Acórdão nº 21006/22.3T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 25-01-2024

Data de Julgamento25 Janeiro 2024
Número Acordão21006/22.3T8PRT.P1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 21006/22.3T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto, Juízo Local Cível, Juiz 8
Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Desembargador António Carneiro da Silva
2º Adjunto Desembargador Dra. Maria Isoleta Almeida Costa
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

O Ministério Público, em representação do Estado Português (Ministério da Administração Interna – Polícia de Segurança Pública), nos termos conjugados do artigo 219º, n.º 1, do Constituição da República Portuguesa, dos artigos 2º, 4º, n.º 1, alínea b), e 9º, nº 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público e do artigo 24º, nº 1, do Código de Processo Civil, instaurou a presente acção declarativa de condenação, em processo comum, contra A... – Sucursal em Portugal, com sede na Rua ..., ..., Lisboa, peticionando a condenação da Ré a pagar ao Estado Português a quantia de € 6.089,31 (seis mil e oitenta e nove euros e trinta e um cêntimo), acrescida de juros moratórios à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
Alegou, em resumo, que no dia 6 de Dezembro de 2018, no Porto, ocorreu um acidente de viação entre o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca Citroen, modelo ..., com a matrícula ..-MM-.., e o ligeiro de passageiros, marca Volkswagen, modelo ..., com a matrícula ..-JA-.., conduzidos, respectivamente, por AA e pelo agente da PSP, BB.
Mais alegou que o condutor do veículo de mercadorias “MM” foi o único responsável pelo descrito acidente, responsabilidade essa que foi transferida para a Ré, nos termos do contrato de seguro titulado pela apólice respectiva.
Alegou ainda que o Estado Português procedeu ao pagamento das remunerações, suplementos, subsídios e despesas de saúde e de cuidados médicos no valor total de € 6.089,31 (seis mil e oitenta e nove euros e trinta e um cêntimo), em decorrência de uma obrigação legal, designadamente, face ao disposto nos artigos 4º nº 1, 3 e 4, 7º nº 1 e 4 e 15º, todos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, e 12º, 13º e 14º do Decreto-Lei n.º 296/2009 de 14/10, efectuando os correspondentes descontos obrigatórios.
Peticionou o reembolso de tal quantia assente no direito de regresso previsto no artigo 46º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, abrangendo, para além de outros, os montantes despendidos a título de remuneração e outras prestações de carácter remuneratório.
A ré contestou invocando desde logo a excepção da prescrição, ao abrigo do disposto no artigo 498.º n.º 1 do Código Civil.
Para tanto, alegou terem decorrido mais de três anos desde a data em que o Autor, representado pelo Ministério Público teve conhecimento do direito que alegadamente lhe compete e a data em que a Ré foi citada para a presente acção, mais alegando ser de concluir da mesma forma, ainda que se considerassem as datas dos pagamentos alegadamente efectuados como a data a partir da qual se iniciaria a contagem do prazo prescricional.
Invocou ainda, por outro lado, que, mesmo que se considerasse a ocorrência de lesões à integridade física sofridas pelo condutor e/ou ocupantes dos veículos terceiros, o prazo de prescrição aplicável à pretensão do Autor é apenas o de três anos, previsto no n.º 2 do art.º 498 do C. C., não se aplicando ao mesmo prazo a extensão prevista no n.º 3 daquele normativo.
Mais invocou terem sido peticionadas quantias que incluíam valores não elegíveis, nomeadamente, valores relativos a encargos com a Caixa Geral de Aposentações e IRS.
Pugnou a final pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido contra si formulado.
Assegurado o direito de resposta relativamente à matéria da excepção invocada, pugnou o MP pela sua improcedência, sustentando a aplicabilidade da extensão do prazo de prescrição prevista no art. 498.º, n.º 3 do CC, ao direito invocado - correspondente a um prazo de prescrição de 5 anos.
Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento, com observância das formalidades legais, como da respectiva acta consta.

Na sentença recorrida foi decidido: «… V. Dispositivo:
Em face do exposto, julgo a presente acção totalmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao Estado Português a quantia de € 6.089,31 (seis mil e oitenta e nove euros e trinta e um cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
Porque integralmente vencida, as custas ficam a cargo da Ré (art. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC). Registe e notifique...»(sic)

Inconformado com tal decisão, veio a ré interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
A ré com o requerimento de interposição do recurso apresentara alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «…. CONCLUSÕES:
1.ª No caso dos presentes autos, é certo que o prazo prescricional aplicável é de três anos, contado, admitimos, do último pagamento efectuado pelo Autor, em Fevereiro de 2019;
2.ª O prazo de prescrição em causa verificar-se-ia em Fevereiro de 2022;
3.ª Mesmo admitindo a suspensão do prazo de prescrição do Autor durante - 82 dias entre 12/3/2020 e 2/6/2020 (início e fim, respectivamente, dos efeitos do art. 7º Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março), mais 82 dias que terminaram a 21/8/2020 (art. 6º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio), ao Autor não aproveita a suspensão de prazos prevista na Lei n.º 4-B/2021 que introduziu o art. 6º-B àquela Lei n.º 1-A/2020, cujo n.º 1 dispõe que “são suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do
disposto nos números seguintes”; sendo certo que o seu n.º 3 expressamente estipula que “são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.”;
4.ª Da própria redacção daquela Lei, resulta que a mesma é aplicada a “processos e procedimentos”, sendo que a acção dos autos apenas foi instaurada no final do ano seguinte, pelo que, não se vê como a mesma pudesse ser concretamente aplicada;
5.ª Não estava o Autor impossibilitada, durante esse período à prática de actos processuais, tanto mais com carácter não presencial, conforme disponha o n.º1 do artigo 6.º da Lei 4-A/2020, de 06 de Abril;
6.ª Apenas se concebe a aplicabilidade da lei em processos judiciais já em decurso, o que não era evidentemente o caso dos autos;
7.ª Acresce que, a suspensão decorrente destes diplomas legais excepcionais deveria ser conjugada com o previsto no art. 321.º, n.º 1, do Código Civil, no qual se dispõe que: «A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo.»;
8.ª Deve entender-se que os prazos de prescrição e de caducidade que se suspendem, a partir de9/3/2020, por força do disposto no art.º7.º, nºs 3 e 4 da Lei 1-A/2020 são todos aqueles (mas apenas esses) que estejam nessa data ou que entrem durante a situação de exceção nos últimos três meses, o que não sucede nos presentes autos;
9.ª A aplicação do disposto no n.º 1 do art. 321.º do Código Civil ao regime excepcional e temporário de suspensão de prazos imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020 permite concluir que o regime aproveita a todos os que sejam titulares de direitos cujos prazos de prescrição se encontrem nos últimos três meses;
10.ª O regime que consta do n.º 1 do art. 321.º Código Civil para a prescrição também pode ser aplicado à caducidade, atendendo, nomeadamente, ao tratamento conjunto da prescrição e da caducidade nos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020 e à circunstância de, durante a situação de excepção decretada pelo art. 7.º, n.º 2, L 1-A/2020, não haver nenhuma justificação para tratá-las de forma diversa;
11.ª Os demais titulares – isto é, aqueles cujos prazos de prescrição ou de caducidade não se encontrem nos últimos três meses – não beneficiam da suspensão excepcional e temporária desses prazos, por não se justificar a protecção concedida pelos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020;
12.ª O disposto no n.º 1 do art. 321.º Código Civil fornece um critério seguro e razoável para determinar os prazos de prescrição e caducidade que devem ficar abrangidos pela suspensão imposta pelos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020;
13.ª Não estando a pretensão do Autor naquela data a prescrever (nos últimos três meses), nem prescreveria nos três meses seguintes, será forçoso reconhecer que ao mesmo não poderá ser aplicado o direito de suspensão como julgado verificado na sentença proferida pelo tribunal “a quo”;
14.ª A pretensão exercida pelo Autor está prescrita, pelo facto de o mesmo apenas ter instaurado a acção em 30 de Novembro de 2022;
15.ª Dando a correcta interpretação aos normativos legais invocados na sentença em crise, deverá a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue prescrita a pretensão do Autor e absolva a Apelante/Ré no pagamento das quantias a que foi condenada,
...

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