Acórdão nº 14/23.2GTCBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-01-24

Ano2024
Número Acordão14/23.2GTCBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (COIMBRA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PENACOVA))


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo de Competência Genérica ..., o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido AA, filho de BB e de CC, natural de ..., nascido a .../.../1952, portador do cartão de cidadão n º ...65, residente na Rua ..., ..., ... ..., imputando-lhe a prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

2. Por sentença de 28-09-2023, foi decidido condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, numa pena de 8 (oito) meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43º, nº 1. do Código Penal, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, na residência sita na Rua ..., ..., ... ....

*

3. Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, formulando no termo da respectiva motivação, as seguintes conclusões:

“(…)

VIII - Apesar da lei 38-A/2023 de 02 de Agosto restringir a aplicação da amnistia apenas aos jovens entre os 16 e os 30 anos de idade, entende-se que tal lei deve ser aplicada no caso em apreço, devendo ser efectuada uma aplicação extensiva da mesma,

IX - A violação do princípio da igualdade, consagrado na Constituição da Republica Portuguesa, é nítida nesta lei.

X – Deverá ser feita uma interpretação extensiva da lei em apreço ao caso do ora Recorrente, isto por uma questão de justiça e de igualdade entre as pessoas, e em consequência, deverá a pena aplicada ao Arguido ser perdoada ao abrigo da referida lei 38-A/2023.

Nestes termos e, com o V/ sempre mui douto suprimento, deve ser dado provimento ao recurso, ordenando-se a revogação da douta sentença proferida nos termos expostos, com que Vossas Excelências farão seguramente JUSTIÇA!”

*

4 - Respondeu ao recurso o Ministério Público, formulando no termo da contra motivação as seguintes conclusões:

“1. No que se retira das conclusões de recurso, o recorrente discorda da sentença proferida na medida em que o condenou pela prática, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, numa pena de 8 (oito) meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43 º n º 1 do Código Penal, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, alegando o recorrente ser tal pena excessiva e desproporcional, sobretudo em face da fundamentação da sentença que considerou o grau de ilicitude da conduta do arguido como mediano, sem qualquer gravidade de consequências da conduta do mesmo, devendo ter sido aplicada uma pena não privativa da liberdade.

2. O recorrente alegou ainda que deveria ter sido aplicado o perdão da pena, por interpretação extensiva da Lei nº 38-A/2023 de 02 de Agosto.

(…)

6. De igual modo, não pode ser procedente a argumentação do recorrente, quanto à aplicação da Lei 38-A/2023, de 02.08, porquanto tal lei tem como objetivo medidas de clemência, focadas nos jovens, e que tiveram lugar no quadro da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, sendo aplicável a jovens entre os 16 e 30 anos de idade, e o arguido tem 71 anos de idade, não constituindo tal limite de idades qualquer violação ao princípio de igualdade.

7. Nem tão pouco, seria possível uma aplicação da referida lei por interpretação extensiva, pois conforme estipulado em diversos Acórdãos, “As leis de amnistia, como providências de exceção, devem interpretar-se e aplicar-se nos termos em que estão redigidas, sem ampliações decorrentes de interpretações extensivas ou por analogia, nem restrições que nelas não venham expressas.”

8. Assim sendo, outra decisão não era passível de ser adotada pelo tribunal a quo.”

Termina pugnando pela improcedência do recurso, mantendo-se a Sentença recorrida.

*

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1, do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer: (transcrição parcial)

“(…)

7. E também quanto à questão da eventual inconstitucionalidade da Lei n.º 38 A/2023 por violação do princípio da igualdade, não tem razão o recorrente.

8. Esta lei, como qualquer outra lei de amnistia, pode colocar problemas do ponto de vista do princípio constitucional da igualdade.

9. No entanto, tanto a doutrina como a jurisprudência têm vindo, de forma consistente, designadamente em matéria de amnistia ou perdão, a considerar constitucionalmente conformes as eventuais diferenças de tratamento, desde que as mesmas surjam materialmente fundadas e baseadas em critérios de valor objectivo.

10. Na Exposição de Motivos da referida lei pode ler-se:

“A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é um evento marcante a nível mundial, instituído pelo Papa João Paulo II, em 20 de Dezembro de 1985, que congrega católicos de todo o mundo. Com enfoque na vertente cultural, na presença e na unidade entre inúmeras nações e culturas diferentes, a JMJ tem como principais protagonistas os jovens.

Considerando a realização em Portugal da JMJ em Agosto de 2023, que conta com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal, tomando a experiência pretérita de concessão de perdão e amnistia aquando da visita a Portugal do representante máximo da Igreja Católica Apostólica Romana justifica-se adoptar medidas de clemência focadas na faixa etária dos destinatários centrais do evento.

Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adoptar à realidade humana a que a mesma se destina”.

11. Mostra-se, assim, perfeitamente fundamentada a opção por limitar a abrangência da lei aos jovens até aos 30 anos, sendo forçoso reconhecer que a assinalada diferença de tratamento consoante a idade do autor à data da prática do crime, não resulta de critério arbitrário ou irrazoável.

12. As razões para a discriminação são evidentes e têm...

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