Acórdão nº 1640/22.2BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2024-04-19

Data de Julgamento19 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão1640/22.2BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
DECISÃO

I- RELATÓRIO

O Senhor Juiz do Juízo Administrativo Social do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (doravante, TAC de Lisboa ou TACL) veio requerer oficiosamente junto deste Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, ao abrigo do disposto na alínea t) do nº1 do artigo 36º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), conjugado com os artigos 135º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 109º e ss do Código de Processo Civil (CPC), a resolução do conflito negativo de competência, em razão da matéria, suscitado entre si e a Senhora Juíza do Juízo Administrativo Comum do mesmo Tribunal, uma vez que ambos se atribuem mutuamente competência, negando a própria, para conhecer da ação administrativa que L ……………. intentou no TACL contra a C………….- Comissão ………………...


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Chegados os autos a este TCA Sul, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 112º, nº 1 do CPC; as partes nada disseram.

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Foi dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, conforme dispõe o artigo 112.º, n.º 2, do CPC, que emitiu pronúncia no sentido de a competência dever ser atribuída ao Juízo Administrativo Comum do TAC de Lisboa.

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- QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A questão colocada consiste em determinar se a competência para decidir a presente ação, que deu entrada em juízo em 14 de junho de 2022, ou seja, antes da alteração ao artigo 44º-A do ETAF (operada pelo Decreto-Lei nº74-B/2023, de 28/08), em que está em causa um litígio relacionado com o exercício do poder disciplinar, cabe ao Juízo Administrativo Comum do TAC de Lisboa ou ao Juízo Administrativo Social do mesmo Tribunal.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Para julgamento do presente conflito, são relevantes as seguintes ocorrências processuais:

1) Em 14/6/2022, L ………………….. intentou, no TAC de Lisboa, ação administrativa contra a C………..- Comissão ……………………….., com vista à declaração de nulidade ou a anulação do Despacho nº24/2022, de 12/12/2022, da autoria do Diretor da Comissão de Disciplinar da Entidade Demandada que, no âmbito do Processo Disciplinar nº……../2021, lhe aplicou uma sanção disciplinar de multa no valor de 900,00€. [cfr. pi e 2 documentos, fls.1/39- SITAF].

2) Por decisão de 22/9/2023, a Senhora Juíza do Juízo Administrativo Comum do TAC de Lisboa (a quem os autos tinham sido distribuídos em 7/9/2023- a coberto do Provimento nº17/2023, da Sra. Juíza Presidente do TACL), excecionou a incompetência em razão da matéria daquele tribunal e determinou a remessa dos autos ao Juízo Administrativo Social do mesmo Tribunal por entender ser esse o competente, aduzindo, para tanto, a fundamentação de direito que, de seguida, se transcreve nos trechos mais significativos. Assim:

Considerando:

- Que em 29.08.2023, entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 74-B/2023, de 28 de agosto, diploma que alterou o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais:

-Que do preâmbulo do referido diploma consta: «Ao nível da primeira instância, e face às interpretações divergentes que se têm verificado relativamente ao âmbito da competência dos juízos administrativos sociais e dos juízos de contratos públicos, e que conduziram a diversos conflitos negativos de competência, clarifica-se o sentido das normas previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 44.º-A do ETAF»;

- Conclui-se que o mesmo tem natureza interpretativa pelo que cumpre, antes de mais, decidir da competência material deste Juízo Administrativo Comum, para conhecer do objeto dos presentes autos.

(…)

[O] artigo 44.º-A, n.º 1, alínea b), de acordo com a redação preconizada pelo Decreto-Lei n.º 74-B/2023, de 28.08 do ETAF que, como referido supra, tem natureza interpretativa, devendo ser aplicada e os seus efeitos retroagir até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivessem sido publicadas na data em que o foi a lei interpretada).

Ou seja, a repartição de competências entre os juízos especializados, prevista no artigo 44.º-A do ETAF, é feita de acordo com a matéria a que a relação jurídico-administrativa material controvertida diz respeito, não relevando a forma de processo ou o instituto na qual o Autor sustenta o seu direito.

A competência material do Juízo Administrativo Comum é residual, conforme resulta do artigo 44.º-A, n.º1, alínea a), do ETAF, sendo a mesma aferida atendendo aos termos em que o Autor submete a sua pretensão em juízo.

No caso sub iudice, a Autora, Solicitadora e Agente de Execução, configura a presente ação como sendo decorrente de um litígio emergente da decisão de aplicação de uma sanção disciplinar proferida pelo CAAJ.

Conclui-se assim, de modo inequívoco, que a matéria subjacente à presente ação visa sindicar o exercício do poder disciplinar executado no âmbito de uma relação jurídica existente entre as Partes.

Logo, tal litígio insere-se no âmbito da esfera material de competência do Juízo Administrativo Social deste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e não deste Juízo Administrativo Comum. (…)».

[cfr. fls.346/350- SITAF]

3º) Uma vez ali chegados, o Senhor Juiz a quem os presentes autos foram distribuídos - após auscultar as partes (que nada disseram) sobre a incompetência material do juízo administrativo social-- proferiu sentença com data de 18/12/23, a declarar-se igualmente incompetente em razão da matéria para dirimir o litigio que lhe foi submetido, devolvendo, a competência ao tribunal remetente. Dessa decisão extrai-se o seguinte trecho:

“(…) o DL 74-B/2023, de 28 de Agosto, não tem natureza interpretativa e, ainda que o tivesse, o caso dos procedimentos disciplinares é paradigmático das alterações inovatórias às normas de competência previstas no artigo 44.º-A do ETAF.

De facto, os procedimentos disciplinares qua tale nunca foram da competência do Juízo Administrativo Social, como facilmente se retira da simples leitura do disposto no artigo 44.º-A do ETAF, na sua redacção inicial.

O que sucedia era, de forma indirecta e porque o Juízo Administrativo Social era o juízo competente para os litígios emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas, sê-lo-ia também para os procedimentos disciplinares que surgissem no âmbito daquele vínculo.

Ora, a redacção actual, dada pelo DL 74-B/2023, passa, inovatoriamente, a atribuir competência ao Juízo Administrativo Social para conhecer dos processos relativos ao exercício do poder disciplinar, em geral e não apenas os emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas (agora também restringindo ao vínculo de emprego público).

E sendo inovatória e na ausência de norma expressa em contrário, impera a regra prevista no artigo 5.º, n.º 1, do ETAF, segundo a qual a competência se fixa no momento da propositura da acção, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente (cf., também, o artigo 38.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário).

Aliás, sendo as alterações ao ETAF da reserva relativa da Assembleia da República [cf. artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], para além do carácter interpretativo dever resultar de norma expressa, não estando no âmbito da lei autorizadora que deu origem ao DL 74-B/2023, só por lei da Assembleia da República ou por nova autorização para emissão de decreto-lei que o previsse, poderia tal suceder.

De resto, e precisamente pelo que se disse, é que aquando da criação dos juízos especializados, pela primeira vez, o Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de Dezembro, previa expressamente, no seu artigo 11.º, a transição para os novos juízos dos processos pendentes.

Tal como, agora com a criação das subsecções especializadas nos tribunais centrais administrativos, o DL 74-B/2023 veio reger de forma expressa, no seu artigo 7.º, n.º 4, sobre a transição dos processos pendentes para aquelas subsecções.

Se o...

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