Acórdão nº 14992/22.5T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-05-22

Ano2023
Número Acordão14992/22.5T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
CompMat-União de Facto-14992/22.5T8PRT.P1
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SUMÁRIO[1]( art. 663º/7 CPC ):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum em que figuram como:
- AUTORES: AA, portuguesa, NIF ..., e BB, de nacionalidade síria, NIF português ..., ambos residentes na Rua ..., ... Porto
- RÉU: Estado Português, NIPC ..., representado pelo Ministério Público vieram os autores peticionar o reconhecimento da união de facto dos autores há mais de três anos, para efeitos de atribuição de nacionalidade portuguesa à autora mulher.
Alegaram para o efeito, que se conheceram em Abril de 2016, em Istambul na Turquia. Nessa época, a autora conhecia a Turquia turisticamente e o autor desenvolvia na época projetos humanitários para refugiados naquele país.
Por intermédio de um amigo em comum conheceram-se e passado poucas semanas começaram a namorar.
A autora regressou a Portugal em Maio do mesmo ano mantendo a relação amorosa com o autor ainda que à distância.
Em 19 de dezembro de 2016 o autor mudou definitivamente para Portugal e desde então vivem em situação de união de facto. Os autores mantêm entre si a condição de conviventes de facto, análoga à dos cônjuges desde definitivamente Dezembro de 2016, tendo a sua primeira residência conjugal na morada Rua ... ... Porto. Nutrem uma relação familiar, social, afetiva e sexual, e residem na mesa casa desde então. Partilham refeições e contribuem ambos para o sustento do lar. Os autores são vistos juntos em eventos sociais e partilham a relação afetuosa e marital publicamente, sendo que nenhum deles é casado. Ambos contribuem para a economia do casal, mediante mútuo auxílio em relacionamento tipicamente de marido e mulher.
A autora mulher desenvolve atividade profissional como enfermeira e o autor é funcionário do Continente Online.
Tem planos de vida em conjunto, a médio e longo prazo, inclusive os de se casarem e terem filhos em comum. Possuem documentos que comprovam a residência em conjunto.
Concluem, no art. 15º da petição, que “face à sua vivência em comum e por viverem em condição análogo à dos cônjuges há mais de três anos, têm direito de requerer o reconhecimento judicial da situação de união de facto exigido pelo artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 2/2020, de 10/11 e pelo artigo 14.º, n.º 2, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, Decreto-Lei nº 237-A/2006”.
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Proferiu-se despacho liminar, cujo teor se transcreve:
“Estatui o art.º 590.º, n.º 1, do CPC que nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.
Porque é de conhecimento oficioso (art.º 97.º, n.º 1, do CPC) e uma exceção dilatória insuprível, cumpre apreciar da competência deste juízo local cível em razão da matéria para julgar a presente ação.
AA, de nacionalidade portuguesa, e BB, de nacionalidade síria, residentes no Porto, instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, pedindo que o reconhecimento da união de facto entre ambos nos termos e para os fins da Lei n.º 7/2001 e da Lei n.º 37/81.
Para fundamentar a sua pretensão, os AA. alegaram que nutrem uma relação familiar, social, afetiva e sexual e coabitam - partilhando mesa e cama - como autêntico casal desde 19 de Dezembro de 2016; que contribuem para a economia do casal, mediante o mútuo auxílio, em relacionamento tipicamente de marido e mulher.
Para decidir a questão em apreço importa ter presente a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (doravante designada por LOSJ), que estatui sobre a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada (art.º40.º, n.º 2).
Nos termos do art.º 130.º da LOSJ, compete aos juízos locais cíveis e de competência genérica a tramitação e decisão das causas que não sejam atribuídas a outros juízos especializados ou a tribunal de competência territorial alargada, ou seja, os juízos cíveis e de competência genérica definida têm uma competência residual, cabendo-lhes a competência material das causas que não sejam da competência dos juízos especializados.
Já quanto aos juízos de família e menores, diz-nos o art.º 122.º, n.º 1, da LOSJ, que lhes compete preparar e julgar:
a) Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges;
b) Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum;
c) Ações de separação de pessoas e bens e de divórcio;
d) Ações de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil;
e) Ações intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966;
f) Ações e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges;
g) Outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família.
Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos (n.º 2 do mesmo art.º 122.º).
Para a questão em apreço, releva a al. g) do n.º 1 do cit. art.º 122.º que atribui aos juízos de família e menores competência para conhecer outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família.
Quanto ao âmbito de aplicação da referida alínea, entendemos que a mesma abrange toda e qualquer ação que se relacione com o posicionamento das pessoas relativamente ao casamento, união de facto ou economia comum, na esteira da jurisprudência quase unânime dos nossos tribunais superiores (vide, por exemplo, Acs do TRP de 05/02/2015, do TRC de 24/04/2016 e do TRL de11/12/2018 e 30/06/2020).
Como se refere no cit. Ac. do TRP de 05/02/2015 (Proc. n.º 13857/14.9T8PRT.P1), com tal previsão, o legislador pretendeu abranger o «carácter fluído e flexível que hoje caracteriza a vida familiar, uma vez que esta não se restringe ao laços decorrentes do casamento, como sucede quando os progenitores não estão casados entre si, podendo essa relação ser ou não estável (…)», sabendo-se que se está «perante uma diversidade constitutiva da família e de distintos níveis de relacionamento da vida em família, que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) tem vindo a reconhecer a partir do artigo 8.º da CEDH», razão porque «a leitura mais consistente do segmento normativo em causa ao referir-se a “outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família” se reporta às condições ou qualidades pessoais que têm como fonte as relações jurídicas familiares, incluindo as resultantes das uniões de facto (…) de modo a individualizar ou a concretizar a situação jurídica pessoal familiar, tendo em atenção a natureza complexa e multinível que atualmente tem a família.»
Uma vez que, na presente ação, está em causa o reconhecimento da união de facto entre os autores, é o juízo de família e menores competente para a preparar e julgar, nos termos da al. g) do nº 1 do art.º 122.º da LOSJ, e não o juízo local cível.
A incompetência absoluta é uma exceção dilatória insuprível que obsta ao conhecimento do pedido e acarreta, nos termos do cit. art.º 590.º, n.º 1, do CPC, o indeferimento liminar da petição inicial.
Atento o exposto, julgo verificada a exceção dilatória da incompetência absoluta deste juízo local cível e, em consequência, indefiro liminarmente a petição inicial.
Custas pelos AA. (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC)”.
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Os Autores vieram interpor recurso do despacho.
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Nas alegações que apresentaram os autores formularam as seguintes conclusões:
1. Conclui o tribunal a quo “Para a questão em apreço, releva a al. g) do n.º 1 do cit. art.º 122.º que atribui aos juízos de família e menores competência para conhecer outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família.”
2. Contudo, por Acórdão de 17-06-2021 o Supremo Tribunal de Justiça decidiu “Face à atribuição específica de competência constante do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, os tribunais de família e menores não são competentes para julgar as ações de reconhecimento judicial da situação da união de facto, com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa”.
3. Face ao exposto, são competentes os tribunais cíveis para julgar o presente processo de reconhecimento de união de facto dos ora recorrentes.
Termina por pedir que se julgue procedente o presente recurso e consequentemente seja revogada a decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Dispensaram-se os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da
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