Acórdão nº 2681/23.8YRLSB-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 08-11-2023

Data de Julgamento08 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão2681/23.8YRLSB-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:


I–Relatório:


O Exmº Procurador-Geral Distrital requereu a revisão e a confirmação da sentença penal proferida pela 13ª Vara do Tribunal de Justiça Federal de Pernambuco, a 18 de novembro de 2011, transitada em julgado em 26/02/2019 e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, República Federativa do Brasil, que condenou AA, com dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, natural do Recife/PE, com residência em Portugal, na pena de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de receptação qualificada, p. e p. pelos artigos 180, parágrafo 1º e 71º do Código Penal da República Federativa do Brasil.
Com o articulado foram juntos documentos, entre os quais a cópia certificada da sentença condenatória, informação sobre a data do trânsito em julgado da decisão condenatória e despacho do Ministra da Justiça, em representação do Governo Português, dando o seu acordo à transferência da requerida para Portugal.
A requerida foi assistida por defensor quando do julgamento no Brasil, conforme consta de documento junto.
Foi nomeado defensor à requerida.
Procedeu-se à citação da requerida.
Facultou-se o processo para alegações à requerida e ao Ministério Público.
***

II–Factos a considerar:

1.–Por sentença penal, datada de 18 de novembro de 2011, transitada em julgado a 26/02/2019, proferida pela 13ª Vara do Tribunal de Justiça Federal de Pernambuco, e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, República Federativa do Brasil, foi condenada AA, com dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, na pena de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de receptação qualificada, previsto e punido (p. e p.) pelos artigos 180, parágrafo 1º e 71º do Código Penal da República Federativa do Brasil e prevista, no Código Penal Português, pelo artigo 231º.
2.–O pedido de revisão foi submetido à ..., que o submeteu à apreciação da Exmª Senhora Ministra da Justiça que, por despacho datado de 7 de Agosto de 2023, considerou o pedido, admissível.
3.A requerida não cumpriu pena à ordem dos autos que correm termos no Brasil.
4.Não ocorreram causas de extinção da pena, e designadamente, as advindas de prescrição ou amnistia.
5.Não existe informação que indique que os factos são ou foram objecto de procedimento criminal em Portugal.
6.O Estado Brasileiro garantiu que, cumprida a pena em Portugal, considera extinta a responsabilidade penal da requerida.
7.A condenada encontra-se em Portugal desde, pelo menos, 26 de Outubro de 2022, data em que foi detida em cumprimento de um Mandado de Detenção Internacional, emitido pelas autoridades brasileiras, inserido no Sistema de Informação Interpol nº 2022/57708.
8.–Na ocasião, a requerida não renunciou à regra da especialidade e não consentiu na sua entrega às autoridades brasileiras.
9.Este Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 16 de dezembro de 2022, negou o pedido contido no MDE dada a nacionalidade portuguesa e o disposto no artigo 33º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo que foi ordenado o arquivamento dos autos, bem como a cessação das medidas de coação.
10.A arguida adquiriu a nacionalidade Portuguesa em 02/03/2022.
***

IIIAlegações produzidas pela arguida:

A arguida deduziu oposição ao pedido de revisão e confirmação mediante a seguinte argumentação:
«(…) 1.º- A arguida foi condenada por sentença proferida em 18 de novembro de 2011 e transitada em julgado em 26/02/2019, proferida pela 13.º Vara do Tribunal de Justiça Federal de Pernambuco, e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, República Federativa do Brasil, na pena de 8 anos e 4 meses, pela prática de 1 crime de receptação qualificada, previsto e punido pelos artigos 180.º, parágrafo 1.º e artigo 71.º, do Código Penal da República Federativa do Brasil, crime este que encontra correspondência no artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal Português.
2.º- Sucede que, a arguida encontra-se em Portugal desde maio de 2019, conforme doc. 1 que se junta para todos os efeitos e legais consequências, tendo adquirido a nacionalidade portuguesa em 02/03/2022, pelo facto de ser descendente de portugueses (cfr. doc.2).
3.º- Com efeito, em dezembro de 2022, o Estado Brasileiro requereu ao Estado Português a extradição da aqui requerida/arguida, tendo sido a extradição recusada pelo facto de a arguida ter nacionalidade portuguesa (processo n.º 3158/22.4YRLSB que correu termos no Tribunal da Relação de Lisboa, 9.º Secção).
4.º- Nesta senda, vem, por ora, o Estado Brasileiro requerer o reconhecimento e a execução da sentença por parte de Portugal.
5.º- Sucede que, apesar de haver parecer favorável da Procuradoria da Républica Portuguesa e do Ministério da Justiça Português, é entendimento da requerida/arguida que as condições para a execução da referida sentença estrangeira em Portugal, não se encontram na totalidade cumpridas, atento o teor da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, designadamente o artigo 1.º, o artigo 5.º, n.º 1 e o artigo 4.º, alínea a), bem como o artigo 7.º da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e o artigo 96.º a Lei n.º 144/99, de 31 de agosto.
Vejamos então,
6.º- Conforme se prevê no art. 3.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31 de agosto, esta lei só se aplica na falta ou insuficiência das normas de tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português.
7.º- Ora, é verdade que o pedido de extradição feito pela autoridade brasileira foi recusado pelos motivos acima expostos, razão pela qual a autoridade brasileira requereu à autoridade portuguesa a execução da sentença condenatória proferida no Brasil pelo Estado Português, considerando a cooperação judiciária em matéria penal, ou seja, requereu a transferência da execução da pena para Portugal.
8.º- As autoridades brasileiras, face à recusa do pedido de extradição da condenada, solicitaram o reconhecimento e a execução da sentença por parte de Portugal.
9.º- Ora, é nosso entendimento que quando se solicita a transferência da execução da sentença para Portugal, está-se a solicitar a transferência da pessoa condenada, pese embora a arguida/condenada já se encontrar em território português, tanto que é sempre necessário, nos termos do disposto no artigo 237.º, n.º 1, do Código Processo Penal, a prévia revisão e confirmação da sentença estrangeira, de forma a ter eficácia em Portugal. Ou seja, em ambos os casos, a força executiva de uma sentença penal estrangeira depende da prévia revisão e confirmação.
10.º- É nosso entendimento, salvo melhor opinião em contrário, que o pedido feito pelo Estado Brasileiro ao Estado Português, deverá sempre, primeiramente, ter em atenção as leis desse Estado, nomeadamente a lei 13.445, de 24 de maio de 2017 daquele país que no artigo 103.º remete para o tratado, e no seu artigo 104.º estabelece os requisitos necessários para que haja a transferência de pessoa condenada, bem como o parágrafo 2.º do artigo 105.º que estabelece a não transferência quando inadmitida a extradição.
11.º- Assim sendo, estabelece a lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017 desse país o seguinte:
“Art.º 103.º A transferência de pessoa condenada poderá ser concedida quando o pedido se fundamentar em tratado ou houver promessa de reciprocidade.
§ 1.º O condenado no território nacional poderá ser transferido para seu país de nacionalidade ou país em que tiver residência habitual ou vínculo pessoal, desde que expresse interesse nesse sentido, a fim de cumprir pena a ele imposta pelo Estado brasileiro por sentença transitada em julgado.(…)
Art.º 104.º A transferência de pessoa condenada será possível quando preenchidos os seguintes requisitos:
I- O condenado no território de uma das partes for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no território da outra parte que justifique a transferência;
II- A sentença tiver transitado em julgado;
III- A duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação;
IV- O fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambos os Estados;
V- Houver manifestação de vontade do condenado ou, quando for o caso, de seu representante; e VI - Houver concordância de ambos os Estados.
Art..º 105.º A forma do pedido de transferência de pessoa condenada e seu processamento serão definidos em regulamento. (…)
§ 2.º Não se procederá à transferência quando inadmitida a extradição.”
12.º- Logo, nos termos da lei brasileira é necessário o consentimento expresso do condenado para se proceder à transferência da execução da sentença.
13.º- E o Brasil, ao fazer esse pedido ao Estado Português, terá de o fazer consoante a lei brasileira, porquanto conforme disposto no artigo 95.º, n.º 2 da lei portuguesa 144/99 de 31 de agosto “o pedido de delegação é formulado pelo Estado da condenação”.
14.º- É verdade que a lei portuguesa excepciona o consentimento do requerido/arguido no seu artigo 96.º, n.º 3 quando estatui que “a execução de sentença estrangeira que impõe reacção criminal privativa de liberdade é também admissível, ainda que não se verifiquem as condições das alíneas g) e j) do n.º 1, quando, em caso de evasão para Portugal ou noutra situação em que a pessoa aí se encontre, tiver sido negada a extradição do condenado pelos factos constantes da sentença”, porém nós só aplicamos esta lei subsidiariamente.
15.º-Para além de não podermos falar de uma evasão, pois quando a arguida/requerida entrou em território português não constava nenhum mandato de detenção da aqui requerida/arguida pela Polícia Federal Brasileira.
16.º- Curiosamente, ainda hoje não
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