Acórdão nº 1143/23.8T8LRS.L2-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-02-20

Ano2024
Número Acordão1143/23.8T8LRS.L2-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,

Relatório

No âmbito do Recurso de Contra-ordenação nº 1143/23.8T8LRS que corre termos no Juiz 1 do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, e em que é arguido AA, foi decidido julgar improcedente a impugnação judicial e, em consequência, foi mantida a decisão administrativa proferida, em 7.01.2022, pelo Sr. Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que determinou a cassação do respectivo título de condução, nos termos do disposto no nº 8, do art. 148º, do Cód. Estrada.
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Sem se conformar com a decisão, o arguido interpôs o presente recurso onde pede que seja declarada a nulidade do presente processo contraordencional, com a consequente extinção dos presentes autos ou, caso assim não se entenda, que seja o processo extinto por prescrição.
Para tanto formula as conclusões que se transcrevem:
A. O arguido, ora recorrente, foi notificado da decisão proferida pelo Tribunal a quo mediante a qual foi confirmada a sanção de cassação do seu título de condução, nos termos do art.º 148.º, n.º 8 do C.E., bem como foi condenado a pagar custas fixadas pelo seu mínimo legal.
B. De acordo com o n.º 2 do art.º 73.º do RGCO a Relação poderá, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (sublinhado e negrito nossos).
C. No que concerne à matéria em apreciação aos presentes autos, o recurso da decisão proferida em primeira instância afigura-se manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito.
D. Sucedeu que o Douto Tribunal a quo propôs quer ao Ministério Público, quer ao próprio arguido, que a decisão fosse proferida por simples despacho, sem estar, contudo, devidamente munido de todos os elementos necessários e indispensáveis ao proferimento da decisão,
E. Induzindo, assim, o arguido em erro em virtude de ter criado no mesmo a convicção de que tal decisão seria proferida na posse de todos os elementos probatórios necessários à descoberta da verdade e à justa composição do litígio, o que não se veio a verificar.
F. Entendeu o Douto Tribunal a quo dar como não provados factos alegados pelo arguido sem que os mesmos tenham sido verificados no âmbito dos poderes de investigação de que o mesmo se encontra munido, nada tendo cuidado para proceder ao seu apuramento, designadamente que:
· O decretamento da cassação teria gravosas consequências para a vida profissional e familiar do arguido porquanto este exerce actividade por conta própria, organizando e realizando eventos em feiras, mercados, exposições, concertos e outros acontecimentos pelo país fora, pelo que, necessita de conduzir de forma a assegurar o seu sustento e o da sua família.
· O arguido é pai de três menores, que se encontram a frequentar a escola e a creche, estabelecimentos estes que se encontram em sítios distintos (... e ...) e com horários distintos, precisando de conduzir para ir buscar os filhos e evitar que os mesmos fiquem sozinhos à sua espera.
· O arguido nunca esteve envolvido em qualquer acidente de viação.
· A conduta do arguido é sempre pautada pelo cuidado, atenção e cumprimento das normas de segurança estradal.
G. Ora, tal como consta da douta decisão recorrida, o arguido arrolou três testemunhas, as quais sempre poderiam ter comprovado os factos por si alegados, contudo, fazendo tábua rasa do seu direito de defesa, e sem estar munido de todos os elementos que lhe permitissem apreciar toda a factualidade relevante para a boa decisão da causa, o Douto Tribunal propôs que a decisão fosse realizada por mero despacho, criando, assim, no arguido, a convicção de que estaria apto a pronunciar-se sobre todos os aludidos factos, o que se verifica agora não ter sucedido.
H. Tal decisão violou o direito de defesa do arguido, bem sabendo que a sua aplicação sem o devido apuramento dos factos se afiguraria altamente prejudicial para o arguido e a sua família.
I. Sem prescindir, sempre se dirá que, a apreciação feita pelo Douto tribunal a quo relativamente ao vício de falta de fundamentação da decisão administrativa é merecedora de censura.
J. O carácter definitivo de uma medida de cassação de título de condução, com os reflexos que tal acarreta na vida de um cidadão, não se compadece com “o carácter simplificado” ou “menor solenidade” mencionado na decisão recorrenda.
K. Pese embora esteja em causa um processo de natureza contraordenacional, impunha-se à entidade administrativa respeitar os requisitos legais do art.º 283 do C.P.P..
L. Qualquer decisão administrativa, incluindo quando proferida no âmbito de um procedimento contraordenacional, deve ser devidamente fundamentada mediante a enunciação concreta de factos susceptíveis de integrar os normativos alegadamente violados.
M. Na senda do disposto no n.º 1 do art.º 181.º do Código da Estrada e no art.º 58.º do RGCO, a decisão condenatória deve conter a descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão e a indicação das normas violadas.
N. Sucede que, no caso concreto, a decisão administrativa impugnada não indicou quaisquer meios de prova utilizados, nem explicitou as razões pelas quais se atribuiu valor probatório aos mesmos, nem sequer deu conta dos fundamentos, quer de facto, quer de direito, que conduziram à aplicação da medida de cassação.
O. Embora de forma menos intensa, o conteúdo da decisão sancionatória da autoridade administrativa no âmbito do processo de contraordenação aproxima-se da matriz da decisão condenatória em processo penal, nomeadamente no que concerne à enunciação dos factos provados, com indicação expressa das provas obtidas.
P. Daqui resulta que a autoridade administrativa, ao aplicar uma decisão definitiva de cassação, goza das mesmas prorrogativas e está submetida aos mesmos deveres da entidade judicial competente para o processo criminal, pelo que está sujeita ao dever de fundamentação da decisão enquanto pressuposto essencial de garantia de defesa dos respectivos destinatários.
Q. Ora, ao abrigo do n.º 13 do art.º 148.º do Código da Estrada, em conjugação com o art.º 132.º do Código da Estrada, segundo o qual as contraordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações, é subsidiariamente aplicável in casu o regime do ilícito de mera contraordenação social e, por sua, vez, as normas do Código Penal e do Código de Processo Penal, nos termos dos art.ºs 32.º e 41.º do RGCO.
R. De acordo com a lei processual aplicável ao presente caso, a omissão de fundamentação da decisão administrativa deve ser equiparada à falta de fundamentação de sentença, o que configura uma nulidade, nos termos do art.º 379.º do C.P.P.,
S. Sendo nula a decisão administrativa que não contenha a enumeração dos factos provados e não provados, a exposição dos motivos de facto e de Direito que fundamentam a decisão e a indicação das provas que serviram para formar a sua convicção.
T. A decisão administrativa impugnada é omissa quanto a factos essenciais à defesa do impugnante, concretamente aqueles que, alegadamente, delimitam o elemento subjectivo, sendo que a mesma nem sequer indica os meios de prova que foram tidos em consideração!
U. A autoridade administrativa limitou-se a transcrever, de forma muito parca e insuficiente, um excerto de um processo de contraordenação que nada influencia o desfecho dos presentes autos, e a mencionar que o impugnante foi condenado por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez no âmbito de um processo crime, sem, jamais, indicar em que elementos se baseou e como coligiu a informação que serviu de suporte à sua decisão,
V. O que é tanto mais relevante quando a medida aplicada ao impugnante não assenta numa actuação objectiva, mas em conceitos indeterminados, que necessitam de ser adequadamente preenchidos com factos concretos, sob pena de inviabilização do acesso a uma defesa cabal, justa e equitativa.
W. O arrazoado de transcrições e remissões efectuado pela autoridade administrativa não tem qualquer valor probatório.
X. Os pressupostos de aplicação da medida de cassação de carta são vários e a sua verificação tem de ser minuciosa e adequadamente demonstrada e fundamentada, deveres estes que a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária não cumpriu, sendo notória a massificação e automatismo dos seus procedimentos, que se socorrem de fórmulas abstractas, vagas e incaracterísticas e estão pejados de erros técnico-jurídicos inaceitáveis e geradores da nulidade de todo o processo, tal como é o caso da decisão sub iudice.
Y. A decisão que se quer em crise constitui indubitavelmente uma mera descrição “formatada” e ininteligível que não satisfaz minimamente os objectivos e os propósitos que o legislador pretendeu alcançar em matéria de contraordenações rodoviárias, sendo perceptível que se limitou a substituir uma verdadeira descrição dos factos por meras fórmulas-tipo e pela pura e simples remissão para uma qualquer norma, impossibilitando a respectiva compreensão por um leitor/intérprete não qualificado, diante de expressões excessivamente técnicas e complexas, que contribuiu decisivamente para uma interpretação errónea do seu teor.
Z. O impugnante nos presentes autos contraordenacionais é alheio à ininteligibilidade dos mesmos.
AA. A autoridade administrativa, ao não cumprir o dever de fundamentação a que se encontra vinculada, não apresentando quaisquer elementos de facto ou de Direito para aplicar a medida de cassação ao impugnante, agrediu o direito de defesa e exercício do contraditório daquele, direito este que assume tal relevância no
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