Acórdão nº 156/20.6GBSTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-02-22

Ano2022
Número Acordão156/20.6GBSTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 156/20.6GBSTS.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Singular, a correr termos no Juízo Local Criminal de Santo Tirso foi proferida sentença n qual dispôs:
“a) Condenar o arguido AA pela prática, como autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291., n.º 1, als a) e b) do C. Penal, em concurso aparente com crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292°,1 do C.P, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos;
b) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, p. e p. pelo artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do C. Penal, pelo período de 12 (doze) meses;
c) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C.´s, cfr. artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa.
*
Notifique e deposite.”

Inconformado, o arguido interpôs recurso, invocando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
“CONCLUSÕES:
I. Foi o Arguido AA condenado, pelo cometimento, em autoria material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, em concurso aparente com o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e na pena acessória de 12 meses de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do arts. 291º, n.º 1, als. a) e b), art.º 292º, n.º 1 e 69º, nº 1, al. a), do CP.
II. Não podemos aceitar o teor da Sentença proferida, porquanto é nosso entendimento que a apreciação da prova pelo Tribunal “a quo” é manifestamente incorrecta, desadequada, e insuficiente.
III. Impõe-se a modificação da decisão do Tribunal “a quo” sobre a matéria de facto, considerando-se incorrectamente julgados os factos dados como provados que infra se expõem:
IV. “1. No dia 07 de junho de 2020, pelas 17h30m, o arguido conduzia, após ter ingerido bebidas alcoólicas, o motociclo com a matrícula 2-STS-..-.., na Rua ..., Santo Tirso, acusando uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 2,35 g/l.”
V. De acordo com o depoimento da Testemunha BB, interveniente directo no sinistro, este terá ocorrido após o almoço de domingo, às “não sei se às duas ou às três”.
VI. O exame ao sangue do Arguido/Recorrente foi realizado às 20 horas no hospital, tendo este passado várias horas em casa após o acidente, “notoriamente ferido”.
VII. Não tendo sido possível apurar com a certeza que o processo penal exige se no momento do acidente o Recorrente conduzia sob o efeito do álcool, ou se o álcool aferido às 20h tinha origem em consumo posterior ao sinistro.
VIII. “2. Nas referidas circunstâncias o arguido, quando circulava no sentido ... / ..., invadiu a via de trânsito de sentido contrário o que obrigou CC, condutor de um motociclo que seguia nessa via de trânsito, a acelerar a marcha para não ser atingido pelo motociclo conduzido pelo arguido.”
IX. A testemunha BB, interveniente no acidente juntamente com o Arguido foi peremptória ao afirmar que em momento algum o Recorrente invadiu a sua faixa de trânsito. Referiu sim que este se havia despistado e caído, e que só então o seu ciclomotor terá deslizado pelo solo acabando por o atingir a si.
X. Por outro lado, o croqui anexo à participação do acidente de viação apresenta quer a marca de derrapagem do veículo do Arguido, quer a posição de imobilização da mota no eixo da via, ao longo de cerca de quase 4 metros.
XI. Deste modo, o tribunal “a quo” devia ter julgado como não provado este facto, pelo que consideramos, para efeitos da al. a) n.º 3 do art.º 412.º do C.P.P., que os mesmos foram incorrectamente julgados.
XII. Soma-se que a testemunha BB, interveniente no sinistro admitiu que naquele momento se encontrava alcoolizado, tendo inclusive pago uma coima por tal infração.
XIII. Porém, o Tribunal a quo desconsiderou tal facto, desprezando qualquer contributo que tal circunstância possa ter tido para a ocorrência do acidente.
XIV. Com efeito, o Tribunal a quo indeferiu a pretensão do Arguido de que fosse junto aos autos o resultado da análise de sangue da testemunha BB.
XV. Violando de modo clamoroso as Garantias do Processo Criminal previstas na Constituição da República Portuguesa.
XVI. Em momento algum ficou demonstrado e provado que o Recorrente teve uma conduta de perigo, ou deliberadamente tenha provocado o acidente!
XVII. Na verdade não ficou demonstrado que tenha existido violação grosseira das regras de circulação rodoviária por parte do Recorrente.
XVIII. A motivação da matéria de facto em que o Tribunal a quo assentou a sua condenação baseia-se na errada interpretação dos depoimentos prestados pelas testemunhas, descurando factores relevantes e consolidadores das incertezas que residem no acidente ocorrido entre Arguido e a testemunha BB, tendo inclusive desfigurado o depoimento deste.
XIX. A contradição entre o interveniente acidentado e a testemunha acima identificada, impõem sérias e fundadas dúvidas sobre a existência de uma condução perigosa por parte do Recorrente, para a determinação da decisão da causa, e por isso deve o tribunal ad quem decidir a favor do Recorrente, uma vez que não existe prova suficiente e bastante para que possa estar convencido da verdade ou falsidade dos factos.
XX. A reapreciação da prova gravada demonstrará a insuficiência e o erro na apreciação da matéria de facto dada como provada.
XXI. Estamos perante os vícios indicados no n.º 2, alíneas b) e c) do art.º 410º do Código de Processo Penal, verificando-se erros de apreciação, de raciocínio, contradições e insuficiências.
XXII. Devendo, no mínimo, aplicar-se o princípio "in dubio pro reo", absolvendo o Recorrente da prática dos crimes porque foi condenado.
XXIII. A presunção de inocência do arguido implica que, “sendo incerta a prova, se não use um critério formal como resultante de ónus legal da prova para decidir da condenação do réu, a qual terá sempre que assentar na certeza dos factos probandos… Só a prova de todos os elementos constitutivos essenciais de uma infracção permite a punição…” Lições de Direito Penal I, Cavaleiro Ferreira.
XXIV. Estamos, sem dúvida, perante a violação do princípio “in dubio pro reo”, segundo o qual o juiz deve decidir “sobre toda a matéria que não se veja afectada pela dúvida”, de forma que, “quanto aos factos duvidosos, o princípio da livre convicção não fornece, não pode fornecer qualquer critério decisório.
Cfr. - CRISTINA LÍBANO MONTEIRO, em PERIGOSIDADE DE INIMPUTÁVEIS E IN DUBIO PRO REO, Coimbra Editora, Pág.54.
XXV. Ora, o Tribunal a quo ao julgar como provados factos imputados ao aqui Recorrente, os quais não podem ter resultado da prova produzida em julgamento, pelos motivos aduzidos, violou, entre outros, o Principio da Livre Apreciação da Prova, consagrada no art.º 127.º do CPP.
XXVI. Sendo que as provas produzidas em audiência de julgamento impõem decisão diversa da ora recorrida.
Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, com o douto suprimento de V. EXAS. DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, e por via disso, SER O RECORRENTE AA ABSOLVIDO DA PRÁTICA DO CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO, p. e p. pelo art. 291., n.º 1, als a) e b) do C. PENAL, EM CONCURSO APARENTE COM CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ, p. e p. pelo art. 292°, n.º 1 do C.P, ASSIM SE FAZENDO A verdadeira justiça.”

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:
“A Sentença em crise aplicou de forma correta e ponderada a Lei e o Direito, face aos elementos de prova produzidos em audiência os quais, com base em critérios de valoração da prova adequados, impõem a condenação do arguido nos termos em que ocorreu.
Nos presentes autos não ocorreu qualquer violação de norma penal ou outra, impondo-se a manutenção do decidido, o que se pugna.
Termos em que negando provimento ao recurso e confirmando a sentença proferida nos autos, se fará a costumada Justiça.”
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Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer onde acolheu a posição do M.P. a quo na resposta ao recurso, pugnando igualmente pela respetiva improcedência.
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É do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respetiva motivação constantes da decisão recorrida (transcrição):

«1. No dia 07 de junho de 2020, pelas 17h30m, o arguido conduzia, após ter ingerido bebidas alcoólicas, o motociclo com a matrícula 2-STS-..-.., na Rua ..., Santo Tirso, acusando uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 2,35 g/l.
2. Nas referidas circunstâncias o arguido, quando circulava no sentido ... / ..., invadiu a via de trânsito de sentido contrário o que obrigou CC, condutor de um motociclo que seguia nessa via de trânsito, a acelerar a marcha para não ser atingido pelo motociclo conduzido pelo arguido.
3. Porém, logo a seguir, o motociclo conduzido pelo arguido veio a embater no motociclo de matrícula ..-JU-.. que também seguia na via de sentido contrário, o que provocou a queda no solo de BB.
4. Após o acidente, o arguido abandonou de imediato o local.
5. Ao atuar da forma descrita, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que por ter ingerido bebidas alcoólicas, na quantidade em que o fez, não estava em condições de exercer a condução e que violava grosseiramente as regras de segurança rodoviária relativas à obrigação de circular pelo lado direito da via de trânsito e, dessa forma, colocava em perigo a vida e a integridade física dos restantes utentes da via que aí circulavam, como aliás aconteceu.
6. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei.
7. O arguido encontra-se privado da liberdade, estando desde 27 de maio de 2021 sujeito
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