Acórdão nº 2664/23.8YRLSB-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 14-12-2023

Data de Julgamento14 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão2664/23.8YRLSB-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, integrado na pessoa coletiva Estado Português, com sede no n.º 2 da Avenida Infante Santo, em Lisboa, ao abrigo do disposto no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro, por remissão do artigo 405.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, por não se conformar com o Acórdão proferido nos autos, na parte em que decidiu não fixar serviços mínimos para as Provas de Aferição, vem dele interpor recurso de apelação.
Pede a revogação do acórdão arbitral.
Apresentou as seguintes conclusões:
1. O Acórdão recorrido, ao decidir não fixar serviços mínimos para as Provas de Aferição violou, desde logo, os artigos 73.º e 74.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao ferir o núcleo essencial de um direito fundamental, enfermando, nessa medida, de inconstitucionalidade, e ainda a alínea d) do n.º 2 do artigo 397.º da LTFP, violando, também, o princípio da legalidade e, por essa via, enfermando de vício de violação de lei.

2. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 397.º da LTFP, nos órgãos ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação que declare a greve, ou a comissão de greve, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades;

3. Mais dispondo o n.º 2 do mesmo artigo que se consideram órgãos ou serviços que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes setores: «(…) d) Educação, no que concerne à realização de avaliações finais, de exames ou provas de caráter nacional que tenham de se realizar na mesma data em todo o território nacional;».

4. Nos termos do n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, na sua redação atual, que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens, as provas de aferição são de aplicação universal e obrigatória e realizam-se no final do 2.º, 5.º e dos 8.º anos de escolaridade.

5. As provas de aferição constituem provas nacionais que têm de se realizar na mesma data em todo o território nacional, pelo que são expressamente reconhecidas enquanto necessidade social impreterível a serem asseguradas através da prestação de serviços mínimos indispensáveis à sua satisfação, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 397.º da LTFP.

6. Ao impedir-se a realização e classificação das provas de aferição, inviabiliza-se a emissão dos respetivos relatórios individuais do aluno das provas de aferição (RIPA) e dos relatórios de escola de provas de aferição (REPA), impossibilitando a adoção de intervenções pedagógicas dedicadas, em contexto, que permitam às escolas reajustar estratégias com vista à melhoria da qualidade das aprendizagens e à promoção do sucesso escolar nos anos letivos seguintes.

7. Impunha-se, pois, nos presente autos, a definição de serviços mínimos para permitir a realização das provas de aferição, o que a não suceder, viola de forma grosseira a norma ínsita na alínea d) do n.º 2 do artigo 397.º da LTFP.

8. Nestes termos, é ilegal a decisão de não decretar serviços mínimos neste contexto, dando assim devido acolhimento ao estatuído na alínea d) do n.º 2 do artigo 397.º da LTFP.

9. Ademais, em reforço da exigência de serviços mínimos que decorre, aliás, da lei, a avaliação e, bem assim, as provas de aferição, sempre teriam que ser consideradas como uma “necessidade social impreterível”, porquanto é manifesto, atento o respetivo enquadramento jurídico e regulamentar, que a avaliação das aprendizagens, designadamente a avaliação externa concretizada através de provas de aferição, constitui uma obrigação legal e um direito dos alunos.

10. Ao decidir “não fixar serviços mínimos para as provas de aferição”, o Acórdão recorrido não tem em consideração a importância pedagógica, didática, curricular e social que estes instrumentos de avaliação têm para o sistema educativo português, cujo papel concorre para a regulação e aferição do desenvolvimento do currículo nas escolas, tendo como um dos principais objetivos contribuir, com informação relevante, para a melhoria dos processos didáticos de ensino e de melhoria das aprendizagens.

11. A avaliação e bem assim as provas de aferição, enquanto processo regulador do ensino e da aprendizagem orienta o percurso escolar dos alunos, informa e sustenta intervenções pedagógicas, reajustando estratégias que conduzam à melhoria da qualidade das aprendizagens, com vista à promoção do sucesso escolar, pelo que sempre seria de considerar estar-se perante uma “necessidade social impreterível” a convocar a necessidade de definição de serviços mínimos, o que consubstancia uma restrição do direito fundamental à greve e encontra consagração expressa no n.º 3 do artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

12. Estas restrições, que funcionam como “limites externos da greve”, decorrem da necessidade de acautelar a defesa de outros direitos constitucionalmente garantidos, da tutela do interesse geral da comunidade e dos direitos fundamentais dos cidadãos que o exercício do direito à greve pode pôr em causa.

13. Tal resulta da aplicação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da CRP ao exercício do direito à greve, o qual deve ser restringido sempre que se revele necessário assegurar e salvaguardar a concordância prática com outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, devendo tal restrição conter-se dentro dos limites que se revelem adequados e necessários para a defesa dos interesses conflituantes.

14. Ora, no artigo 73.º da CRP consagra-se o direito à educação, incumbindo ao Estado, in casu, por intermédio do Ministério da Educação, promover a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva (cfr. artigo 73.º, n.º 2 da CRP).

15. A consagração do princípio da igualdade de oportunidades, no sentido da não discriminação do acesso, coloca o enfoque nos impactos mais latos da educação nas assimetrias de poder que caracterizam as sociedades contemporâneas, nas suas várias dimensões, vinculando o Estado português ao combate ao que os sociólogos têm denominado “mecanismos de reprodução das desigualdades”, promovendo a inclusão e a cidadania na sociedade, as quais se atingem maioritariamente através da empregabilidade, via central de integração na vida social e económica.

16. Por seu turno, o n.º 1 do artigo 74.º da CRP consagra o direito de todos ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. Não obstante se reconheça a diversidade de capacidades e de interesses, contudo não se pode ignorar que todas as pessoas têm o direito de obter êxito à medida de cada uma, o direito de chegar até onde possam e queiram chegar em resultado do seu esforço e do esforço da escola (vd., neste sentido, Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Anotada, Tomo 1, 2.ª edição, pág. 1414).

17. E consubstancia-se, assim, no direito à qualidade do ensino, porque quanto mais qualidade tiver uma escola, mais será desenvolvida a personalidade dos seus alunos e mais bem preparados eles sairão para o exercício do trabalho e da profissão (vd. Artigo 47.º da CRP) e da cidadania (v. artigo 48.º e seguintes da CRP).

18. Resulta claro que as greves convocadas põem em causa - desde logo pela extensão temporal decorrida, pela sua continuidade, pela natureza, antes assumida, mas ainda e sempre materializada, de «greve por tempo indeterminado», pela sua manifesta e intencional imprevisibilidade quanto ao termo - as aprendizagens e o aproveitamento escolar de milhares de crianças e alunos, vulnerando desadequada e desnecessariamente, o direito de acesso ao ensino e o direito de aprender.

19. Por outro lado, atendendo ao concreto período em que esta greve ocorre e ao seu concreto objeto – a preparação, aplicação e avaliação externa das aprendizagens, na forma de provas de aferição - pela importância pedagógica, didática, curricular e social para o sistema educativo português, para os alunos, encarregados de educação, escolas e professores, a sua concretização irá inviabilizar a adoção das estratégias didáticas adequadas para a recuperação das aprendizagens em défice para cada aluno e promoção do sucesso escolar, violando, gravemente o seu direito à educação e ao ensino.

20. Nos termos da alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, na sua redação atual, à conceção, operacionalização e avaliação das aprendizagens do currículo dos ensinos básico e secundário, assente numa definição curricular comum nacional, preside, designadamente, o princípio orientador da promoção da capacidade reguladora dos instrumentos de avaliação externa, valorizando uma intervenção atempada e rigorosa, sustentada pela informação decorrente do processo de aferição, no sentido de superar dificuldades nos diferentes domínios curriculares.

21. Determina ainda o artigo 23.º, n.º 2, b), i) do mesmo diploma que a avaliação externa compreende, em função da natureza de cada uma das ofertas educativas e formativas, as provas de aferição.

22. Ainda no que respeita às provas de aferição, dispõe o n.º 1 do artigo 26.º da Portaria n.º 223-A/2018, de 3 de agosto, que estas visam aferir o desenvolvimento do currículo no ensino básico e providenciar informação
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