Acórdão nº 1005/21.3GEALM-C.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 21-03-2024

Data de Julgamento21 Março 2024
Ano2024
Número Acordão1005/21.3GEALM-C.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.RELATÓRIO


1.No âmbito do processo supra identificado, por despacho de 23 de Novembro de 2023, foi decidido não haver lugar à aplicação do perdão previsto na Lei nº 38-A/2023, de 02-08, à pena única de 15 anos de prisão que aí havia sido aplicada ao arguido AA (identificado nos autos).

O arguido, nascido em .../.../1994, havia sido condenado (por acórdão de 12/01/2023) pela prática, em 25/12/2021, de um crime de homicídio (art. 131º do Código Penal), agravado nos termos do art. 86º, nº 3, do RJAM, na pena de 14 anos e 6 meses de prisão, e de um crime de detenção de arma proibida (arts. 3º, nº 1 e nº 4, al. a), 6º, nº 1, todos do RJAM), na pena de 2 anos de prisão (a pena única, como já referido, foi fixada em 15 anos de prisão).

O arguido havia requerido (requerimento de 18/10/2023) a aplicação do perdão (de 1 ano de prisão), por referência ao mencionado crime de detenção de arma proibida (por ser crime não excluído do perdão e a pena [parcelar] ser inferior a 8 anos de prisão).

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão para o Tribunal da Relação, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):

EM CONCLUSÃO:
a)-O presente recurso emerge da discordância em relação ao despacho tirado nos autos em 23.11.2023, com a referência nº 430572641 por meio do qual o tribunal a quo indeferiu o pedido que formulou, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, 3º e 7º, a contrario sensu, da Lei nº 38-A/2023, de 02.08.2023, no sentido de lhe ser declarado perdoado 1 (um) ano de prisão na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão em que foi condenado nos autos pela pratica, em 25.12.2021, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), por referência aos artigos 3.º, n.º 1 e n.º 4, alínea a), 6.º, n.º 1, todos do RJAM.
b)-O recorrente encontra-se condenado na pena de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática em autoria de um crime p. e p. artº 131º do Código Penal, agravado nos termos do artº 86º, nº 3 do RJAM e, ainda, na pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática em autoria de um crime p. e p. artº 86º nº 1, al. c), por referência aos artºs 3º, nº 1 e 4, al. a) e 6º, nº 1, todos do RJAM, em cúmulo jurídico daquelas na pena de 15 (quinze) anos de prisão, por factos de 25.12.2021.
c)- No despacho em crise o tribunal a quo considerou que o crime de detenção de arma proibida é susceptível de perdão (artigo 7.º, n.º 1, f), e vi), a contrario)”,
d)- não obstante afastou a possibilidade de aplicação do perdão em causa por considerar que ao estabelecer expressamente que, em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única (artigo 3.º, n.º 4, da citada lei), o legislador quis expressamente excluir do perdão as penas superiores a oito anos, quer se trate de uma só pena aplicada por um só crime, quer se trate de uma pena unitária resultante de cúmulo jurídico (inicial ou superveniente) de várias penas parcelares”, indeferindo o requerido com esses fundamento legal.
e)-Se é certo, segundo o disposto no nº 1 do artº 3º da referida Lei, que o perdão ali previsto não é aplicável a pena parcelar de 14 anos e 6 meses de prisão em que o recorrente foi condenado pela prática do crime de homicídio simples, por ser superior a 8 anos de prisão (nº1 do artº 3º), por um lado, e constituir excepção expressamente prevista na al. a) do nº 1 do artº 7º, por outro,
f)-não é menos certo que o mesmo perdão é aplicável à pena parcelar de 2 anos de prisão em que o mesmo foi condenado pela prática em autoria de um crime p. e p. artº 86º nº 1, al. c), por referência aos artºs 3º, nº 1 e 4, al. a) e 6º, nº 1, todos do RJAM, que não consta das excepções referidas no artº 7º daquele diploma legal.
g)-Destarte, a melhor interpretação do quadro legal aplicável na Lei 38-A/2023, de 28.08, impõe que se aplique o perdão em causa a esta última pena parcelar e se refaça o cúmulo jurídico das penas parcelares que resultem de tal aplicação.
h)-Pois, tal é o que resulta da melhor interpretação e aplicação do disposto da Lei 38-A/2023 de 02.08, mormente dos nºs 1 e 3 do seu artº 3º e artº 7º a contrario, coisa que o tribunal a quo não fez.
i)-Sendo certo que diferente interpretação da norma do nº 1 e 3 do artº 3º da Lei 38-A/2023, de 02.08, é contrária ao princípio constitucional da igualdade, consagrado no artº 13º da Constituição da república Portuguesa, que é preceito de aplicação imediata, visto o disposto no artº 18º, nº 1 da mesma Lei Fundamental.
j)-Em face do exposto o despacho em crise deve ser revogado e substituído por outro que declare perdoado 1 (um) ano de prisão na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão em que o recorrente foi condenado nos autos pela prática de um crime p. e p. artº 86º nº 1, al. c), por referência aos artºs 3º, nº 1 e 4, al. a) e 6º, nº 1, todos do RJAM, com as legais consequências.
Assim é de J U S T I Ç A!
* * *

O despacho recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições legais supra citadas.”.

3.Admitido o recurso, foi apresentada resposta pelo Ministério Público, na qual pugnou pela manutenção da decisão recorrida, extraindo as seguintes conclusões (transcrição):

CONCLUSÕES:
A)-Como se verifica da leitura do artigo 3.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, em clara contrariedade ao pretendido pelo recorrente, o legislador estabeleceu expressamente que o perdão deverá incidir sobre a pena única, e não sobre as parcelares.
B)-Como bem se refere no douto despacho recorrido: o legislador quis expressamente excluir do perdão as penas superiores a oito anos, quer se trate de uma só pena aplicada por um só crime, quer se trate de uma pena unitária resultante de cúmulo jurídico (inicial ou superveniente) de várias penas parcelares.
C)-Na base desta limitação está a intenção do legislador de excluir do âmbito de aplicação desta Lei a criminalidade muito grave, como é o caso de penas únicas globais superiores a 8 (oito) anos.
D)-A não ser assim, estaríamos perante uma visão atomística de uma pluralidade de crimes, em manifesta contrariedade ao sistema consagrado no artigo 77.º e 78.º do Código Penal, em que se institui a pena única como resultado da unidade relacional de ilícito e de culpa em face dos vários crimes praticados.
E)-Ao contrário do que sustenta o recorrente, não se vislumbra em que medida tal solução contende com o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República (sendo certo que o recorrente também não desenvolve tal argumento), já que todas as penas de prisão superiores a 8 (oito) anos se encontram identicamente excluídas do âmbito de aplicação deste perdão.
F)-Assim e salvo melhor entendimento, não merece qualquer censura ou reparo o despacho recorrido, devendo pois ser mantido na íntegra.
Assim se fazendo a acostumada Justiça.”.

4.Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso em apreço deve ser julgado improcedente.

5.Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, não foi apresentada qualquer resposta.

6.Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

7.Nada obsta ao conhecimento do recurso.
*

II.FUNDAMENTAÇÃO

1.Delimitação do objecto do recurso.
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do tribunal superior (art. 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
O essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (sendo certo que os recursos servem para apreciar questões e não razões e não visam criar decisões sobre matéria nova), excetuadas as questões de conhecimento oficioso.
As questões de conhecimento oficioso prendem-se com (i) a detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19-10- 95, Proc. n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28-12-95, que fixou jurisprudência então obrigatória: É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”) e (ii) a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP.

Face às conclusões extraídas pelo Recorrente da motivação apresentada, a questão a conhecer reconduz-se a saber se beneficia ou não do perdão de 1 ano de prisão previsto na Lei nº 38-A/2023, de 02-08, o arguido que foi condenado numa pena única de 15 anos de prisão (por referência a uma pena parcelar inferior a 8 anos de prisão e cujo crime não está excluído do perdão, verificando-se os demais requisitos legais de aplicação da mencionada Lei).

2.A decisão recorrida.

É o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição):

Requerimento de 18-10-2023
Apreciando:
AA, nascido a ...-...-1994, foi condenado na pena única pena unitária de 15 (quinze) anos, pela prática, em 25-12-2021, de factos integrantes de:
- Um crime de homicídio, previsto e punido pelo artigo 131.º do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86.º, n.º 3, do RJAM (pena parcelar de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão)
- Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), por referência aos artigos 3.º, n.º 1 e n.º 4, alínea a), 6.º, n.º 1, todos do RJAM (pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão).
Requer o arguido seja declarado
...

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