Acórdão nº 14919/21.1T8LSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-10-27

Data de Julgamento27 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão14919/21.1T8LSB.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACÓRDÃO[1]

Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO

LL e MN, intentaram ação declarativa de simples apreciação sob a forma de processo comum contra ESTADO PORTUGUÊS pedindo o reconhecimento da união de facto nos termos e para os fins da Lei n.º 7/2001 e, da Lei n.º 37/81.

Foi proferida decisão que declarou o tribunal cível incompetente em razão da matéria para conhecer da ação declarativa de simples apreciação positiva de reconhecimento de união de facto entre os autores, por entender que o tribunal materialmente competente para tramitar o processo será o tribunal de Família e Menores.

Inconformados, vieram os autores apelar da decisão, tendo extraído das alegações[2],[3] que apresentaram as seguintes

CONCLUSÕES[4]:

1. Contrariamente à douta sentença sob recurso, o MP pronunciou-se pela competência do tribunal cível para julgar a presente ação (23/05/2022, com o n.º de entrada citius 32637962), com fundamento em orientação Superior da PGR, de 9-5-2022, e no Ac. do STJ, supra plasmado (de 17/06/2021, Proc.286/20.4T8VCD.P1.S1, Relator João Cura Mariano, inserto em www.dgsi.pt).

2. Por lapidar, contrariando todas as decisões da Relações, incluindo o acórdão citado na sentença sob recurso, diz-nos o sumário do Acórdão do STJ, supra identificado: “Face à atribuição específica de competência constante do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, os tribunais de família e menores não são competentes para julgar as ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa.”

3. Em 6 alterações da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro), após a introdução, do n.º 3 do art.º 3.º, (pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04) que reza: “3 – O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.”, apesar da oportunidade, nunca o legislador alterou esta norma especial atributiva de competência jurisdicional.

4. Do mesmo modo, o legislador da LOFT e depois da LOSJ (esta, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26/08, e alterada por 11 vezes, sendo a mais recente versão a da Lei n.º 77/2021, de 23/11), manteve intocado o art. 3.º, n,º 3, da Lei da Nacionalidade, o que só pode ter um significado: o legislador quis manter e manteve a norma especial atributiva de competência aos tribunais cíveis, para as ações de reconhecimento das uniões de facto.

5. Interpretar de outro modo, é, procurar um falso caminho, absolutamente violador do art.º 7.º, n.º 3, do Código Civil (como fez a decisão sob recurso), pois nem expressamente, nem inequivocamente, o legislador quis que lei geral (a LOSJ) revogasse lei especial (a Lei da Nacionalidade).

6. Portanto, mantém o legislador a competência especial dos tribunais cíveis para julgar as ações de reconhecimento das uniões de facto.

7. A decisão sob recurso, procura fazer uma interpretação rebuscada da lei, violadora do art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil: “2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”

8. Portanto, a norma aplicada pelo julgador, assim imperfeitamente interpretada (art.º 122.º n.º 2 al. g) da Lei n.º 62/2013) viola a harmonia da ordem jurídica, porque pretende afastar a norma especial do art.º 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, supra identificada, que é a que deve ser aplicada aos autos.

9. A competência para julgar a presente ação de reconhecimento da união de facto, para efeitos de pedido de atribuição de nacionalidade portuguesa ao unido de facto estrangeiro, é do tribunal a quo e não dos tribunais de família, por ser de aplicação obrigatória a competência
especial do art.º 3.º, n.º 3, da LN, face à competência geral da LOSJ.

Inconformado, veio também o réu apelar da decisão, tendo extraído das alegações[5],[6] que apresentou as seguintes

CONCLUSÕES[7]:

1- O presente recurso incide sobre o despacho proferido em 08/06/2022, através do qual o Tribunal a quo se declarou incompetente em razão da matéria para conhecer da presente ação declarativa de simples apreciação positiva de reconhecimento de união de facto entre os Autores LL e MN, este último de nacionalidade brasileira, por entender que o Tribunal materialmente competente para tramitar o presente processo é o Tribunal de Família e Menores, ao abrigo do disposto no artigo 122º, n.º 2, al. g) da Lei n.º 62/2013 (LOSJ).

2- Todavia, não lhe assiste razão.

3- No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/06/2021, em que é relator o Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro João Cura Mariano, disponível em www.dgsi.pt, decidiu-se que são os tribunais civis os materialmente competentes para o julgamento das ações de reconhecimento judicial de situação de união de facto entre duas pessoas com vista à aquisição de nacionalidade portuguesa por parte do cidadão estrangeiro.

4- Concorda-se, na íntegra, com o decidido no mencionado Acórdão do S.T.J. e com os
fundamentos aí invocados.

5- No mencionado Acórdão decidiu o S.T.J. que a competência material para o julgamento das ações de reconhecimento judicial da união de facto, com vista à aquisição da nacionalidade portuguesa é dos tribunais cíveis, e não dos tribunais de família e menores, face à atribuição de competência específica constante do artigo 3º, n.º3 da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04 (Lei da Nacionalidade).

6- Ao atribuir-se especificamente, na Lei da Nacionalidade, a competência material aos tribunais cíveis para conhecer este tipo de ações, norma esta que se manteve com a entrada em vigor da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, impõe-se concluir que a norma constante do art.º 3.º nº 3 da Lei da Nacionalidade é norma especial relativamente às regras gerais de distribuição de competência dos tribunais judiciais.

7- Dessa forma, não pode considerar-se que tal norma da Lei da Nacionalidade, tenha sido tacitamente revogada pela regra geral do art.º 122 n.º 1 al g) constante da LOSJ, já que a norma especial prevalece sobre a norma geral.

8- Ao considerar-se materialmente incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente ação, o despacho de que ora se recorre padece de erro de julgamento, por parte do Tribunal a quo, no que concerne à norma aplicável no presente caso, uma vez que não aplicou o artigo 3º, n.º3 da Lei da Nacionalidade, norma essa especial face à norma constante do artigo 122º, n.º1, al. g) da LOSJ, tendo sido feita, pelo Tribunal a quo, uma errada interpretação e aplicação desta última norma.

9- O Tribunal a quo violou as normas ínsitas nos artigos 3º, n.º 3 da Lei da Nacionalidade, e 122º, n.º1, al. g) da Lei de Organização do Sistema Judiciário.

10- O douto despacho de que ora se recorre não deverá ser mantido, devendo ser revogado, ordenando-se o prosseguimento dos presentes autos.

Colhidos os vistos[8], cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO[9],[10]

Emerge das conclusões dos recursos apresentadas por LL e MN e, ESTADO PORTUGUÊS, ora apelantes, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:

1.) Saber qual o tribunal judicial materialmente competente para apreciar o pedido de reconhecimento judicial das uniões de facto entre duas pessoas com vista à aquisição de nacionalidade portuguesa por parte de cidadão estrangeiro.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS

1.) LL e MN, intentaram ação declarativa de simples apreciação sob a forma de processo comum contra ESTADO PORTUGUÊS pedindo o reconhecimento da união de facto.

2.) Foi proferida decisão que declarou o tribunal cível incompetente em razão da matéria para conhecer da ação declarativa de simples apreciação positiva de reconhecimento de união de facto entre os autores, por entender que o tribunal materialmente competente para tramitar o presente processo é o tribunal de Família e Menores.

2.2. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[11] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.) SABER QUAL O TRIBUNAL JUDICIAL MATERIALMENTE COMPETENTE PARA APRECIAR O PEDIDO DE RECONHECIMENTO JUDICIAL DAS UNIÕES DE FACTO ENTRE DUAS PESSOAS COM VISTA À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE PORTUGUESA POR PARTE DE CIDADÃO ESTRANGEIRO.

Os apelantes alegaram que “o legislador da LOFT e depois da LOSJ (esta, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26/08, e alterada por 11 vezes, sendo a mais recente versão a da Lei n.º 77/2021, de 23/11), manteve intocado o art.º 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, o que só pode ter um significado: o legislador quis manter e manteve a norma especial atributiva de competência aos tribunais cíveis, para as ações de reconhecimento das uniões de facto”.

Assim, concluíram que “A competência para julgar a presente ação de reconhecimento da união de facto, para efeitos de pedido de atribuição de nacionalidade
portuguesa ao unido de facto estrangeiro, é do tribunal a quo e não dos tribunais de família, por ser de aplicação obrigatória a competência especial do art. 3.º, n.º 3, da LN, face à competência geral da LOSJ”.

Vejamos a questão.

O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível – art.º 3º/3, da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 03/10, com as alterações decorrentes da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04.

O estrangeiro que coabite há mais de três anos com português em condições análogas às dos
...

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