Acórdão nº 1992/23.7T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-02-09

Data de Julgamento09 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão1992/23.7T8CBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA)

Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra

Juízo do Trabalho de Coimbra - Juiz 2

1992/23.7T8CBR.C1

Acordam, em Conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

Infraestruturas de Portugal, S.A. interpôs o presente recurso de contraordenação, impugnando a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho que lhe aplicou a coima de €12.500,00, pela prática da contraordenação muito grave prevista e punida pelas disposições conjugadas do artigo 15.º, n.ºs 1, 2, als. c) e h) e 14 do Regime Jurídico da Proteção da Segurança e Saúde no Trabalho (RJPSST), aprovado pela Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro.

Invoca, além do mais, a incompetência legal da ACT e a violação do princípio ne bis in idem e do caso decidido, o que inquina de nulidade insanável a decisão da ACT.

A autoridade administrativa exerceu o contraditório sustentando na íntegra a decisão condenatória anteriormente proferida.

Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência das referidas exceções.

Foi proferida decisão que declarou a incompetência da ACT para a tramitação da contraordenação e a consequente invalidade da decisão que proferiu e o arquivamento dos autos.

Inconformado com esta decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…).

A arguida INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. (IP, S.A.) respondeu, com as seguintes conclusões:

(…).

O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer acompanhando, os argumentos constantes da douta Motivação apresentada pela Senhora Procuradora da República, junto do Juízo do Trabalho de Coimbra – Juiz 2 -, considerando que o recurso deve(rá) ser julgado procedente.

A arguida respondeu a este parecer, sustentando em síntese que se dignem julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público, devendo ser mantida a sentença recorrida, proferida pelo Tribunal a quo.

O recurso foi admitido pelo relator.

Colhidos os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

OBJETO DO RECURSO

São as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto – artigos 403.º e 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14-09.

Questões a decidir:
1. In(competência) legal da ACT.
2. Violação do principio ne bis in idem e do caso decidido.

FUNDAMENTOS DE FACTO

Factos a considerar:

Os que constam da decisão recorrida, das alegações e os que o tribunal de 1ª instância deu especial destaque, designadamente:

1.º Os presentes autos de contraordenação iniciaram-se com o auto de notícia em de 28 de setembro de 2020.

2.º Aquando do seu início encontrava-se já pendente o processo crime registado em 3 de agosto de 2020 (processo de inquérito n.º 794/20...., que correu termos na ... secção do DIAP ..., junto de fls.387 a 835 destes autos).

3.º No âmbito deste processo crime, em 1 de janeiro de 2023 foi proferido despacho de arquivamento com o seguinte teor:

Inquérito

Os presentes autos tiveram o seu início com o auto de notícia da GNR de Soure dando conta que, no dia 31/07/2020, pelas 15.35h, ao km 186,078, na Linha do Norte, em Soure, sentido Sul-Norte, ocorreu uma colisão entre o Alfa Pendular 133, proveniente de Lisboa e com destino a Braga, com cerca de 200 passageiros, um revisor e dois maquinistas, e uma VCC, uma máquina de manutenção da ferrovia, com dois elementos, o qual seguia no mesmo sentido e que se terá feito à linha, desrespeitando a sinalização vertical. Na sequência da colisão, o Alfa Pendular descarrilou, resultando em 6 feridos graves, sendo um deles um dos maquinistas, AA, 27 feridos leves e 2 vítimas mortais, que seguiam no VCC, BB e CC (fls. 188-189).

Tais factos são suscetíveis, em abstrato, de configurar a prática de um crime de atentado à segurança do transporte por ar, água ou caminho de ferro, p. e p. pelo art.º 288.º, n.º 1, al. d), do Código Penal.

***

Foram realizadas as competentes diligências de investigação julgadas úteis nos presentes autos, designadamente:

- junção de relatório de diligências iniciais da PJ (fls. 110-114);

- junção de nota informativa do GPIAAF (fls. 116-122);

- junção de reportagem fotográfica do acidente (fls. 139-152);

- junção de relatório de exame pericial (fls. 153-166);

- junção de listagem do INEM (fls. 204-205);

- junção de relatório de inspeção judiciária (fls. 206-220);

- junção de auto de apreensão (fls. 221-223);

- junção de auto de diligência da PJ (fls. 225-239);

- junção dos relatórios de autópsia médico-legal (fls. 269-273 e 277-282); e

- junção do relatório do GPIAAF (fls. 382-485).

***

Impõe-se agora proceder à análise jurídico-penal da prova recolhida em ordem a aferir da possibilidade de imputar a alguém em concreto a prática do crime denunciado, sendo certo que a não constituição de arguido indicia já uma resposta negativa.

Dispõe o art.º 288.º do Código Penal:

“1- Quem atentar contra a segurança de transporte por ar, água ou caminho de ferro:
a) Destruindo, suprimindo, danificando ou tornando não utilizável instalação, material ou sinalização;

b) Colocando obstáculo ao funcionamento ou circulação;

c) Dando falso aviso ou sinal; ou

d) Praticando ato do qual possa resultar desastre;

é punido com pena de prisão de um a oito anos.

2- Se, através da conduta referida no número anterior, o agente criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de três a dez anos.”

Do relatório do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários resulta a seguinte dinâmica dos factos: no dia 31/07/2020, o veículo de conservação de catenária (VCC) 105 da empresa Infraestruturas de Portugal, S.A., tinha marcha estabelecida para a sua deslocação entre as estações de Entroncamento e Mangualde, sendo tripulado por dois trabalhadores daquela empresa, um com a função de agente de condução e outro com a função de agente de acompanhamento.

Pelas 15.09h, o VCC 105 aproximou-se da estação de Soure, para onde tinha caminho estabelecido pelo Posto de Concentração de Sinalização de Pombal para uma via de resguardo – linha III – a fim de ser ultrapassado pelo comboio rápido Alfa Pendular 133 (CPA 4005), tendo percorrido o caminho estabelecido até parar na referida linha, pelas 15.12h, cujo sinal de saída (S5) tinha o aspeto vermelho, sinalizando a obrigatoriedade de paragem.

Cerca de 12 minutos depois, após o comando da circulação estabelecer o caminho para o CPA 4005 através da via direta da estação de Soure – linha I, o respetivo sinal de saída (S3) ficou com aspeto verde, sinalizando via livre para a normal passagem desse comboio rápido.

Pouco mais de um minuto depois deste evento, o VCC 105 reiniciou a sua marcha, ultrapassando o sinal S5 que se mantinha com aspeto vermelho. Os VCC, tal como a generalidade dos veículos de manutenção de infraestrutura no nosso país, não estão equipados com sistema de controlo automático de velocidade (CONVEL), motivo pelo qual não foi desencadeada a sua paragem automática no momento da passagem do sinal vermelho.

Após a ultrapassagem do sinal S5 pelo VCC, o sinal S3 da linha I passou automaticamente ao aspeto vermelho, assim como o sinal de entrada da estação (S1). Porém, uma fração de segundo antes, o CPA 4005 tinha acabado de ultrapassar o referido sinal de entrada com o aspeto verde que lhe correspondia nesse instante, motivo pelo qual o sistema CONVEL do comboio recebeu informação de que a via se encontrava livre, o que naquele momento correspondia à verdade.

O CPA 4005 entrou na estação de Soure à velocidade autorizada de cerca de 180 km/h, momento em que os maquinistas visualizaram o sinal S3 vermelho e o VCC 105 a convergir para a via em que circulavam, tendo o freio sido acionado imediatamente.

Entretanto, ao convergir para a linha I, a tripulação do VCC 105 aplicou a frenagem máxima, tendo aquele veículo se imobilizado já sobre aquela linha, não logrando evitar a colisão, que ocorreu às 15:26:06, circulando o CPA 4005 à velocidade aproximada de 155 km/h.

Na sequência da colisão, o VCC foi arrastado durante cerca de 500 metros à frente do CPA 4005, cujas duas primeiras carruagens descarrilaram, tendo a primeira se separado das restantes pouco antes da imobilização do conjunto. Do acidente resultaram duas vítimas mortais, que tripulavam o VCC 105, três feridos graves, incluindo um dos maquinistas do CPA 4005, e 41 feridos ligeiros.

Importa ressaltar que as investigações do GPIAAF têm como único objetivo a melhoria da segurança operacional, não se destinando à determinação de responsabilidades em qualquer sede, nomeadamente criminal. Não obstante, as suas considerações relevam, designadamente, quanto à determinação do quadro fáctico relevante para esse efeito.

No que se refere ao comportamento técnico do VCC 105, foi realizada peritagem aos componentes de freio, não tendo sido detetada qualquer anomalia não atribuível aos danos após a colisão.

Da mesma forma, não foi detetada qualquer anomalia da sinalização, que funcionou como esperado.

Quanto ao comportamento da tripulação do VCC 105, não existindo qualquer evidência que a ultrapassagem indevida do S5 tenha sido intencional, concluiu-se que aquando da ultrapassagem daquele sinal, a tripulação do VCC não se apercebeu que o estava a fazer indevidamente, presumindo que quando deu conta que o veículo estava direcionado para a linha I desencadeou imediatamente a frenagem para a sua imobilização.

Desta forma, afigura-se como o mais provável que a decisão de retomar a marcha do VCC na estação de Soure e a ultrapassagem indevida do sinal S5 que comanda a saída da linha II resultou da interpretação que o sinal S3 aberto se destinava àquela linha.

No que respeita ao controlo do risco da ultrapassagem indevida de sinais, o mesmo assenta no Sistema de Controlo Automático de Velocidade (CONVEL), cuja função essencial é...

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