Acórdão nº 2317/22.4T9AMD.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-04-27

Ano2023
Número Acordão2317/22.4T9AMD.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Em processo de contraordenação a sociedade “A, Lda.” foi condenada, por decisão administrativa proferida pela Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, pela prática de:
- Uma contraordenação ambiental muito grave, pela violação das proibições estabelecidas no artigo 5.º, al. b), e 25º, nº 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 153/2003, e 22º, nº 4, al. b), da Lei 50/2006, na coima de € 24.000,00;
- Uma contraordenação ambiental muito grave, pela inexistência de garantia financeira obrigatória válida e em vigor, quando a sua constituição seja exigível nos termos do artigo 22º, do Decreto-Lei nº 147/2008, de 29 de julho, p.e p. pelo n.º 1 do artigo 22º, e alínea f), do n.º 1, do artigo 26º, do Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de julho, e do artigo 22º, n.º 4, al. b), da Lei 50/2006, na coima de €24.000,00; e
- Uma contraordenação ambiental grave, pelo não cumprimento da obrigação de reunir, manter disponível e disponibilizar a informação, nos termos do artigo 36º, do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, e alínea u), do n.º 2, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 293/2009, de 13 de outubro, na coima de €12.000,00.
- Em cúmulo jurídico, na coima única de €50.000,00.
*
Por sentença datada de 13.12.2022, proferida no âmbito de processo de impugnação judicial da referida decisão administrativa, decidiu-se:
- Condenar a arguida pela prática, em 04.01.2017, da contraordenação ambiental muito grave do artigo 5º, al. b), e 25º, n.º 1, al. a), do D. Lei 153/2003, na coima parcelar de €15.000,00;
- Condenar a arguida pela prática, em 04.01.2017, da contraordenação ambiental muito grave dos artigos 22º e 26º, n.º 1, al. f), do Decreto- Lei 147/2008, e do artigo 22º, n.º 4, al. b), da Lei 50/2006, na coima parcelar de €13.000,00; e
- Condenar a arguida pela prática, em 04.01.2017, de uma contraordenação ambiental grave do artigo 11º, n.º 2, al. u), do Decreto-Lei 293/2009, e 22º, n.º 3, al. b), da Lei 50/2006, e do artigo 36º, do Regulamento CE 1907/2006, na coima parcelar de € 6.500,00.
- Em cúmulo, condenar a arguida na coima única de €22.500,00, nos termos do artigo 27º, da Lei 50/2006.
*
Recurso da decisão
Inconformada, a “A, Lda.” interpôs recurso da decisão judicial, tendo extraído da sua motivação as seguintes CONCLUSÕES (que transcrevemos):
1. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou a arguida numa coima única de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), nos termos do artigo 27º da Lei 50/2006.
2. Salvo o devido respeito por opinião contrária, tal solução apresenta-se no mínimo violadora dos mais elementares princípios de direito.
3. O tribunal a quo deu, designadamente, como provado que:
- Que no dia 04/01/2017, pelas 09h35m, a Policia de Segurança Ambiental de Lisboa realizou uma ação de fiscalização a oficina auto, no local sito Rua ...Amadora, da responsabilidade de A, Lda, NIPC ..., com morada na Rua ...Amadora.
- Encontrava-se no local, o Srº B, o qual se apresentou na qualidade de sócio gerente da exploradora do espaço, acompanhando a ação em referência, tendo sido verificado que no interior da referida oficina se encontravam resíduos ali produzidos, classificados pela Lista Europeia de Resíduos ( LER ), publicada pela decisão 2014/955/EU, da Comissão, de 18 de Dezembro, que inequivocamente demonstram a atividade desenvolvida.
- A arguida desenvolve a sua atividade naquele espaço, há cerca de trinta anos, e a deposição dos resíduos é executada no interior das instalações, numa divisão para o efeito e apesar da existência de alguns recipientes para a realização da separação de resíduos, nomeadamente óleos usados e pastilhas de travão ( LER 160112), essa ação era realizada com algumas deficiências, existindo misturas e derrames.
- O armazenamento de óleo usado é realizado em dois recipientes de 200 litros, sendo que, um destes se encontrava sob uma bacia de retenção ao lado de um outro com óleo lubrificante novo, realçando-se que o análogo se encontrava diretamente no asfalto de cimento daquele estabelecimento, destacando-se o seu topo coberto pelo resíduo em questão, com escorrimentos e respetivos derrames no pavimento em questão.
- Nesta zona de acondicionamento de resíduos , utilizada para a deposição de óleos usados e filtros de óleos e embalagens contaminadas, foi detetado que havia sido derramado resíduos de óleos usados, o qual havia inequivocamente escorrido para um ralo conectado à rede de esgotos/drenagem da edificação.
- Acerca das medidas adotadas para minimização e contenção deste tipo de situação, a arguida possuía um pó/areia absorvente, próprios para o efeito.
- A arguida possuía ainda um separador de hidrocarbonetos destinado a evitar a contaminação das águas ou do solo.
- No seguimento da verificação das instalações físicas e demais condições de acondicionamento de resíduos, foram consultadas várias guias de acompanhamento de resíduos(GAR).
- A empresa em questão encontra-se registada no SILIAmb- Sistema Integrado de Licenciamento do Ambiente, com o código APA00342823, tendo sido apresentado o MIRR- Mapa Integrado de Registo de Resíduos referente a 2015.
- Considerando o exercício de uma atividade económica passível de causar danos ambientais ou ameaça, impede a obrigatoriedade de adotar garantias financeiras que permitam assumir a responsabilidade ambiental inerente daquela atividade. Assim foi solicitado comprovativo de garantia financeira de responsabilidade ambiental ( seguro ambiental, garantia bancária, fundos ambientais ou fundos próprios, tendo o visado informado desconhecer tal obrigação).
- Ainda no decurso da ação de fiscalização, foram solicitadas as fichas de segurança (FDS), tendo a arguida informado que estas nunca tinham sido disponibilizadas pelos seus fornecedores.
4. A Recorrente não tem quaisquer antecedentes contraordenacionais, corrigiu todas as situações verificadas no momento da fiscalização, tem uma situação económica modesta.
5. Também não provocou nenhum dano ambiental, ao ecossistema e meio ambiente, nem obteve qualquer vantagem económica com a situação.
6. Aliás das três contraordenações em que a Arguida foi condenada, esta considera que a referente a contraordenação ambiental muito grave prevista no artigo 5º , al. b) e 25º, nº 1 , al. a) do Decreto-Lei 153/2003, não a praticou, entendendo com todo o respeito, que o Tribunal não interpretou devidamente a legislação aplicável ao caso concreto.
7. Entende a arguida que foram violados os artigos 2º, alíneas b) e c), 5º, alínea b), 6º, nº 1, 7º, nº1, 8º, nº 2, 9º, nº 1, 13º, nº 1 e 17, nº 1, todos do Decreto-Lei nº 153/2003, que foram interpretados no sentido de que a Recorrente integra o conceito de operador de gestão de óleos usados, e que é aplicável ao caso subjudicie a norma do artigo 5º, alínea b) do Decreto- Lei nº 153/2003, quando a mesma não corresponde à verdade, a arguida faz a manutenção/reparação de veículos automóveis, e não a operação de gestão de óleos usados.
8. De igual modo, considera a arguida que o conceito de “ solo”, vertido no artº 5º, al. b), do Decreto- Lei nº 153/2003, de 11 de Julho, na redação dada pelo Decreto- Lei nº 73/2011, de 17 de Junho e no art.º 49º, nº 3, al. b) do Decreto -Lei nº 152-D/2017, de 11 de dezembro vai no sentido ecológico uma vez que estamos a tratar de ilícito ambiental.
9. Sendo o “ solo” que tinha o óleo derramado um material de construção- cimento- não estamos perante um ilícito contra o ambiente e, o solo, é aqui entendido como um dos componentes naturais do ambiente, como resulta da Lei de Bases do Ambiente- Artº 6º, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril e agora artº 10º, da Lei nº 19/2014, de 14 de Abril.
10. Pelo que não estamos perante um facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima porque nos falta um dos elementos que dá origem à prática do ilícito.
11. Mas mesmo que tivesse existido um derrame de grandes dimensões, o que não foi o caso, o facto de a arguida possuidor um separador de hidrocarbonetos, evitaria qualquer risco de dano ambiental, equipamento cujo fim é mesmo esse.
12. Considera assim a arguida, que relativamente à primeira contraordenação, em que foi condenada pelo Tribunal, deve a mesma ser absolvida.
13. Quanto à condenação da arguida da prática da contraordenação ambiental muito grave, pela violação dos artigos 22º e 26º, nº 1, al. f) do Decreto -Lei 147/2008 e do artigo 22º, nº 4, al. b) da Lei 50/2006, está provado nos autos que há erro sobre a ilicitude, pelo que a mesma deve ser absolvida.
14. Em relação à condenação da arguida pela prática de uma contraordenação ambiental grave, artº 11º, nº 2, al. u) do Decreto-Lei 293/2009 e 22º, nº 3, al. b) da Lei 50/2006 e do artigo 36º do Regulamento CE 1907/2006, considera esta que não praticou nenhum ilícito, e que existe uma violação do art.º 32, nº 1 da CRP, pois esta nunca foi notificada para entregar as fichas de segurança. Aliás o art.º 36º do regulamento CE 1907/2006, refere que as fichas devem ser disponibilizadas “sem demora”.
15. E o que se considera “sem demora”? Um mês, uma semana? O regulamento não exige que seja de imediato, pelo que para garantia da defesa, esta deveria ter sido notificada para entrega da documentação, pelo que neste caso a arguida considera que também deve ser absolvida.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, absolvendo a Recorrente Fazendo-se assim a habitual e necessária justiça.
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Resposta do Ministério Público
O Ministério Público respondeu ao recurso no sentido da sua improcedência, nos seguintes termos (que transcrevemos):
Vem o Ministério Público, nos termos do disposto no art.º 413.º, n.º
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