Acórdão nº 1535/17.1SPPRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 12-07-2023

Data de Julgamento12 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão1535/17.1SPPRT-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo 1535/17.1SPPRT-A.P1


Relator: João Pedro Pereira Cardoso
Adjuntos: 1º - Liliana Páris Dias
2º - Jorge Langweg




Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:


1. RELATÓRIO
No Processo nº 1535/17.1SPPRT do Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 4, por sentença transitada em julgado em 14-02-2020, a arguida AA foi condenada, pela prática de um crime de burla informática agravado, prevista e punida pelo art.º 221.º, n.º 1 e n.º 5, al. a) do Código Penal, além do mais, na declarada perda de vantagens a favor do Estado do valor €10.792,52 nos termos do disposto no artigo 111º/110.º do Código Penal (aqui se incluindo o valor do aquecedor apreendido à ordem dos autos e respetiva quantia monetária).”
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Posteriormente, o Ministério Público, por requerimento datado de 18.11.2022, veio requerer, ao abrigo do art.º 110º/4 do Código Penal, a substituição parcial da declaração da perda da vantagem, relativamente ao montante de 1.907,62€, pela obrigação da arguida pagar este mesmo valor.
Regularmente notificada para se pronunciar, a arguida nada declarou no prazo fixado.
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Por despacho de 8 de fevereiro de 2023 (Referência: 445001022) foi indeferido o requerido, “por violação da autoridade de caso julgado”.
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Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, para este Tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:
CONCLUSÕES
1. Por decisão transitada em julgado, a arguida foi condenada pela prática de um crime de burla informática agravado.
2. Da decisão condenatória consta, para além do mais, o seguinte: “Determinar a declaração de perda de vantagens a favor do Estado do valor €10.792,52, nos termos do disposto no artigo 111º/110.º do Código Penal (aqui se incluindo o valor do aquecedor apreendido à ordem dos autos e respectiva quantia monetária).”
3. Através do requerimento de 18/11/2022, face à falta de apreensão de 1.907,62€ da vantagem declarada perdida, requereu-se a substituição da sua perda pela obrigação da arguida pagar o respectivo valor ao Estado.
4. Através do douto despacho recorrido de 08/02/2023, o Tribunal a quo indeferiu o requerido, por violação da autoridade de caso julgado, aludindo-se ainda à possibilidade da substituição poder ocorrer no “processo executivo que terá de ser requerido em conformidade com a pretensão deduzida”.
5. O n.º 4 do art.º 110º do Código Penal estabelece, claramente, duas regras:
se a vantagem não for apropriada em espécie, a perda é substituída pela obrigação de pagamento desse valor;
e essa substituição pode “operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva”.
6. Se a substituição pode ser feita até na fase executiva, forçosamente que pode ser feita em decisão posterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória.
7. Deste modo, a decisão recorrida é, manifestamente, contra legem.
8. Para além disso, a substituição radica na declaração de perda de vantagem vertida na decisão condenatória, pelo que não constitui uma nova decisão, nem viola a intangibilidade do caso julgado, limitando-se a operacionalizar o já decidido.
9. Por outro lado, dos Títulos V e VI do Código de Processo Penal resulta a seguinte arquitectura legal:
como regra geral, nos processos penais, a execução das sentenças condenatórias corre nos próprios autos, não carecendo da instauração de processo de execução (art.º 470º/1 do Código de Processo Penal);
apenas quando se chega à fase de se pretender a execução de bens é que é necessário recorrer às normas do Código de Processo Civil e, portanto, à instauração de um processo executivo (art.º 510º do Código de Processo Penal).
10. Assim, quando o art.º 110º/4 do Código Penal refere a possibilidade da substituição poder operar na fase executiva, não se está a referir a um processo executivo, mas à fase processual que corre após o trânsito em julgado da condenação, e que corre termos nos próprios autos principais, sem necessidade de instauração de processo executivo (art.º 470º/1 do Código de Processo Penal).
11. Para além disso, é legalmente impossível instaurar um processo executivo com vista à efectivação da obrigação de pagamento, porque não existe nenhuma decisão judicial que possa servir de título executivo para o efeito, mormente com a certeza, a literalidade e a exigibilidade que a lei impõe – art.º 10º/5 do Código de Processo Civil.
Termos em que, por desrespeitar o disposto nos art.ºs 110º/4 do Código Penal, 470º/1 do Código de Processo Penal e 10º/5 do Código de Processo Civil, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por decisão que defira o requerido pelo Ministério Público.
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O recurso foi regularmente admitido a subir imediatamente, em separado e efeito devolutivo.
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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, acompanhando grosso modo os considerandos constantes do recurso do Ministério Público na 1ª instância, pugnou pelo seu total provimento.
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Na sequência da notificação a que se refere o art.417º, nº2, do Código de Processo Penal, foi efetuado exame preliminar e, colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada que se
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