Acórdão nº 22/22.0PBLMG-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 20-03-2024

Data de Julgamento20 Março 2024
Ano2024
Número Acordão22/22.0PBLMG-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LAMEGO))
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Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

1. O DESPACHO RECORRIDO

No processo comum singular nº 22/22.0PGLMG do Juízo Local Criminal de Lamego, foi proferido despacho com a referência 942548875, com o seguinte teor (transcrição), na parte que respeita ao recurso intentado:
«Autue como processo comum com intervenção do Tribunal singular.
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O Tribunal é competente (art. 16º, nº 1 e nº 2, al. b) e art. 19 do Código de Processo Penal e art. 132º, nº 1 e nº 2 da Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto).
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Na sequência do decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-07-2023 - a fls. 266-303 - foi proferido despacho de pronúncia em 17-41-2023 – a fls. 319-321 – pela Meritíssima Juiz de Instrução Criminal pelos factos contantes de fls. 301 e 302 do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que os considerou fortemente indiciados e que aqui se dão por integralmente reproduzidos nos termos e para os efeitos do art. 311º -A, nº 1 e nº 2, al. a) do Código de Processo Penal, estando, nestes termos, o arguido AA – auto de constituição de arguido a fls. 127; prestação de Termo de Identidade e Residência a fls. 128 – pronunciado por um de violação de domicílio previsto e punido pelo 190º, nº 1 e nº 3 do Código Penal.
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Por intempestivo não se admite o Pedido de Indemnização Cível deduzido pela assistente em 27-10-2022:
Com efeito e como se decidiu no aresto do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-04-2017 (Relatora Maria José Nogueira, Processo nº 44/10.4TASBG-A.C2, disponível em www.dgsi.pt.) que, doravante, seguiremos de perto, é pacífica, na doutrina e jurisprudência, o entendimento que qualifica o requerimento da abertura da instrução apresentado pelo assistente na sequência do despacho de arquivamento do Ministério Público - no campo dos crimes públicos e semipúblicos - como uma verdadeira acusação alternativa, “na qual – desde logo por via do princípio do acusatório e da vinculação temática - tem de constar os elementos descritos nas alíneas b) e c) do nº 3 artigo 283º do CPP a saber: A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; A aplicação das disposições legais aplicáveis [cf. o artigo 287º, nº 2 in fine do CPP], sob pena de, assim não sendo, para além de nulo, constituir motivo de rejeição, por inadmissibilidade legal, da «acusação»”. (…) A configuração de acusação alternativa, de acusação em sentido material, ou seja que não sendo uma acusação em sentido processual-formal, deve constituir processualmente uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objeto do processo, da acusação que o assistente entende que deveria ter sido produzida, é uma constante na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, objeto de afirmação em vários arestos, como, a título exemplificativo, sucede ainda nos acórdãos de 16.06.2008 (proc. nº 2050/06 -3.ª), de 25.10.2006 (proc. nº 3526/06.3.ª)”.
Ora, prevê-se no art. 77º, nº 1 do Código de Processo Penal que quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada.
Destarte julgamos, na esteira do sobredito aresto, que se deve aplicar por analogia o nº 1 do artigo 77º do Código de Processo Penal “porquanto dada a natureza de acusação alternativa que reveste o requerimento em questão procedem as razões justificativas daquela disciplina, assim se garantindo a harmonia do sistema”. Donde, “em função da natureza de verdadeira acusação em sentido material que reveste o requerimento de abertura da instrução apresentado, na sequência do despacho de arquivamento [no caso de crimes públicos e/ou semipúblicos], pelo assistente perfilhamos o entendimento de que a lacuna assinalada há-de ser integrada pela aplicação analógica do nº 1 do artigo 77º do C. Penal, conduzindo à necessidade do pedido ser deduzido no prazo em que aquele deve ser formulado, o que não havendo sucedido conduz à respetiva extemporaneidade” [1] .
Ora, o Pedido de Indemnização Cível não foi apresentado no prazo fixado para a entrega do requerimento de abertura de instrução plasmado no art. 287º, nº 1 do Código de Processo Penal, mas só após a prolação do despacho de pronúncia, donde se conclui pela sua manifesta extemporaneidade.
Anote nos lugares próprios».


2. O RECURSO
Inconformada, a assistente/demandante BB recorreu do despacho em causa, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

I. «A douta decisão recorrida, referente à não admissão do PIC deduzido pela Assistente, aqui Recorrente, proferida por despacho de 29-11-2023, não pode manter-se, pois é atentatória dos elementares princípios de justiça e legalidade.
II. A decisão processual que o Meritíssimo Juiz proferiu no presente processo consubstancia uma decisão injusta, errada e ILEGAL.
III. Não se compreende a interpretação efectuada pelo Mmo. Juiz de Direito.
IV. A jurisprudência invocada no douto despacho não permite extrair a conclusão aplicada na decisão recorrida.
V. Pois, o Requerimento de Abertura de Instrução (doravante RAI) deve ser considerado uma verdadeira acusação, mas só após ser proferido o competente DESPACHO DE PRONÚNCIA.
VI. Esse entendimento em nada conflitua com o artº 77º, nº 1 do CPP, bem pelo contrário.
VII. O despacho de pronúncia é que limita os factos sobre os quais o Arguido deverá ser julgado.
VIII. O Arguido pode ser pronunciado sobre todos, ou apenas alguns os factos constantes do RAI!
IX. A instrução – que não ocorreu neste processo – pode ser requerida pelo Arguido.
X. No caso a decisão instrutória até alterou a qualificação jurídica!
XI. A instância (processo), aquando da abertura de instrução, ainda não está estabilizada, por forma a poder-se deduzir o competente PIC.
XII. Que se distingue de uma acusação de natureza particular, pois aí cabe à Assistente delimitar os competentes factos.
XIII. Nesse caso, aos factos que poderão seguir para julgamento estão estabilizados!
XIV. Aqui estamos perante um crime de natureza semi-público!
XV. A única reacção ao arquivamento era requerer a abertura de instrução.
XVI. É a decisão instrutória, que delimita a factualidade constante do RAI, podendo restringi-la.
XVII. Tal interpretação – ab-rogante – atribuiria à Assistente um verdadeiro poder acusatório, que a mesma não detém neste tipo de crimes.
XVIII. A Assistente acabaria por apresentar uma peça processual (PIC), que poderia ser inócua, dado inexistir ainda uma verdadeira acusação, sem o proferimento do despacho de pronúncia.
XIX. A interpretação do Mmo. Juiz viola os dispositivos legais aplicáveis, cuja letra da lei é clara e cristalina.
XX. O artº 77º, nº 1 do CPP é claro e cristalino, ao definir que o Assistente deve deduzir o PIC na acusação (leia-se crimes particulares), ou no prazo que esta deva ser formulada.
XXI. A dita acusação pelo Assistente, como consta do artº 284º, nº 1 do CPP, é feita no prazo de 10 dias após a notificação da acusação pública.
XXII. No caso dos autos, a acusação encontra-se perfeita com a notificação do despacho de pronúncia.
XXIII. Numa decisão instrutória, o prazo é por força do artº 77º, nº 1 do CPP, de 10 dias, pois os demais números do artigo apenas se aplicam aos Lesados.
XXIV. O próprio artº 307º, n,º 5 do CPP exclui os Assistentes, quanto à aplicabilidade do prazo de 20 dias aplicável aos lesados.
XXV. A Assistente disponha assim de um prazo de 10 dias para apresentar o PIC, após a notificação da decisão Instrutória .
XXVI. A Assistente e o seu mandatário foram notificados da decisão instrutória a 17/10/2023 (decisão proferida em acta de debate institório).
XXVII. A Assistente tinha até ../../2023 ou até ../../2023 – caso pretendesse utilizar a faculdade prevista no artº 139º, nº 5 do CPP ex vi 107º, nº 5 do CPP – para deduzir o pedido de indemnização civil baseado nos factos constantes da decisão instrutória. Tendo-o feito no dia 27/10/2023, fê-lo tempestivamente, ou seja, dentro dos 10 dias subsequentes à notificação da decisão instrutória.
XXVIII. Tendo-o feito no dia 27/10/2023, fê-lo tempestivamente, ou seja, dentro dos 10 dias subsequentes à notificação da decisão instrutória.
XXIX. Quanto ao Acórdão do Procº 307/21.3GALD.P1, não concordámos com a interpretação do Mmo. Juiz.
XXX. No mesmo pugnou-se pela admissibilidade do PIC, após a pronúncia, quanto tinha já sido deduzida acusação publica – Requerimento de Abertura de Instrução apresentado pelo Arguido.
XXXI. Por maioria de razão, se é permitida a dedução do PIC – independentemente do prazo de 10 ou 20 dias - após o despacho de pronúncia, também o será quando INIEXISTE ACUSAÇÃO (pública).
XXXII. A circunstância do acórdão é igual à do presente processo, ou seja, estamos perante a integração de uma lacuna, porquanto a situação não foi prevista pelo legislador, devendo ser resolvida acordo com os princípios do processo penal e a coerência do sistema, à luz do disposto no artigo 4º do mesmo Código.
XXXIII. Pelo que, sempre deveria a mesma ser preenchida nos termos expostos supra, ou seja, através da concessão do prazo de 10 dias, após a notificação do despacho de pronúncia (que consolida a acusação), ao abrigo do artº 77º, nº 1 do CPP.
XXXIV. A decisão é manifestamente ilegal por violação dos dispositivos legais acima identificados, mormente do artº 77º, nº 1 do CPP.

TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE MERECER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE ADMITA O PIC, PORQUANTO O MESMO É TEMPESTIVO».


3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao
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