Acórdão nº 1103/22.6T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-11-23

Ano2023
Número Acordão1103/22.6T8FAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1103/22.6T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
*****
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. SOCONLAR – DESMANTELAMENTO DE VEÍCULOS EM FIM DE VIDA E RECICLAGEM DE RESÍDUOS PERIGOSOS E NÃO PERIGOSOS, LDA., NIPC 504866877, FARMETAIS, LDA., NIPC 509764975, ROGÉRIO & EMANUEL – COMÉRCIO AUTOMÓVEIS, LDA., NIPC 503847704, FILÁGUEDA, LDA., NIPC 503689637, RECIGARVE – GESTÃO DE RESÍDUOS, UNIPESSOAL, LDA., NIPC 505881837, ALGARMÁQUINAS – COMÉRCIO DE MÁQUINAS E SUCATAS, UNIPESSOAL, LDA., NIPC 507022122, RECYCLING AKTIV – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E RECICLAGEM DE RESÍDUOS, LDA., NIPC 510862330, AUTO-PEÇUSA – COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS E PEÇAS USADAS, LDA., NIPC 502682442, PLASFARO – RECUPERAÇÃO DE PLÁSTICOS, UNIPESSOAL, LDA., NIPC 501814302, AZIMUTEMBAL – GESTÃO DE RESÍDUOS UNIPESSOAL, LDA., NIPC 513897356, FINALIZESCOLHA GESTÃO DE RESÍDUOS, LDA., NIPC 513410180, RECISSEQUEIRA – GESTÃO DE RESÍDUOS, LDA., NIPC 510708226, AMBIMARTO – GESTÃO DE RESÍDUOS, LDA., NIPC 513949500, ACTIVEDIDACTIC UNIPESSOAL, LDA., NIPC 513036318, JORGE OLIVEIRA – RECICLAGEM, LDA., NIPC 508730546, R&P – TRATAMENTO DE RESÍDUOS, LDA., NIPC 509884750, R.V.O. – RECICLAGEM – VALORIZAÇÃO OUTEIRENSE, LDA., NIPC 507534409, RECYCLOTINTO, LDA., NIPC 513388648, SUCATAS LOPES – COMÉRCIO DE SUCATAS, LDA., NIPC 505140896, e VIOLETASAFIRA – UNIPESSOAL, LDA., NIPC 510296858, intentaram a presente ação declarativa com a forma de processo comum, contra o ESTADO PORTUGUÊS e contra a APA – AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, I.P., pedindo que os réus sejam condenados a reconhecer e seja proferida decisão que:
«a) Declare a inconstitucionalidade do disposto no art. 10, nº 3, a contrario, e o art. 117, 1, u) e bb) e 2, c) e p) até x), do Regime Geral de Gestão de Resíduos (RGGR) aprovado pelo anexo i do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, e os arts. 59, 4, g), e 65, 2) do regime jurídico da gestão dos seguintes fluxos específicos de resíduos (Decreto-Lei n.º 152-D/2017), por violação dos arts. 61, nº 1, 62, 83 e do n.º 3 do art. 86 da Constituição Portuguesa, por violar a proibição do confisco e os princípios da economia de mercado e da livre concorrência, de modo arbitrário;
b) Declare a ilegalidade das suprarreferidas normas bem como a ilegalidade das normas da Portaria n.º 20/2022, de 5 de janeiro, por violação do disposto nos arts. 61, nº 1, 62, 83, nºs 1 e 3, 86 da Constituição da República e dos arts. 106, 107 e 108 do Tratado de Funcionamento da União Europeia;
c) Autorize os autores a receber, transportar, depositar nos centro de recolha autorizados, triar e comercializar os resíduos urbanos (que se enquadrem na classificação dos subcapítulos dos códigos LER 1510 e 20, como eletrodomésticos, metais, vidros e plásticos) de qualquer particular, independentemente do volume diário que produza, podendo para o efeito emitir as guias de transporte e-GAR correspondentes e preencher os mapas e registos de resíduos legalmente exigíveis, no âmbito da sua atividade de operadores de resíduos, conforme aos respetivos títulos.»
Em fundamento da sua pretensão, as Autoras alegaram, em síntese, que são sociedades comerciais que têm por objeto a atividade de gestão de resíduos e que requereram e obtiveram da Autoridade Nacional dos Resíduos, títulos de operadores de resíduos, designados Títulos Únicos Ambientais (TUA), sendo operadores intermédios de resíduos, que fazem a recolha, triagem e desmantelamento (no caso de veículos e de equipamentos elétricos e eletrónicos em fim de vida), recebendo-os dos detentores e entregando-os de modo organizado e separado nos operadores transformadores.
As AA. restringem o objeto da presente ação às categorias de resíduos detidos por particulares, na parte em que compreendem metais, eletrodomésticos, equipamentos elétricos e eletrónicos e pilhas, incluídos nos códigos, que especificaram, da Lista Europeia de Resíduos (LER) anexa à Decisão n.º 2000/532/CE, da Comissão, de 3 de maio de 2000.
Todas as AA. têm autorização de receção de resíduos urbanos e equiparados (resíduos domésticos, do comércio, da indústria e dos serviços), incluindo as frações recolhidas seletivamente.
Através de atividades de processamento, as AA. separam e selecionam os diversos componentes dos resíduos, que são posteriormente comercializados para a indústria de reciclagem e transformação, consoante a aptidão e o aproveitamento tecnológico aplicável, pagando aos produtores de resíduos pela receção de resíduos aproveitáveis, sobretudo eletrodomésticos, equipamentos elétricos ou metálicos, e comercializando esses resíduos, já selecionados, junto da indústria.
A receção, transporte e saída dos resíduos, incluindo dos metais, é também regulada pelo regime geral da gestão de resíduos (doravante abreviadamente “RGGR”) e pelo regime da gestão de fluxos específicos de resíduos (doravante abreviadamente “RGFER”), aprovados respetivamente pelos Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, e Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, diplomas que, nas suas versões originais, permitiam-lhes que recebessem e transportassem resíduos (desde que não se tratassem de resíduos abrangidos pelos sistemas de recolha municipais) entregues por particulares, (considerados estes como qualquer pessoa que não exerce atividade comercial ou industrial e que não tem fins lucrativos).
Sucede que, com as alterações introduzidas ao RGGR e ao RGFER, pelos Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, Decreto-Lei n.º 119-A/2021, de 22 de dezembro e pela Lei n.º 52/2021, de 10 de agosto, com Declaração de Retificação n.º 3/2021, de 21 de janeiro, e, por força da alteração do disposto no artigo 10, n.ºs 2 e 3, do RGGR, apenas podem recolher, atualmente, resíduos domésticos provenientes de um estabelecimento que produza pelo menos 1100 litros de resíduos por dia, ou de outros estabelecimentos comerciais em casos específicos, e todos os restantes resíduos detidos por particulares têm de ser entregues nos pontos de recolha dos municípios, de operadores escolhidos por estes ou de entidades gestoras.
A nova redação do artigo 59.º, n.º 4, al. g), assim como o também alterado artigo 65.º, n.º 2 do RGFER (Decreto-Lei n.º 152-D/2017) veio proibir a receção de resíduos provenientes de utilizadores particulares por operadores de tratamento de resíduos, como as AA., pelo que, os particulares não podem atualmente entregar resíduos às AA., sendo a violação daquelas proibições cominada como contraordenação pelo artigo 117.º, n.º 1, alíneas u) e bb) e n.º 2, alíneas c) e p) até x), do RGGR.
Mais invocam que, com as restrições impostas pelo RGGR aprovado pelo anexo I do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro e pelo Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos, aprovado pela Portaria n.º 241-B/2019, as AA. ficaram proibidas de exercer a sua atividade habitual, porquanto os particulares têm de entregar gratuitamente todos os resíduos a sistemas municipais de recolha ou a entidades gestoras de resíduos.
Concluem as AA. que a proibição de receberem resíduos de particulares é completamente arbitrária e não tem racionalidade económica legítima, tanto assim que, ao invés da legislação portuguesa, que proíbe tal atividade pelos privados, as Diretivas 94/62/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 1994, 1999/31/CE, do Conselho, de 26 de abril de 1999, 2000/53/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de setembro, 2006/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de setembro de 2006, 2012/19/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012 e 2008/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008 não impõem qualquer restrição à entrega de resíduos por particulares a operadores de resíduos autorizados.
Consideram as AA. que o RGGR aprovado pelo anexo i do Decreto-Lei n.º 102-D/2020 vai para além das diretivas que deveria ter transposto, em especial, na imposição de um processamento municipalizado e por empresa concessionária, como resulta do ponto 7 do preâmbulo da Diretiva 2018/851, o que as AA. entendem ser uma discriminação dos pequenos produtores, violadora do disposto no artigo 11.º, al. b) da Lei de Bases do Ambiente (aprovada pela Lei n.º 19/2014, de 14 de Abril).
No plano constitucional, alegam as AA. que o n.º 3 do artigo 86.º da Constituição da República Portuguesa (doravante abreviadamente “CRP”) estabelece que “a lei pode definir sectores básicos nos quais seja vedada a atividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza”. Efetivamente, a Lei n.º 88-A/97, de 25/07, reserva a recolha e tratamento de resíduos urbanos a serviços municipais, exceto se concessionados a privados, e, nos termos do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20/08, aos serviços municipais é conferida exclusividade territorial (artigos 2.º, n.º 1, al. c) e 4.º, n.º 1). Todavia, aos sistemas municipais não pertence o exclusivo da recolha de resíduos que se enquadrem na classificação dos subcapítulos dos códigos LER 1510 e 201 (artigo 11.º, n.º 1, do RGGR) salvo se forem produzidos nas habitações (artigo 10.º, n.º 2 do mesmo diploma).
Consideram as AA. que o artigo 10.º do RGGR cria um sistema pelo qual os produtores de unidades comerciais (que produzem mais de 1100 litros por dia, ou outros em casos especiais) podem escolher o destino dos seus resíduos, entregando-os, por exemplo, às AA., enquanto que o n.º 2 do mesmo artigo do RGGR proíbe que os particulares destinem às AA. os resíduos objeto da presente ação – como pilhas, metais e equipamentos – mesmo que sejam produzidos fora das habitações.
Alegam ainda as AA., que as proibições de entrega, receção, comercialização e transporte de resíduos são proibições de exploração económica e correspondem a confisco de bens privados, sem justificação ambiental alguma, tanto mais que a própria lei que estabelece a proibição reconhece às AA. a
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