Acórdão nº 122/22.7GCSCD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-01-10

Data de Julgamento10 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão122/22.7GCSCD.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (VISEU (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SANTA COMBA DÃO – J1))


ACÓRDÃO


Acordam, em conferência, os juízes da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. No Juízo de Competência Genérica de Santa Comba Dão (J1), do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, e após audiência de julgamento em processo comum com intervenção de juiz singular, proferiu-se a 18/07/2023 sentença em cujos termos o arguido

AA, reformado, nascido a .../.../1959, natural de ..., filho de BB e de CC, residente na Rua ..., ...,

foi condenado, como autor de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º/1-a, do Código Penal (CP), na pena de um ano e seis meses de prisão, como autor de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art. 86.º/1-e, da Lei 5/2006, de 23/02, que aprovou o Regime Jurídico das Armas e suas Munições (RJAM), na pena de um ano de prisão, em cúmulo jurídico dessas penas sendo-lhe aplicada a única de um ano e oito meses de prisão, todavia substituída por suspensão da execução respectiva por igual período, com a condição de nos primeiros seis meses dessa suspensão pagar ao Estado a quantia de 1.500,00 €, além disso e no que aqui possa importar sendo ainda declarados perdidos a favor do Estado objectos no processo apreendidos

2. Contra essa sentença vem o arguido interpor recurso em que, arguindo nulidades dela, impugnando a respectiva decisão em matéria de facto e apontando-lhe erros de direito, pugna afinal pela sua total absolvição e, em todo o caso, pela limitação do conjunto de objectos declarados perdidos. Das extensas motivações de recurso extrai longas conclusões que são as seguintes:

(…)

3. Respondeu o MP, pugnando pela integral negação de provimento ao recurso, com manutenção do decidido nos seus precisos termos, dessa resposta igualmente formulando conclusões que são as seguintes:

(…)

4. Subidos os autos, o Sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer em que, acompanhando as razões da resposta do MP em primeira instância, a que sem acrescentar argumentos adere, se pronuncia afinal igualmente pela negação de provimento ao recurso e consequente manutenção integral da sentença recorrida.

5. Cumprido que foi o disposto no art. 417.º/2, do Código de Processo Penal (CPP), respondeu ainda o arguido, meramente reiterando a posição que em recurso expressara, e ao exame preliminar não se tendo patenteado dúvidas relevantes, sem vicissitudes se colheram os vistos e foram os autos à conferência.

6. No decurso da apreciação do recurso em conferência, e perspectivada a possibilidade de eventual modificação da decisão sobre os factos da sentença recorrida implicar também a alteração da qualificação jurídica de parte dos imputados que se mantenham entre os provados, em concreto de com eles se dar por preenchido não um crime de violência doméstica mas antes um de perseguição, foi nos termos dos art. 421.º/3, do CPP, concedido prazo ao recorrente, para que querendo se pronunciasse.

7. Na sequência, o recorrente tomou com efeito posição, retomando a impugnação da decisão em matéria de facto e, no essencial, manifestando o entendimento de que em todo o caso os factos dados como provados na sentença recorrida também não integram o crime de perseguição, como previsto no art. 154.º-A/1, do CP, além de que pelo mesmo não fora oportunamente deduzida a pertinente queixa (art. 154.º-A/5, do CP), inviabilizando-se com isso a sua eventual condenação por ele.

II – Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

1.1. Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso está limitado às focadas nas conclusões apresentada pelo recorrente. Considerando estas últimas, no sentido de procurar discernir entre elas o relevante, e em todo o caso tendo presente que parte do que nas mesmas se foca sempre seria oficiosamente cognoscível, as matérias aqui a apreciar, alinhando-as segundo a boa ordem lógico processual, de modo que a decisão relativa a umas vá sucessivamente prejudicando ou viabilizando o conhecimento das outras, e incluindo a questão advertida, da eventual alteração da qualificação jurídica de parte dos factos, podem delimitar-se pelo seguinte modo:

i. As eventuais nulidades da sentença, por falta/insuficiência da motivação da decisão em matéria de facto (art. 374.º/2 e 379.º/1-a, do CPP), e por omissão de pronúncia quanto à suposta nulidade de certas provas que em alegações finais tinha sido arguida (art. 379.º/1-c, do CPP);

ii. Os putativos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, e do erro notório na apreciação da prova (art. 410.º/2-a-b-c, do CPP);

iii. O suposto erro de julgamento, relevante do art. 412.º/3-a-b, do CPP, em que na decisão da matéria de facto o tribunal teria incorrido por, ao arrepio dos limites da liberdade de apreciação da prova e formação de convicção que lhe assiste (art. 127.º, do CPP), tê-la estribado em provas insuficientes, ter desconsiderado provas que lhe imporiam sentido diverso e em todo o caso ter-se desviado das imposições do princípio in dubio pro reo, de tudo e em concreto resultando que os factos dados como provados sob 3, 4 a 14 e 17 a 19 deveriam ter sido isso sim, no todo ou em parte, julgados como não provados, e que os factos dados como não provados sob h) a o) e w) a ff) deveriam ter sido julgados como provados;

iv. A presuntiva insusceptibilidade de os factos apurados, com as hipotéticas modificações da decisão que nesse plano se imponham ou até logo como nela assentes, darem preenchimento cabal aos tipos de crime imputados, logo quanto aos elementos objectivos do tipo, no que tange ao de violência doméstica (art. 152.º/1, do CP), e quanto aos elementos objectivos e em todo o caso subjectivos, no que respeita ao de detenção de arma proibida (art. 86.º/1-e, do RJAM, e 14.º, do CP);

v. No caso de concluir-se pelo preenchimento daqueles crimes, então ainda o alegado excesso das concretas penas por eles determinadas (art. 71.º, do CP) e a pretendida inadequação do condicionamento da suspensão da execução da pena única ao pagamento de quantia ao Estado (art. 51.º/1-c, do CP);

vi. E no caso de concluir-se pelo não preenchimento do crime de violência doméstica, então a eventualidade de preenchimento isso sim, e com os factos pertinentes, do crime de perseguição (art. 154.º-A/1, do CP), nessa hipótese determinando a pena correspondente; e

vii. De todo o jeito, o invocado erro da declaração de perda a favor do estado de todos os objectos no processo apreendidos (art. 109.º/1, do CP).

1.2. Não cabendo renovação de provas e de igual modo não sendo caso de realização de audiência (o que nada aliás o recorrente requereu), sempre o recurso deveria ser julgado em conferência (art. 419.º/3-c, do CPP), como foi.

2. A decisão recorrida

A boa apreciação da causa, nos termos acima melhor enunciados, importa que, não obstante a extensão assim imposta a esta peça, se faça aqui presente, da sentença recorrida, tanto a decisão em matéria de facto (factos provados, não provados e motivação correspondente), quanto as partes da fundamentação de direito atinentes à afirmação do preenchimento, com eles, dos crimes imputados, da determinação das penas e à declaração de perda, isto é, e afinal, a sua quase totalidade. É o seguinte o teor respectivo:

« (…)

II – Da audiência de julgamento resultaram os seguintes factos:

A) Factos provados

1) O arguido e a ofendida DD mantiveram uma relação amorosa durante cerca de três anos, entre o ano de 2019 e o ano de 2022, sendo que nos últimos dois anos, o arguido passou a residir na habitação da ofendida sita na Rua ..., em ....

2) O arguido era caçador e detinha na sua posse duas espingardas e munições.

3) Nomeadamente, em data não concretamente apurada, mas no período compreendido entre os anos de 2019 e 2022, numa ida a uma discoteca, o arguido observava a ofendida a dançar e quando esta se sentava dizia-lhe: “pois para dançares comigo estás cansada, mas para dançares com os outros não estás cansada”.

4) Em data não concretamente apurada, mas no final do mês de Abril de 2022, a ofendida terminou o relacionamento, tendo o arguido saído da residência por iniciativa daquela, sem que este se tivesse conformado com tal decisão.

5) Desde o final do mês de Abril de 2022 até pelo menos 05/07/2022, o arguido, de forma reiterada, contactou telefonicamente a ofendida e mandou mensagens escritas com teor sério e ameaçador, fazendo com que a mesma ficasse receosa pela sua vida e pelo seu corpo.

6) No dia .../.04/2022, pelas 09:52 horas, o arguido enviou mensagem escrita à ofendida com os seguintes dizeres: “eu peço mais uma vez para pensares bem e não gozes comigo nem me faças perder a cabeça e tivesses motivos eu aceitava a decisão agora sem motivo para tal e queres acabar desta forma enquanto eu não perceber vou-te dar tempo mas se eu vier aperceber que por detrás desta tua desculpa esfarrapada algo mais aí não sei o possa fazer só peço Adeus que me deixe perder o juízo”.

7) Em data não concretamente apurada, mas entre os dias .../.04/2022 e .../05/2022, o arguido enviou mensagem escrita à ofendida com os seguintes dizeres: “(…) por favor nos termos tudo para dar certo não me leves ao desespero e que o amor que tenho por ti se transformem em ódio porque e posso perder a cabeça (…)”.

8) No dia .../05/2022, pelas 05:35 horas, o arguido enviou mensagem escrita à ofendida com os seguintes dizeres: “(…) mas pensa e não faças coisas que te vanhas arrepender para o resto da tua vida mais não me provoques nem me ameaças porque o amor que tenho por ti se transformar em ódio é o fim pecote por favor não brinques comigo sabes que adoro faço tudo por ti mas o manha é outro dia”.

9) Em data não concretamente apurada, mas entre os dias .../05/2022 e 29/05/2022, o arguido enviou mensagem escrita à ofendida com os seguintes dizeres: “...

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