Acórdão nº 1153/04.0PBVIS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-03-20

Data de Julgamento20 Março 2024
Ano2024
Número Acordão1153/04.0PBVIS.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (VISEU (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU – J1))

*

RELATÓRIO



1- No processo comum coletivo n.º 1153/04.0PBVIS, que pende no Juízo Central Criminal de Viseu – J..., foi a 3.11.2023 proferido o seguinte despacho (transcrição):

Da aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto:


Promove a Digna Magistrada do Ministério Público a aplicação da amnistia e perdão previstos na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, nos termos constantes da promoção de 17/10/2023 (ref.ª 93895869).
Cumpre apreciar.


Nos presentes autos, por acórdão cumulatório de 16/09/2009 transitado em julgado em 22/10/2009, foi o arguido AA condenado nas penas únicas sucessivas de:
I. 5 anos e 3 meses de prisão e 200 dias de multa à taxa diária de € 3,00 (englobando as penas dos autos n.º 30/04...., 1553/04...., 1142/04.... e 1602/04....);
II. 7 anos e 3 meses de prisão (englobando as penas dos autos n.º 633/04...., 212/05...., 802/05.... e 140/05....).

Por seu turno, eram as seguintes condenações nos processos englobados nos cúmulos:

Do cúmulo I.

Factos Crime Pena
a) 19/03/2004 Furto qualificado (art. 204.º, n.º 2 al. e) do CP) 11 meses de prisão
b) 17/11/2004 Ofensa à integridade física 120 dias de multa
c) 17/11/2004 2 crimes de Dano 2x 100 dias de multa
d) Jan 2005 Furto 8 meses de prisão
e) Jan 2005 Furto 6 meses de prisão
f) Jan 2005 Furto 6 meses de prisão
f) Jan 2005 Introdução em lugar vedado ao público 45 dias de prisão
g) Nov 2004 Furto qualificado (art. 204.º, n.º 2 al. e) do CP) 2 anos e 6 meses de prisão
h) Nov 2004 Furto qualificado (art. 204.º, n.º 2 al. e) do CP) 2 anos e 8 meses de prisão
i) Nov 2004 Furto qualificado (art. 204.º, n.º 2 al. e) do CP) 2 anos e 8 meses de prisão
j) Nov 2004 Furto qualificado (art. 204.º, n.º 2 al. e) do CP) 2 anos e 8 meses de prisão


Do cúmulo II.

Factos Crime Pena
a) 29/05/2005 Furto qualificado

(art. 204.º, n.º 1 al. a) do CP)

1 ano e 3 meses de prisão
b) 17/06/2005 Roubo 2 anos de prisão
c) 24/05/2005 2 crimes de Roubo (art. 210.º, n.º 1 do CP) 2x 1 ano e 6 meses de prisão
d) 24/05/2005 Roubo agravado (210.º, n.º 1 e 2 b) do CP) 3 anos e 10 meses de prisão
e) 24/05/2005 3 crimes de Ofensa qualificada


(143.º, 146.º, n.º 1 e 2 e 132.º, n.º 2 g) do CP)

3x 6 meses de prisão
f) 24/05/2005 Violência depois da subtração


(211.º e 210.º, n.º 1 e 2 b) do CP)

4 anos de prisão
g) 29/06/2005 Tráfico de menor gravidade 20 meses de prisão

Relativamente aos crimes supra elencados em I. g) e II. a), foram ainda julgados procedentes pedidos de indemnização civil deduzidos e, em consequência, condenado o arguido a pagar, respetivamente, a quantia de € 1.100,00 ao demandante BB (condenação solidária com dois outros coarguidos), e a quantia de € 3.400,00 acrescida de juros de mora ao demandante CC (condenação solidária com outro coarguido).

A pena única de multa aplicada ao arguido foi declarada extinta por prescrição, razão pela qual não há, nesta parte, que ponderar a aplicação da amnistia ou perdão.

Já quanto às penas únicas de prisão, verifica-se que à data dos factos, o arguido, nascido em ../../1988, contava entre 16 e 18 anos de idade, situando-se, por isso, na faixa etária alvo das medidas de clemência previstas na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto – art. 2.º, n.º 1.

Impondo-se ponderar primeiro a aplicação da amnistia, constata-se que, de entre os crimes imputados ao arguido, só o crime de introdução em lugar vedado ao público é abstratamente punível com pena situada dentro dos limites previstos no art. 4.º da mesma Lei (com pena de prisão até 3 meses ou multa até 60 dias, conforme previsto no art. 191.º do Código Penal).

Razão pela qual, tendo o arguido praticado tais factos quando tinha 17 anos de idade, impõe-se declarar amnistiado tal crime.

Por seu turno, no tocante à aplicação do perdão, constata-se que as penas únicas concretamente aplicadas, em cúmulo, ao arguido (a mais elevada foi de 7 anos e 3 meses de prisão) situam-se abaixo do limite máximo previsto no art. 3.º, n.º 1 in fine para o perdão

E de todos os crimes por que o arguido foi condenado, só foram excecionados pelo legislador quanto à possibilidade de beneficiar do perdão:

- o crime de roubo (cumulo II b) e c)) – art. 7.º, n.º 1 al. g) da Lei n.º 38-A/2023 e art. 67.º-A, n.º 1 al. b) e n.º 3, por referência ao art. 1.º al. l), ambos do Código de Processo Penal;

- o crime de roubo agravado (cúmulo II d)) – art. 7.º, n.º 1 al. b) i) da Lei n.º 38-A/2023;

- o crime de violência depois da subtração (cúmulo II f)) – art. 7.º, n.º 1 al. g) da Lei n.º 38-A/2023 e art. 67.º-A, n.º 1 al. b) e n.º 3, por referência ao art. 1.º al. l), ambos do Código de Processo Penal.

E entendeu o legislador fixar dois tipos de condições resolutivas do perdão:

i) uma genérica e aplicável a todos os crimes perdoáveis, prevista no n.º 1 do art. 8.º: “O perdão a que se refere a presente lei é concedido sob condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada”; e

ii) outra, específica, relativamente a condenações que, para além da matéria penal, julgassem igualmente matéria cível, tal como previsto no n.º 2 do art. 8.º: “O perdão é concedido sob condição resolutiva de pagamento da indemnização ou reparação a que o beneficiário também tenha sido condenado”.

Ora, no caso, como se viu, estando em causa acórdão cumulatório, nos termos do qual o arguido foi condenado a duas penas únicas sucessivas, por referência a dois blocos de cúmulo, o que se verifica é só relativamente a um dos crimes englobados em cada um dos blocos de cúmulo, foi julgada matéria cível e fixada uma indemnização.

E aquilo que cabe apurar é se o perdão de um ano a aplicar à pena única deve ou não ficar sujeito à condição resolutiva que só estaria prevista relativamente a uma das penas parcelares englobada em cada um dos blocos de cúmulo.

No caso concreto, é meu entendimento que não.

Efetivamente, entendo que o arguido reúne já condições para beneficiar do perdão não sujeito à condição de pagamento, na medida em que as penas parcelares que nunca estariam sujeitas àquela condição excedem já a medida máxima do perdão aplicável na pena única.

Segue-se, aqui, o mesmo raciocínio que se entende aplicável aos casos em que o cúmulo abrange penas por crimes perdoáveis e não perdoáveis, caso em que deverá ter-se em consideração, quanto à medida do perdão, que:

- esta tem como limite máximo 1 ano de prisão – art. 3.º, n.º 1 – a incidir sobre a pena única – art. 3.º, n.º 4;

- esta não pode ser superior à pena parcelar aplicada pelo crime que determina a aplicação do perdão; e .

- o remanescente da pena única resultante da aplicação do perdão não pode ser inferior à pena parcelar aplicada pelo crime excluído do perdão.

No caso em apreço, de entre as penas parcelares aplicadas ao arguido só o perdão de uma em cada um dos blocos poderia considerar-se condicionado ao pagamento da indemnização (e por isso passível de revogação em caso de não pagamento), sendo certo que quanto aos demais crimes perdoáveis, temos

- no 1.º bloco, penas de 11 meses e (3x) 2 anos e 8 meses (por 4 outros furtos qualificados); e 8 meses, 6 meses e 6 meses de prisão (por mais 3 crimes de furto);

- no 2.º bloco, penas de (3x) 6 meses de prisão (por 3 crimes de ofensa à integridade física qualificada) e de 20 meses de prisão (pelo crime de tráfico de menor gravidade).

Podendo, por isso, a medida do perdão não condicionável ao pagamento, estender-se até ao limite máximo de um ano.

Por outro lado, ainda que reduzindo cada uma das penas únicas em 1 ano, sempre as penas remanescentes (de 4 anos e 3 meses para o cúmulo I; e 6 anos e 3 meses para o cúmulo II) continuam a ser superiores às penas parcelares do crime passível de perdão com condição de pagamento (no cúmulo I) e às penas parcelares dos crimes não perdoáveis e perdoáveis sob condição de pagamento (no cúmulo II).

Ou seja, entendo que não faz sentido, no caso concreto, em que o arguido, só por conta da pena parcelar de 2 anos e 8 meses aplicada pelo crime de furto (no cúmulo I) e da pena parcelar de 20 meses aplicada pelo crime de tráfico de menor gravidade (no cúmulo II), já poderia beneficiar do perdão sujeito apenas à condição resolutiva genérica do n.º 1 do art. 8.º, sujeitar a aplicação do perdão na pena única a uma condição específica de pagamento que só existiria quanto às penas (inferiores) aplicadas por factos que sustentaram a responsabilização civil a par da penal.

É que, se em lugar destes crimes, o arguido tivesse sido condenado por crimes não perdoáveis, não sobrariam dúvidas na aplicação do perdão tout court (ou seja, sem condição de pagamento).

E de outro passo, não faria sentido que, em caso de não pagamento da indemnização, por verificação da condição resolutiva, o arguido visse repristinado o cumprimento de um ano de prisão, precludindo a possibilidade de beneficiar do perdão relativamente a uma das penas parcelares cujo perdão não estava dependente desse pagamento.

Isto porque – como se disse – resulta do art. 3.º, n.º 4 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto que o perdão incide sobre a pena única. E ao aludir o legislador a “pena única”, não se crê que se referisse à pena única dos crimes perdoáveis, mas à pena única de todos os crimes em concurso, quer sejam ou não passíveis de perdão e quer respeitem ou não a crimes cujo perdão esta dependente de condição resolutiva específica (para além da geral).

Ou seja, sendo única a medida do perdão e o respetivo limite máximo, inexiste razão, face à letra desta Lei, para ficcionar um cúmulo de penas perdoáveis, antes se impondo verificar se, relativamente a cada um dos crimes em concurso, existem já razões para, sem prejuízo para as penas dos crimes não perdoáveis (ou não perdoáveis sem condição resolutiva específica) aplicar já o limite máximo de 1 ano perdão na pena única.

Entendo, por todo o exposto, estarem reunidos os pressupostos...

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