Acórdão nº 118/22.9T8VLS.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 07-02-2023

Data de Julgamento07 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão118/22.9T8VLS.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência na (5.ª) Secção Criminal da Relação de Lisboa:


IRelatório:


I1.)Inconformado com a sentença proferida nestes autos pelo Juízo de Competência Genérica de Velas, Comarca dos Açores, na qual a respetiva Mm.ª Magistrada Judicial julgou improcedente o recurso de impugnação judicial dirigida pelo Arguido A, melhor identificado, da decisão da Secretaria Regional das Obras Públicas e Comunicações da referida Região Autónoma, que pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos art.ºs 50.º, n.º 2, 145.º, n.º 1, al. q), 147.º, n.ºs 2 e 3 do Código da Estrada (estacionamento em local reservado a veículos que transportem pessoas com deficiência condicionada na sua modalidade), para além de coima no valor de € 60,00 (sessenta euros), que pagou voluntariamente, o condenou na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias, recorreu o Arguido acima mencionado para esta Relação, apresentando na síntese das razões da sua discordância as seguintes conclusões:

I.Foi levantado ao arguido no dia 25/07/2019, pelas 13 horas e 30 minutos, o auto de contra ordenação n.º 549798 pelo facto de ter o arguido estacionado o veículo na Rua Cons. Dr. ... ... em V____ em lugar devidamente sinalizado, reservado ao estacionamento de veículos que transportem pessoas com deficiência condicionada na sua mobilidade, tipo de ilício p. e p. no art.º 50 n.º 1 alínea f) do CE.

II.A decisão administrativa violou o direito ao contraditório e da defesa efetiva previstas no art.º 32.º da CRP e no art.º 50 do RGCO ao omitir o local concreto da rua na qual o ilícito alegadamente ocorreu.

III.A sua identificação era possível pois em sede de inquirição das testemunhas, foi pelas mesmas referido que o local de estacionamento reservado a pessoas com deficiência era junto do posto da GNR pelo que, seria por referência a esse posto que deveria ter sido concretizado o local exato.

IV.–E era também necessária pois, sabendo o local concreto, o arguido poderia ter versado a sua defesa em vários aspetos que não o pode fazer por desconhecimento, como seria o tipo de sinalética, a sua localização (no chão ou na vertical) e a respetiva autorização camarária.

V.–E não se diga que o arguido conseguiu perceber com acuidade os factos pois em parte alguma da impugnação judicial se extrai que o arguido sabia o local concreto, pois a referida defesa versou sobre meras hipóteses.

De qualquer modo e sem conceder

VI.–Ainda que se pudesse entender que a decisão administrativa não está obrigada a um rigor factual e como tal não estaria ferida de nulidade por omitir o concreto local, certo é que, tendo sido invocada a referida omissão da factualidade na impugnação judicial e tendo sido apurado e mencionado, pela primeira vez, no decurso da audiência, através do depoimento das testemunhas, que o local exato era junto do posto da GNR, nessa altura deveria ter sido dada a oportunidade do arguido se pronunciar em relação a esses factos, aplicando-se por via do art 41.º do RGCO, os art.ºs 358.º e 359.º do CPP, que foram violados.

VII.–Tanto mais que, em sede de impugnação judicial o arguido requereu prova para que fosse concretizado o local rigoroso da via, requerimento esse em relação ao qual o Tribunal não se pronunciou, o que determinou igualmente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia ao abrigo do art.ºs 379.º alínea c) do CPP.

VIII.–Assim sendo, a decisão administrativa é nula por ter violado o direito ao contraditório e à defesa efetiva, violando os art.ºs 32.º da CRP e 50.º do RGCO,

IX.–Caso assim não se entenda, sempre seria nula a decisão administrativa que, ao conhecer-se, pela primeira vez, em sede de julgamento, os factos em nenhuma parte constantes (local exato da infração) e reclamados na impugnação judicial, deveria ter dado a oportunidade ao arguido para que deles se pronunciasse, violando os art.ºs 358.º e 359.º do CPP e consequentemente, uma vez mais, o direito ao contraditório e à defesa efetiva plasmados no art.ºs 32.º da CRP e 50.º do RGCO.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o revogada a sentença que considerou improcedente a impugnação judicial, fazendo-se, assim, JUSTIÇA.

I-2.)–Respondendo ao recurso interposto, a Digna magistrada do Ministério Público junto do Tribunal a quo, conclui por seu turno:

1.–O recorrente foi condenado pela prática de contraordenação prevista e punida pelos artigos 50.º, n.º 2, 145.º, n.º1, al. q), 147.º, n.ºs 2 e 3, do Código da Estrada ,na coima no valor de €60.00 (sessenta euros) e ainda com a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias, prevista no artigo 147.º, do Código Penal.

2.–Inconformada a Recorrente com o teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo recorreu da mesma, invocando, em síntese:
a)-quanto à decisão administrativa, nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que a entidade administrativa deve respeitar os termos de uma decisão proferida no âmbito do processo penal, nos termos do artigo 58.º, do Regime Geral das Contraordenações, porquanto, a decisão proferida omitiu o local concreto da rua na qual o ilícito ocorreu, violando desta forma o direito ao contraditório e da defesa, previstos no artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 50.º, do Regime Geral das Contraordenações; b) quanto à sentença proferida pelo Tribunal a quo, nulidade de sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, alínea c), do Código de Processo Penal.

3.–Pelas razões infra expendidas, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida nos exatos termos em que foi proferida.

4.–Foi acertada a subsunção jurídico-penal dos factos considerados como provados;

5.–A Douta Sentença proferida não violou quaisquer normas legais.

Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida, nos seus precisos termos, a Douta Decisão recorrida.

II–Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer onde após aderir à ausência de razão recursória manifestada na antecedente resposta, conveio em que foram desde o início facultados ao Arguido os elementos necessários à sua ampla defesa, que de que resto logo exerceu, e que não será curial a alusão feita aos art.ºs 358.º e 359.º do Cód. Proc. Penal, porquanto os factos constantes da acusação não foram alterados.

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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.

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Seguiram-se os vistos legais.

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Teve lugar a conferência.

*
Cumpre apreciar e decidir:

III-1.)–De harmonia com as conclusões apresentadas, que entre nós, de forma consensual definem e delimitam o respectivo objecto, com o recurso interposto, tem em vista o Arguido Asubmeter à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:

- Saber se a decisão administrativa é nula por ter violado o seu direito ao contraditório e à defesa efetiva, violando os art.ºs 32.º da CRP e 50.º do RGCO;

- Se tendo-se apurado em julgamento o local exato da infração, deveria ter-se aplicado os art.ºs 358.º e 359.º, al. c), do CPP, por via do art. 41.º do RGCO;
- Se a sentença proferida padece igualmente do vício de nulidade, por omissão de pronúncia, por o Arguido, na sua impugnação, haver requerido prova para que fosse concretizado o local rigoroso da via, requerimento sobre a qual o Tribunal não se pronunciou.

III-2.)–Como temos por habitual, vamos conferir primeiro a matéria de facto que se mostra definida:

Factos provados:

1.No dia 25 de Julho de 2022, pelas 13h30, na Rua ... Dr. ... ... – V____, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros particular, de matrícula ..., o Arguido estacionou o veículo em lugar devidamente sinalizado, reservado ao estacionamento de veículos que transportem pessoas com deficiência condicionada na sua mobilidade.
2.O Arguido sabia que, ante o sinal descrito em 1., não poderia estacionar o veículo naquele local, mas não providenciou por tal desiderato, não agindo com o cuidado e diligência a que estava obrigado e de que era capaz.
3.O Arguido tem averbada a prática de uma contra-ordenação grave, em 15/06/2018, no âmbito do processo n.º 60520746.

Factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão e, concretamente, não se provou que:

I.-O Arguido tenha parado ao lado do local de estacionamento reservado ao estacionamento de veículos que transportem pessoas com deficiência condicionada na sua mobilidade

A restante matéria constante da decisão administrativa e do recurso considerou-se desprovida de relevância para a decisão da causa, ou tratar-se de matéria probatória e não factual, ou de jaez conclusivo ou de Direito.

Importa conhecer também, a fundamentação probatória que justifica o antecedente veredicto de facto:

A convicção do Tribunal, no que concerne aos factos dados como provados e não provados, baseou-se fundamentalmente na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em Audiência de Julgamento, de acordo com as regras da experiência e a livre apreciação do julgador, nos termos do previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal (ex vi artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10).
Nessa medida, e no que concerne aos factos elencados em 1. e 2. o Tribunal atendeu, desde logo, ao teor do Auto de Contraordenação junto ao processo, documento que tem força probatória plena, ao abrigo do preceituado pelos artigos 363.º, n.º 2, do Código Civil, 99.º e 169.º do CPP, ex vi artigo 4.º do CPP e 41.º do RGCO.
Com efeito, logrou-se percepcionar, através do teor do aludido documento, que naquele dia e hora em concreto, o Agente autuante – e a testemunha nessa sede identificada – percepcionou que o Arguido/Recorrente estacionou em lugar reservado a pessoa portadora de deficiência, na rua ali enunciada, estando essa reserva devida e visivelmente
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