Acórdão nº 234/18.1GBPSR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-07-13

Data de Julgamento13 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão234/18.1GBPSR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 234/18.1GBPSR, do Juízo de Competência Genérica de … (Juiz 2), mediante pertinente sentença foi decidido:

“- Condenar o arguido AA na pena de prisão de 10 (dez) meses e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses, pela prática de um crime de desobediência simples, previsto e punido pelo artigo 348.º, número 1, alínea a), do Código Penal, com referência ao artigo 152.º, números 1, alínea a), e 3, do Código da Estrada, e ainda com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º, número 1, alínea c), do Código Penal.

- Suspender, na sua execução, a pena aplicada ao arguido AA pelo período de 1 (um) ano.

- Condicionar a decretada suspensão da execução da pena à condição de o arguido AA:

- Frequentar a suas expensas, o Programa STOP – Responsabilidade e Segurança, ministrado pela DGRSP, ou outro, entretanto aprovado que prossiga idênticos objetivos;

- Entregar a quantia de €600,00 (seiscentos euros) ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, até ao termo do prazo da suspensão da execução da pena, a transferir para o IBAN ….

- Condenar o arguido AA no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC’s, para efeitos do disposto no art.º 8º, n.º 5, e tabela III do RCP”.

*

O arguido, inconformado, interpôs recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

“A. Na data de 17 de fevereiro de 2022, o ora Recorrente conheceu a douta Sentença, que o condenou pela prática de um crime de desobediência simples, previsto e punido pelos artigos n.º 69º, n.º 1, al. c) e artigo 348.º, n.º 1, al. a) do Código Penal e artigo 152.º, n.º 3 e 153.º, n.º 1 e 8 do Código da Estrada, por que vinha acusado.

B. Tal convicção resultou, segundo a fundamentação da decisão, da existência de elementos de prova que tivessem demonstrado a prática do crime de que foi acusado, afirmando que o Arguido recusou fazer exame para deteção de álcool no sangue, pelo que foi advertido que incorreria na prática de um crime de desobediência, o que compreendeu. Ao agir da forma acima descrita, o arguido atuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que, na qualidade de condutor, sobre ele impendia o dever legal de se submeter ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue e, não obstante, recusou-se a fazê-lo. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. O Recorrente não poderá conformar-se com tal decisão, da qual se recorre, entendendo que não se encontra provado, pela prova constante nos autos, que cometeu o crime do qual vem acusado.

C. Andou mal a Meritíssima Juiz de Direito, tendo considerado provado que, no dia 16 de setembro de 2018, pelas 23 horas e 25 minutos, o Arguido AA conduzia o veículo ligeiro com a matrícula … pela Estrada …, em …, quando foi abordado pela autoridade policial em ação de fiscalização de trânsito. Não é de todo correspondente à verdade, uma vez que a viatura em causa não se encontrava a circular na data correspondente, motivado por avaria mecânica, conforme pode ser provado pela testemunha BB, filho do Arguido, ao qual foi atribuído um discurso credível. Assim, nem a identificação da viatura ou as suas características são verídicas, existindo um lapso, que não foi corrigido desde a douta Acusação Pública.

D. Ouvido o depoimento da testemunha, não descortinamos razões para a não atribuição de crédito ao mesmo. Pois, considerando a forma coerente e espontânea do discurso, onde se conta a indicação de pormenores concretos que se descortinam, em consonância com as regras da experiência da vida e da normalidade, o depoimento da testemunha mostra-se credível e deve, por isso, ser considerado como prova bastante (da falta de prova) quanto ao cometimento do crime pelo Arguido.

E. Não se pode considerar a inexistência de dúvidas no discurso dos militares da Guarda Nacional Republicana. Quando o seu testemunho levantou essas dúvidas, nunca confirmaram com certeza que seria aquela viatura a circular, sendo que foi avistada já estacionada, com o arguido no interior. Assim, foi logo dado como provado um facto baseado em suposição, sem qualquer produção de prova. A verdade é que os militares perderam de vista a viatura, não podem saber como estacionou naquele local. Não analisaram se o motor da viatura estava quente ou se havia indícios da mesma ter circulado um minuto antes.

F. O Arguido não se encontrava a conduzir o veículo, pelo que, nos termos do número 1 do artigo 152.º do Código de Processo Penal, só devia ser submetido à prova para a deteção de estado sob influência pelo álcool na qualidade de condutor ou caso se propusesse a iniciar a condução. Tinha então o Arguido legitimidade para recusar se submetido uma vez que não se verificava o flagrante de nenhuma dessas possibilidades.

G. Não podemos concordar que tais depoimentos não possam ser atendidos e considerados pela Meritíssima Juiz de Direito. Consideramos assim que os depoimentos prestados por estas testemunhas impõem uma decisão diversa da proferida, nos termos e para efeitos da alínea b) do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, mais precisamente a absolvição do Arguido pela prática do crime de desobediência.

H. Em suma, estavam reunidos todos os pressupostos para que o Arguido fosse absolvido do crime do qual vem acusado, pelo que o douto Tribunal violou o disposto no artigo 153º do Código Penal e o artigo 127º do Código de Processo Penal.

I. No caso vertente, o princípio da Livre Apreciação da Prova foi claramente violado, pois, resulta que da prova produzida e documentada que, ao condenar o Arguido com base em tal prova, a Meritíssima Juiz contrariou as regras da experiência comum e atropelou a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor do Arguido. Sendo um princípio geral do processo penal, pelo que a sua violação conforma uma autêntica questão de direito.

J. O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do Juiz acerca da matéria de direito. Este princípio tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto, quer seja nos pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer seja nos factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

K. Ora, o princípio da livre apreciação da prova, conjugado com o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, exige uma apreciação motivada, crítica e racional, fundada nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência.

L. A convicção, motivação e factualidade provada que vai para além da própria prova produzida em sede de julgamento, não se descortinando razões lógicas em termos de prevenção especial, tendo sido apenas fundada a decisão na própria convicção do Tribunal.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, absolvendo-se o arguido da prática do crime pelo qual foi condenado”.

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