Acórdão nº 160/23.2T9FLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 10-01-2024

Data de Julgamento10 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão160/23.2T9FLG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. 160/23.2T9FLG.P1



Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto



I – “A..., Ldª” veio interpor recurso da douta sentença do Juízo Local Criminal de Paços de Ferreira do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este que a condenou, pela prática de uma contraordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 20.º, n.º 1, b), e 37.º, n.º 3, a), do Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto (Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional) e dos artigos 21.º e 22.º, n.º 4, b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais) na coima de doze mil euros.


São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:

«Da Prescrição
a. Verifica-se nos presentes autos que os factos relativos à alegada infração ocorreram em 23 de janeiro de 2017.
b. Desde essa data já decorreram MAIS DE SEIS ANOS, pelo que, se encontra o procedimento contraordenacional prescrito, nos termos do disposto em qualquer uma das alíneas do artigo 27.º do RGCO, o que se invoca com as legais consequências.
Da Nulidade da Sentença por Erro na Aplicação do Direito
c. Desde logo, porque pelos mesmos factos correu igualmente processo de contraordenação junto: 1. da Agência Portuguesa do Ambiente, o processo de contraordenação nº DAF/....5/2017; 2. da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte, o processo de contraordenação RAN ...8/2017; 3. da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, o processo de contraordenação nº ...9/2016.
d. Assim, a verdade é que a recorrente já foi julgada pela prática dos factos em causa naqueles autos de contraordenação e a conduta apreciada é exatamente a mesma em todos os procedimentos contraordenacionais.
e. O presente procedimento viola, sem margem para dúvidas, o princípio “non bis in idem”, constitucionalmente consagrado no artigo 29.º, nº 5 da CRP, que se interliga com a exceção do caso julgado, formal e material.
f. O princípio “non bis in idem”, como exigência da liberdade do indivíduo, impede que os mesmos factos sejam julgados repetidamente, sendo indiferente que estes possam ser contemplados de distintos ângulos penais (neste caso contraordenacional), formal e tecnicamente distintos.
g. Deveria, pois, a sentença proferida pelo Tribunal a quo ter determinado o arquivamento do procedimento contraordenacional em crise, por violação do princípio “non bis in idem”.
h. Entende a recorrente que não resulta provado que a recorrente tenha violado o normativo invocado (cf. alínea b) do nº 1 do artigo 20.º do DL. 166/2008, de 22-08, alterado pelo DL. 239/2012, de 02-11, e pelo DL. 96/2013, de 19-07).
i. Aliás, diga-se a este respeito, que no dia em que os agentes do Destacamento Territorial de Felgueiras se deslocaram ao local dos factos sequer lograram identificar a arguida e os responsáveis pelos trabalhos realizados no local.
j. De facto, nos presentes autos, não foi produzida prova que permita determinar que a recorrente realizou uma qualquer obra de urbanização, construção e ampliação em solo qualificado como REN.
k. Na verdade, apenas se logrou demonstrar que a recorrente procedeu à limpeza do leito do rio e tentou estabilizar as margens com pedras sem fecho de juntas, de forma a que as águas pudessem circular.
l. O que fez visou apenas garantir a passagem das águas, travar a erosão e inundação dos terrenos pela estabilização das margens, bem como a segurança de todos que por lá passam.
m. Não foi concretizada qualquer construção ou edificação.
n. E não se tratando efetivamente de obras de urbanização, construção e ampliação, não podia a recorrente ser condenada pela prática de uma inexistente infração, sendo inaplicável o citado preceito legal.
o. Sendo certo que da prova realizada em sede de audiência de discussão e julgamento não resultou, nem poderia resultar, que a recorrente tenha de realizado obra de urbanização, construção ou ampliação.
p. Pelo que, salvo melhor e diverso entendimento, mal andou o Tribunal a quo ao não determinar o arquivamento dos presentes autos.
q. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal.
r. A nulidade da sentença por aplicação do direito pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la.
s. O que, salvo melhor e diverso entendimento, sucede na sentença proferida pelo Tribunal a quo e que aqui expressamente se argui para os devidos efeitos legais.
t. Importa referir, desde já, que desde data dos factos até à notificação da decisão, já decorreram mais de seis anos, sendo certo que ao longo deste hiato temporal a situação económica da recorrente tem vindo a piorar e a mesma não praticou qualquer outra contraordenação.
u. Assim, atendendo ao princípio da proporcionalidade que, salvo melhor entendimento, comete à administração a obrigação de adequar os seus atos aos fins concretos que se visam atingir, adequando as limitações impostas aos direitos e interesses de outras entidades ao necessário e razoável.
v. Princípio este que tem subjacente a ideia de limitação do excesso, de modo a que o exercício dos poderes, designadamente discricionários, não ultrapassem o indispensável à realização dos objetivos públicos.
w. Considerando que, a aplicação da suspensão da coima especialmente atenuada, nos termos do disposto nos artigos 20.º-A e seguintes da LQCOA, se mostra suficiente para acautelar as finalidades de punição no caso concreto, pois que estão verificadas as circunstâncias anteriores e posteriores que diminuem por forma acentuada a ilicitude dos factos, a culpa da Recorrente e a necessidade da coima.
x. Reitere-se a Recorrente é primária, não tendo praticado qualquer contraordenação ambiental, ou outra, até à presente data.
y. Nestes termos, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a revogação da decisão de aplicação da coima, nos termos do nº 3 do artigo 52.º da LQCOA, conjugado com o nº 2 do artigo 62.º e 64.º do RGCO e, concomitantemente,
z. Assim, nos termos do disposto no artigo 51.º do RGCO, “(…) quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação, uma vez que se trata de uma contraordenação ligeira, de reduzido grau de ilicitude (…)”.
aa. Pelo que, atendendo à factualidade invocada, caso por mera hipótese, não se entenda pelo arquivamento dos presentes autos, será bastante a aplicação de uma mera admoestação à alegada infração.
bb. Ademais, decorre da Constituição da República Portuguesa, do RGCO e do Código Penal, que a medida da pena tem de ser aferida na medida da culpa.
cc. Os factos praticados não são de gravidade que justifique a aplicação à primeira sanção, de uma coima no valor de €12.000,00.
dd. Ademais, a aplicação da lei, na interpretação contrária ao vindo de alegar, além de ilegal é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, motivo pelo qual deverão ser arquivados os presentes autos ou quando muito, como supra referido, ser aplicada uma admoestação ou a multa aplicada ser suspensa na sua execução mediante o cumprimento de injunções pela recorrente.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.


II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- saber se se verifica a prescrição do procedimento contra-ordenacional;
- saber se a condenação da recorrente implica a violação do princípio ne bis in idem;
- saber se a factualidade considerada provada na sentença
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