Acórdão nº 1797/20.7PBBRR-A.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 12-10-2022

Data de Julgamento12 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão1797/20.7PBBRR-A.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–Relatório


1.–Nos autos de inquérito (Atos Jurisdicionais) acima identificado do Juízo de Inst. Criminal do Barreiro, do Tribunal da Comarca de Lisboa, em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detidos, que teve lugar em 22.4.2022, foi determinado, por despacho judicial da mesma data, que os arguidos AV___e OP___aguardassem os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva.

2.–Deste despacho interpuseram os arguidos – na mesma peça processual - recurso, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1.–A decisão judicial recorrida determinou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva aos arguidos OP___ e AV___.
2.–Os arguidos, não se conformando com a decisão judicial, vêm recorrer da mesma.
3.–Os recorrentes estão indiciados de venderem estupefaciente a consumidores que a eles se abeiravam com esse fito.
4.–Resulta do despacho judicial recorrido que o arguido OP___ colaborava na actividade delituosa com o seu Pai, AV___.
5.–Tal afirmação carece de demonstração fáctica.
6.–Na verdade, não existe qualquer colaboração do OP___ ao seu Pai. Não existem transcrições ou intercepções telefónicas nesse sentido, não existem vigilâncias policiais nesse sentido. Não existe qualquer partilha de meios, na aquisição e venda de estupefaciente e nem sequer existe partilha de clientes consumidores.
7.–O estupefaciente apreendido na cozinha é atribuído ao AV___.
8.–O estupefaciente apreendido ao OP___ é compatível com uma clara pontualidade da alegada actividade delituosa.
9.–A factualidade imputada aos recorrentes consubstancia um crime de tráfico de menor gravidade.
10.–As vendas directas de doses próprias para consumo, numa área restrita, a um número muito reduzido de consumidores, num período de vendas inferior a 3 meses, sem meios sofisticados, não sendo fornecedores exclusivos dos consumidores, e que desenvolviam actividades profissionais de onde retiravam proventos «económicos, permite concluir por uma imagem global do facto de considerável diminuição da ilicitude.
11.–E possível condenar pelo crime de tráfico de menor gravidade pela venda de cocaína e heroína, neste sentido os acórdãos: 448/20.4 GHSTB que correu termos no juiz 3 do Juízo Central Criminal de Setúbal; 146/18.9 GHVFX que correu os seus termos no Juiz 3 do Juízo Central Criminal de Loures; 2373/18.0 T9BRR que correu os seus termos no Juiz 4 do Juízo Central Criminal de Almada e o Acórdão 927/17.0 PAMTJ que correu os seus termos no Juiz 5 do Juízo Central Criminal de Almada.
12.–Pelo que a factualidade imputada aos recorrentes encaixa na perfeição na descrição do Acórdão do STJ n° 127/09.3 PEFUN. Sl, na qualificação dos factos como de um crime de tráfico de menor gravidade.
13.–No que concerne aos perigos elencados pelo despacho judicial recorrido, realçamos que os perigos aferem-se concretamente, tal como resulta do artigo 204° do CPP, sendo aceite pacificamente pela jurisprudência e doutrina, mas que no caso em apreço, são aferidos pela MMa JIC de forma abstracta inviabilizando qualquer hipótese de contraditório pela Defesa.
14.–Neste sentido, foi decretado a existência dos perigos de fuga e para a conservação da prova (testemunhal) sem que exista qualquer indicio nos autos que os corroborem.
15.–O recorrente AV___ que viu a sua liberdade ser devolvida por decisão do JIC no processo com o nuipc n° 25/15.1 PEBRR que correu termos no Juiz 1 da Instância Criminal Local do Barreiro e aguardou julgamento e o seu respectivo transito em julgado, em liberdade até se ter apresentado voluntariamente no EP, para o cumprimento da pena de 4 anos e 6 meses de prisão pelo cometimento do crime de tráfico de menor gravidade e não pelo crime de tráfico, como se refere o despacho judicial recorrido.
16.–Assim dever-se-á concluir pela ausência de indícios na co-autoria e pela considerável diminuição da ilicitude, qualificando juridicamente os factos como de tráfico de menor gravidade, p.p. artigo 25° do dec-lei 15/93.
17.–Pelo exposto, dever-se-á qualificar os autos como de prática do crime de tráfico de menor gravidade, art° 25 do dec-lei 15/93 de 22 de Janeiro, sem co-autoria, alterando-se as medidas de coacção de prisão preventiva, por outras não restritivas da liberdade.

Violaram-se as disposições legais:

Artigo 25° do dec-lei 15/93, porquanto a imagem global do facto permite concluir por uma considerável diminuição da ilicitude.
Artigo 204° als. a) e b) do CPP, porquanto tais perigos foram aferidos abstratamente inviabilizando qualquer contraditório da Defesa.
Artigo 193º n° 1 do CPP, porquanto a prisão preventiva viola os princípios da proporciona, idade, adequação e previsibilidade no que concerne à qualificação dos factos.
Artigo 202° do CPP, porquanto o crime de tráfico de menor gravidade não admite a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
Nestes termos deve o presente recurso obter provimento, por provado, alterando-se a qualificação jurídica dos factos porque vem indiciado, e consequentemente restituindo-se a liberdade aos recorrentes com a obrigação de apresentações periódicas diárias, na esquadra policial da área da sua residência.
*

3.–Os recursos foram admitidos por despacho fls.84.

4.–A Magistrada do Ministério Público em 1.ª instância apresentou resposta ao recurso, que termina com a seguinte síntese conclusiva:
l.-Os arguidos AV___ e OP___ não se conformando com o despacho proferido, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, que decidiu pela existência de forte indícios da prática pelos arguidos de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.° do DL 15/93 de 22 de Janeiro, sujeita-los à medida de cocção de prisão preventiva, vêm do mesmo interpor recurso.
2.-Com efeito, das vigilâncias e inquirições de testemunhas decorre fortemente indiciada colaboração entre os arguidos porquanto ambos desenvolvem a sua actividade a partir da mesma residência, existindo uma próxima relação familiar, assumindo cada deles, sempre que necessário as entregas de produto estupefaciente a quem os procurava, procedendo às vendas de produto estupefaciente da mesma natureza na mesma área geográfica.
3.-Invocam os recorrentes que a factualidade fortemente indiciada se subsume à prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.° do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro e, por esse motivo é inaplicável a medida de coação de prisão preventiva, nos termos das disposições conjugadas das alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 202.° do C.P.P. e na alínea a) do artigo 25.° e artigo 51.° do Decreto Lei n.°l 5/93 de 22 de Janeiro.
3-[repetido na origem]. O crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25° do Decreto Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do lacto se mostre consideravelmente diminuída em razão de circunstâncias específicas, objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
4.-No caso em apreço, resulta fortemente indiciado que o arguido AV___, em liberdade condicional desde Abril de 2020, desenvolve a sua actividade pelo menos desde Outubro de 2020, em colaboração com OP___, seu filho, também este em liberdade condicional desde Novembro de 2021, que se organizavam entre si, procedendo à venda a quem os procurasse.
5.-Os arguidos dedicavam-se de forma prolongada no tempo, organizada e cautelosa à venda de cocaína e heroína, sustâncias que pela sua natureza são mais tóxicas e determinam um grau maior de adição e, no que tange à cocaína, representa um valor mais elevado.
6.-Não obstante a condenação pela prática de crime da mesma natureza, os arguidos, contactando diretamente com consumidores, desenvolvem a sua conduta ilícita, da qual obtém elevados proventos económicos, não lhe sendo conhecida outra actividade lícita.
7.-Ora, tais condições quando analisadas de forma precisa e clara, como o foram pelo MM Juiz de Instrução, não podiam afastar a verificação dos perigos de fuga, de continuação da actividade criminosa e de perturbação do inquérito.
8.-Atenta a gravidade dos factos e a pena abstratamente aplicável, a personalidade manifestada pelos arguidos na prática dos mesmos, pese embora a ausência de antecedentes criminais da mesma natureza, a danosidade e alarme social que o crime acarreta, o concreto perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa, o Ministério Publico entende ser de manter a medida de coacção de prisão preventiva já aplicada.
9.-Assim sendo, afigura-se que deve ser de aplicar aos arguidos uma medida de coacção detentiva, porquanto só uma medida dessa natureza, se revela legal, necessária e adequada a acautelar a continuação da actividade criminosa e proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas aos arguidos, neste caso concreto, nos termos do disposto nos artigos 191.°, 192.°. 193.°, 202.° e 204° al. a), b) e c) do C.P.P.
Nestes termos, deve o Recurso interposto improceder e, consequentemente, manter-se na íntegra o despacho recorrido.

5.–Depois de admitida a resposta do MP foram os autos remetidos a esta instância.
6.–Neste tribunal, na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[1], o Exm.º Procurador-geral-adjunto emitiu parecer acompanhado os fundamentos expendidos pelo MP em 1ª instância.
7.–Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir

II.–FUNDAMENTAÇÃO

1.–As questões objecto de recurso são
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