Acórdão nº 151/18.5T9VFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-09-21

Ano2022
Número Acordão151/18.5T9VFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 151/18.5T9VFR.P1 – 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
1. RELATÓRIO
1.1 Por despacho de 06/04/2022, proferido no Proc.º n.º 151/18.5T9VFR, que corre termos no Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 2, Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, por considerar verificada a exceção de ilegitimidade do Ministério Publico, o Tribunal a quo, ao abrigo do nº 1 do art.º 311º CPP, decidiu não receber a acusação deduzida, quanto ao crime imputado à arguida AA, de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148º, n.º 1 do Código Penal conjugado com os artigos 41º, n.º 1, al. d) e 103º, n.º 2 do Código da Estrada e 60º, n.º 1 do Regulamento de Sinalização de Trânsito, bem como relativamente à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69º, n.º 1, al. a) do Código Penal.
1. 2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:
“I. A queixa deste processo foi apresentada no dia 12/01/2018 pelos pais do ofendido BB, através de procuração passada ao Ilustre Mandatário, por factos ocorridos em 28/11/2017;
II. À data da apresentação da queixa, o ofendido BB tinha completado 16 anos (cerca de 2 meses antes);
III. A queixa veio a ser ratificada pelo BB no dia 22/11/2021;
IV. Independentemente da existência ou não de poderes de representação, a queixa foi apresentada dentro do prazo legal de 6 meses – cf. art.º 115º, n.º 1 do C.P.;
V. Um ato praticado por terceiros sem poderes de representação não é um ato sem validade, podendo adquirir eficácia mediante ratificação;
VI. A lei substantiva civil que regula a representação sem poderes no artigo 268º do C.C., que por força do artigo 295º do C.C. se aplica aos simples atos jurídicos, como é a apresentação de uma queixa, aplicável ex vi art.º 4º do C.P.P., permite a ratificação de uma queixa;
VII. A ratificação operada após o prazo de 6 meses previsto no art.º 115.º, n.º 1 do C.P. é perfeitamente válida, dado que a nossa lei civil não assinala nem para a ratificação, nem para a negação da ratificação qualquer prazo, salvo o prazo da prescrição e, no caso em apreço, os efeitos retroativos estendem-se até ao dia 12/01/2018 (data da apresentação da queixa);
VIII. O art.º 115º, n.º 2 do C.P. só se aplica quando o direito de queixa pura e simplesmente não foi exercido por ninguém, o que não é manifestamente o caso em apreço;
IX. É seguro que um jovem de 16 anos, sabendo que os pais apresentaram queixa em seu nome e estavam a tratar do processo, estivesse convencido que sob ponto de vista formal o procedimento estava regular e válido, não necessitando de praticar qualquer ato suplementar de manifestação de vontade de desejo do procedimento criminal quando foi inquirido no inquérito ou completou 18 anos;
X. Existe um princípio de confiança nas relações entre o Estado e os cidadãos que deverá ser respeitado e, neste capítulo, o Tribunal ao admitir a constituição de assistente do pai do ofendido fez crer que o processado estava processualmente regular e válido;
XI. O despacho recorrido ao rejeitar a acusação relativamente ao crime de ofensa à integridade física por negligência por falta de legitimidade do Ministério Público não aceitando a ratificação da queixa efetuada pelo ofendido, violou o disposto nos art.ºs 49º, 113º e 115º do C.P., art.ºs 4 e 311º, n.º 1 do C.P.P., art.º 268º, n.º 2 do C.C., art.º 295º do C.C. e art.º 266º da C.R.P.”
1.4. Não houve resposta ao recurso.
1.5. O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal, emitiu douto parecer, concluindo pela procedência do recurso.
1.6. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal.
1.8. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo Ministério Público e os poderes de cognição deste Tribunal, importa fundamentalmente apreciar e decidir se é ou não legalmente admissível a ratificação da queixa deduzida pelos legais representantes do menor, vítima dos factos que são objeto da acusação deduzida nos autos pelo Ministério Público, mesmo que tal ratificação ocorra após o decurso do prazo de 6 meses, a que alude o art.º 115º, nº 2, do CP, contado a partir da data em que o menor atingiu os 18 anos de idade.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Factos a considerar
2.1.1. Do assento de nascimento nº ..., lavrado na Conservatória do Registo Civil de Santa Maria da Feira, a 21 de julho de 2010, consta declarado o nascimento de BB, ocorrido a 17 de outubro de 2001, aí constando como pai CC e como mãe DD;
2.1.2. No documento particular assinado pelo Ilustre Advogado Dr. EE, que deu entrada nos Serviços do Ministério Público a 11/01/2018, consta declarado o seguinte:
CC, CC ..., e DD (…) progenitores e titulares das responsabilidades parentais de BB, CC ... (…), doravante queixosos, vêm apresentar: Queixa-crime, contra AA (…) O que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:
Conforme consta do introito desta peça, os queixosos são progenitores do menor BB, nascido a .../.../2001, exercendo em conjunto as responsabilidades parentais;
No dia 28/11/2017, por volta das 07h30, na Rua ..., ..., ..., Santa Maria da Feira, encontrava-se a vítima em frente à casa de morada de família, pretendendo atravessar a faixa de rodagem (…)
2.1.3. Em declarações prestadas no processo, constantes do auto de inquirição de testemunha de 28/03/2018, o ofendido BB, nesta mesma data, quando perguntado de pretendida constituir-se assistente no processo declarou que não e, de seguida, prestou declarações sobre os factos de que havia sido vítima;
2.1.4. Por requerimento de 12/06/2018, CC, invocando a sua qualidade de ofendido, requereu a sua constituição como assistente, pretensão que foi deferida por despacho de 13/07/2018;
2.1.5. Por despacho de 15/11/2021, o Ministério promoveu a notificação do menor BB para, no prazo a fixar, querendo, ratificar a queixa apresentada e reiterada pelos pais (em sede de declarações) e todo o processado;
2.1.6. Por requerimento de 22/11/2021, BB, através de advogado por si constituído, a quem para tal havia passado procuração com poderes especiais, veio declarar pretender a prossecução do competente processo-crime contra a arguida, assim como ratificar todo o processado anterior, incluindo a queixa apresentada pelos seus pais, em sua representação.
2.1.7. Na fundamentação da decisão recorrida, considerou-se, no essencial, o seguinte:
“Salvo o devido respeito por entendimento contrário – e não desconhecendo a jurisprudência, entre outra citada pelo Digno Magistrado do Ministério Público – sequer se vê possa ter lugar no caso concreto a
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