Acórdão nº 162/21.3JAPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-05-09

Ano2023
Número Acordão162/21.3JAPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 162/21.3JAPRT-A.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2


Decisão Sumária

I. Relatório
No âmbito do Inquérito n.º 162/21.3JAPRT, a correr termos na 2.ª Secção do DIAP de Santa Maria da Feira, por despacho de 20-11-2022, rectificado a 02-01-2023, a Digna Magistrada do Ministério Público que conduzia o inquérito, após ordenar outras diligências, determinou o seguinte (transcrição):
«No âmbito dos presentes autos foram denunciados factos suscetíveis integrarem, em abstrato, a prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 176ºA, n.º 1 do Código Penal e um crime de pornografia de menores, na forma tentada, p. e p. pelo art. 176, n.º1, b), n.º9 e 22.º e 23.º do C. Penal, agravado nos termos do n.º6 do art. 177.º do mesmo diploma legal, na pessoa da menor AA, nascida aos ../../2006, conforme resulta da factualidade descrita a fls. 292.
Considerando as diligências de prova já realizadas entendemos que importa tomar declarações ao menor com vista a perceber o que se passou e até da respetiva credibilidade.
O menor tem apenas 15 de idade e, na nossa perspetiva já reúne condições para prestar testemunho quanto aos factos, sendo ainda testemunha especialmente vulnerável.
Considerando o supra exposto, remeta os autos à Mm.ª. Juiz de Instrução Criminal, a quem se promove seja designada data para tomada de Declarações para Memória Futura à menor AA, nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal

Concluídos os autos à Senhora Juiz de Instrução do Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira (Juiz 2), pela mesma foi proferida, em 23-11-2022, a seguinte decisão (transcrição):
«Veio o Ministério Público promover a tomada de declarações à menor AA nos termos do disposto no art. 271º do Código de Processo Penal, justificando: «considerando as diligências de prova já realizadas entendemos que importa tomar declarações ao menor com vista a perceber o que se passou e até da respectiva credibilidade.».
Ocorre que a menor AA, agora com 16 anos de idade, foi já inquirida nestes autos, não por uma, mas por duas vezes, uma das quais junto da Polícia Judiciária, de forma muito exaustiva – cfr. fls. 267-269 -, e uma outra há precisamente uma semana pela Sra. Procuradora do Ministério Público titular do inquérito, na qual, por certo, terá tido oportunidade de aferir o que se passou e da credibilidade de tal depoimento.
Na verdade, não é a tal desiderato que se destina a previsão legal da possibilidade de tomar declarações para memória futura.
Trata-se de assegurar uma prova que será pré-constituída para valer na fase de julgamento, evitando a revitimização, não podendo o disposto no art. 271º/2 do Código de Processo Penal deixar de ser interpretado tendo isso em mente, sob pena de total subversão da ratio legis subjacente àquele dispositivo: poupar as vítimas de crimes de natureza sexual a sucessivas inquirições e reavivamento do sofrimento causado pelo crime.
Além do mais, o Ministério Público apresentou à menor uma proposta de resolução consensual por meio de suspensão provisória do processo, tendo a mesma requerido a sua aplicação e justificado que “considera ser do seu interesse que os presentes autos sejam suspensos, evitando-se o julgamento por todo o sofrimento que este lhe pode causar atendendo ao facto de o arguido ser pai do seu irmão, o qual continua a contactar com o arguido de 15 em 15 dias.”.
O que significa que, a ser decretada a suspensão provisória do processo, as declarações tomadas à menor, pela terceira vez, não terão qualquer utilidade, em violação do princípio processual genérico da proibição da prática de actos inúteis – art. 130º do Código de Processo Civil ex vi do art. 4º do Código de Processo Penal -, mas também do princípio da necessidade constitucionalmente consagrado em matéria de restrição de direitos, liberdades e garantias, sob o art. 18º/2 da Constituição da República Portuguesa. Com a agravante de se submeter a vítima a uma terceira revitimização, em contradição com o fundamento último da previsão legal da tomada de declarações para memória futura nestes casos.
Assim, neste quadro, em que, além do mais, o Ministério Público perspectiva um desfecho para o processo que não passa pelo julgamento, sem prejuízo de reponderação do promovido caso tal desfecho se mostre
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT