Acórdão nº 1172/22.9T9LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 10-01-2024

Data de Julgamento10 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão1172/22.9T9LRA.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (LEIRIA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – J1))

Acordam os Juízes da 4ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum coletivo, com o NUIPC1172/22.9T9LRA que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, no Juízo Central Criminal de Leiria, foi proferido acórdão, em 19-06-2023 [referência104158267], com o seguinte dispositivo (transcrição):

«Em face do exposto, decidem os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo julgar procedente, por provada, a acusação pública deduzida, e, em consequência:

. ABSOLVER o arguido da prática de um dos crimes de violência doméstica imputados (relativo ao seu filho AA);

. ABSOLVER o arguido da prática dos três crimes de ameaça agravada imputados;

. ABSOLVER o arguido da prática do crime de detenção de arma proibida imputado;

. CONDENAR o arguido BB, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alíneas a) e d), nº 2, alínea a), nº 4 e nº 5 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada crime;

. Em cúmulo jurídico das penas aplicadas, CONDENAR o arguido BB na pena única de 5 (cinco) anos de prisão;

. SUSPENDER a execução da referida pena pelo período de 5 (cinco) anos, sujeita a regime de prova;

- O regime de prova (artigo 53º, nº 1 do Código Penal) aplicado ao arguido assentará em plano individual de readaptação social, a ser delineado pela DGRSP, e do qual constarão, nomeadamente, os seguintes deveres:

a) de resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de reinserção social;

b) de recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;

c) de informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso;

d) de frequência de programa de agressores de violência doméstica;

e) da obrigação, durante dois anos, de afastamento do arguido de pelo menos 500 metros da residência e do local de trabalho de CC e de DD;

f) de proibição, durante dois anos, de todo e qualquer contacto com a CC e DD – presencial, por telefone, e-mail, carta ou redes sociais, por si ou por interposta pessoa;

. CONDENAR ainda o arguido na pena acessória de proibição de contactos, por si ou por interposta pessoa, e por qualquer meio, com CC e com DD, pelo período de 2 (dois) anos (artigo 152º, nº 4 do Código Penal);

. CONDENAR ainda o arguido na pena acessória de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 5 (cinco) anos (artigo 152º, nº 4 do Código Penal);

. Mais CONDENAR o arguido a pagar a CC a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), a título de reparação dos prejuízos sofridos (artigo 21º, nº 2 da Lei 112/2009, de 16.09 e artigo 82º-A do CPP);

. Mais CONDENAR o arguido a pagar a DD a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), a título de reparação dos prejuízos sofridos (artigo 21º, nº 2 da Lei 112/2009, de 16.09 e artigo 82º-A do CPP);

. CONDENAR, ainda, o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (artigo 513º e 514º do CPP, artigo 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao referido diploma), e nas demais custas.»

2. Inconformado com a decisão, interpôs recurso o arguido.

2.1. – O recorrente sintetizou os seus argumentos nas seguintes conclusões (transcrição):

«V. CONCLUSÕES

a) - Por douto acórdão, o arguido foi CONDENADO

(…)

o) - O arguido requereu a entrega de cópia da gravação das declarações prestadas oralmente na audiência de discussão e julgamento.

p) - Para além do mais que impugna, o arguido pretende que o tribunal ad quem reaprecie a prova gravada.

q) - Sucede que, a mandatária do arguido ao ouvir agravação da mesma, a fim de elaborar parte do presente recurso para a qual o conhecimento da mesma se mostrava necessário, apercebeu-se de que, no que toca ao depoimento da testemunha EE, a correspondente gravação encontra-se, inaudível, ouvindo-se apenas e só, do princípio ao fim, um enorme eco, não se conseguindo discernir o depoimento de forma clara e percetivel.

r) - As respostas dadas pela testemunha não se percebe uma única palavra.

s) - Apenas se consegue perceber apesar de ser com algum esforço, a resposta a uma pergunta do Ministério Publico, acerca da arma e ainda a resposta dada à questão do:

t) - Ministério Público: “Alguma vez a sua irmã, a senhora viu alguma coisa, do casamento deles se era um casamento feliz se eles tinham problemas, viu alguma coisa.

u) - Testemunha: (impercetível)

v) - M. P.: olhe espera lá que nos não a conseguimos perceber…

w) - M. P.: algumavez a sua irmãlhe confidenciou ou lhe pediu ajuda ou lhe disse que se queria divorciar do Sr. BB?

x) - Testemunha: Agora …. Sim.

y) - M.P.: “E há mais tempo nunca aconteceu?”

z) - Testemunha: “Não, pedir o divorcio, não.

aa) - M. P.: “não, ou que se queria separar dele ou pedir-lhe conselhos sobre como é que o havia de fazer? foi só agora desta última vez?

bb) - Testemunha: exatamente, desta vez, antes … (Impercetível

cc) - M.P.: Olhe alguma vez ela lhe contou se era um casamento feliz?

dd) - Testemunha: impercetível… senhor BB … irmã…impercetível … enganar … impercetível … eu até …impercetível…

ee) - M.P.: Oh d EE espere aí um bocadinho que nós não a conseguimos perceber

ff) - Juiz: ou fala mais devagar, a senhora está a falar muito rápido…

gg) - Testemunha: impercetível

hh) - M.P.: tem de falar muito devagarinho

ii) - Testemunha: impercetível

jj) - Ficou irremediavelmente inquinado o depoimento desta testemunha.

kk) - Ora, face a esta situação, necessário é concluir não se ter procedido à exigida documentação de tais declarações.

ll) - Com a reapreciação da prova gravada, o arguido, obviamente, pretendia e pretende ainda, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

mm) - Para tanto, a audição do depoimento prestado pela dita testemunha, seria absolutamente crucial, pelos motivos supra explanados.

nn) - Tendo em conta o exposto, está o recorrente ilegalmente impossibilitado de impugnar, como era e é sua intenção, a decisão proferida sobre a matéria de facto, vendo assim, e designadamente, postergado o seu direito ao duplo grau de jurisdição em matéria de facto, o que, além do mais, se traduz numa violação flagrante do seu direito de defesa, direito este aliás consagrado no artigo 32º, n.º 1, da própria Constituição da República Portuguesa C.R.P.).

oo) - Cumpre referir que, nos termos do artigo 363° do C.P.P., «As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na ata, sob pena de nulidade».

pp) - A não documentação das aludidas declarações constitui, pois, uma violação legal cominada com nulidade, sendo assim inválida essa documentação, bem como a audiência de julgamento no seu todo e ainda todos os atos subsequentes, incluindo, naturalmente, a sentença ora impugnada.

qq) - Nulidade esta que ora pois expressamente se deduz.

rr) - Quer a omissão total ou parcial da gravação, quer a sua impercetibilidade constituem nulidade dependente de arguição, a qual tem influência na decisão da causa, na medida em que o recorrente fica impossibilitado de cumprir o ónus de especificação previsto no art.º 412º, n.ºs 3 e 4, do C. Proc. Penal, resultando assim inviabilizada a apreciação da prova, pelo Tribunal “ad quem”, em conformidade com o preceituado no n.º 6, do mesmo normativo.

ss) - Na verdade não se consegue alcançar de onde resulta a convicção do Tribunal a quo acerca da “credibilidade” que imprime ao depoimento da testemunha quando se lê no Acórdão: “A testemunha EE, irmã de CC e cunhada do arguido, depôs de forma segura, detalha, lógica e descomprometida, tendo por isso, merecido credibilidade.”

tt) - O depoimento da testemunha não se percebe do início ao fim e consegue-se identificar a resposta a uma pergunta, como se disse supra, com algum esforço.

uu) - Portanto, não se alcança a convicção do Tribunal a quo, acerca da credibilidade desta testemunha, quando não conseguiu perceber o raciocino seguido da mesma.

vv) - Quanto a nós, com o devido respeito, está o mesmo inquinado por impercetibilidade.

ww) - Até o depoimento da assistente CC, é difícil de perceber, onde a Mm Juiz repete a testemunha, muitas vezes com conclusões próprias daquilo que consegue alcançar.

xx) - Nulidade, que, pelos motivos supra expostos se argui.

(…)

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, por tudo o exposto deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, consequentemente, revogar-se a douta decisão em crise, devendo ABSOLVER-SE o arguido nos termos peticionados.»

3. Ao recurso interposto pelo arguido respondeu o Ministério Público, concluindo pela seguinte forma:

«1. Decorre do Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 03 de Julho de 2014, proferido no Processo 419/11.1TAFAF.G1-A.S1: «A nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada.».

2. No dia 23 de Junho de 2023, o recorrente requereu a gravação da audiência, o que lhe foi disponibilizado em 26 de Junho de 2023 e só no dia 20 de Julho de 2023 deu entrada no recurso onde alega a referida nulidade.

3. Foi ultrapassado o prazo dos 10 dias e conforme decorre de...

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