referente a custas, poderá proceder ao respectivo pagamento mesmo faseado ou, se pelo contrário, não tem meios económico-financeiros para o fazer. E, nesta última hipótese, não lhe pode ser retirado o direito/legitimidade de solicitar apoio judiciário para esse efeito, sob pena de se frustrarem os objectivos almejados com a exoneração do passivo (fresh start);
H)-Há que relembrar que as alterações introduzidas no CIRE pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março para dar acolhimento ao regime da “exoneração do passivo restante”, seguindo o princípio de fresh start (novo começo) para pessoas singulares de boa fé que incorram em situação de insolvência. A medida de protecção do devedor deve-se à debilidade e fragilidade da sua situação económica, que já não representa prejuízo para os credores, aceitando que lhe seja concedido o diferimento do pagamento das custas até à decisão final, a qual, se lhe for favorável, permitirá o pagamento faseado dessa dívida.
I)-A solução preconizada na lei com o acolhimento do regime da exoneração do passivo restante permitiu arranjar uma solução de equilíbrio entre os interesses dos credores de satisfazerem os seus créditos e a possibilidade dada aos devedores singulares de, após o decurso de um prazo, se reabilitarem economicamente libertando-se de algumas dívidas;
J)-Sendo essa a razão de se conceder ope legis no pedido de exoneração do passivo restante o diferimento do pagamento das custas até à decisão, porque só após o decurso desse prazo e decisão o insolvente tem condições para aferir a sua capacidade económica, e só nessa data poderá solicitar o apoio judiciário. Tal significa que o pagamento dessas quantias, ainda não eram devidas em virtude do diferimento do seu pagamento;
K)-Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 418/2021 (DR n.º 142/2021, série I de 23/07/2021) que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 4 do art. 248.º do CIRE, veio esclarecer definitivamente a questão, sobre a possibilidade do devedor obter o benefício de apoio judiciário, no âmbito da exoneração do passivo restante, face à referida norma que estabelecia o afastamento da concessão desse benefício, salvo quanto à dispensa de pagamento de honorários a patrono, em resultado do diferimento do pagamento das custas previsto no art. 248º n.º 1 do CIRE;
L)-Ou seja a concreta situação económica dos devedores passou a ser tida em consideração;
M)-A fundamentação do mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional, no sentido acima defendido, esclarece que “…decorrido o período de cessão, não existem garantias de que o devedor insolvente tenha melhorado substancialmente a sua capacidade de obter rendimentos, ao menos em termos equivalentes aos que legitimam, no âmbito do regime do apoio judiciário, o cancelamento da protecção jurídica e exigências ao beneficiário do pagamento das custas de que foi dispensado, integral ou parcialmente, a saber, a aquisição superveniente, pelo requerente ou respectivo agregado familiar, de “meios suficientes” para dispensar o benefício.”;
N)-E, acrescenta-se que “Exigir, mesmo que em prestações, perante tal quadro de carência de rendimentos, ao sujeito processual, o pagamento do remanescente das custas e encargos que a massa insolvente e o período de 5 anos não permitiu satisfazer, significa recolocar o devedor na mesma situação de incapacidade que fundou a sua apresentação à insolvência, e inviabilizar o desiderato de criação de condições económicas (fresh start) a que está votada a exoneração do passivo restante, o que, constitui, materialmente, frustração do seu direito à
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT