Acórdão nº 0850/17.9BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-10-12

Ano2022
Número Acordão0850/17.9BELRS
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Processo n.º 850/17.9BELRS (Recurso Jurisdicional)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 26-11-2021, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A…… - SUCURSAL EM PORTUGAL” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o indeferimento da reclamação graciosa apresentada tendo em vista a autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB) referente ao ano de 2016.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença recorrida que julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que havia sido deduzida contra o ato de autoliquidação da contribuição sobre o setor bancário (CSB), relativa ao ano de 2016;

B. Considerou o douto Tribunal a quo que da aplicação do regime jurídico da CSB, nomeadamente do previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do aludido regime, resulta uma diferença de tratamento entre entidades residentes e não residentes suscetível de dificultar ou tornar menos atraente a criação de sucursais num Estado-Membro, pelas sociedades sedeadas ou estabelecidas noutro Estado-Membro, não se podendo, consequentemente, manter na ordem jurídica os atos impugnados;

C. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, entendendo que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por errónea aplicação e interpretação do regime da CSB e, bem assim, do princípio da proibição de discriminação e do princípio da liberdade de estabelecimento, previstos nos artigos 18.º e 49.º do TFUE;

D. O regime da contribuição sobre o setor bancário foi aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do orçamento do Estado para 2011), tendo sofrido, por via do artigo 185.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do orçamento do Estado para 2016, um aditamento nos termos do qual se passou a prever a incidência sobre as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português, cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º;

E. A Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, veio regulamentar e estabelecer as condições de aplicação da CSB, densificando, designadamente, os conceitos relevantes para a determinação da base de incidência, em função, quer da experiência levada a cabo por outros Estados-Membros, quer da discussão técnica que, entretanto, tem vindo a ser feita ao nível europeu em torno destas figuras tributárias;

F. No que diz respeito à incidência objetiva, o artigo 3.º do regime jurídico da CSB e, bem assim, o artigo 3.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março, na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 77/2012, de 26 de março e pela Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de junho, estabelece o seguinte:

A contribuição sobre o sector bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro, e republicado pelo Decreto-Lei n.º 142/2009, de 16 de junho;

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

G. Adicionalmente, o artigo 4.º da sobredita Portaria esclarece o que se entende por passivo, para efeitos do disposto na alínea a) do aludido artigo 3.º, considerando-se como tal “o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”, esclarecendo que se encontra excecionado do conceito de “passivo” um determinado conjunto circunscrito de realidades;

H. Estava em causa nos autos saber se a base de incidência da CSB, a que supra aludimos, discrimina e prejudica as sucursais UE face às instituições de crédito nacionais e residentes em território português, o que, a verificar-se, se mostra incompatível com o direito da União Europeia, maxime com a proibição de discriminação e da violação da liberdade de estabelecimento;

I. Não existe qualquer dúvida que o direito da união europeia é aplicável na ordem interna por força do primado da legislação comunitária sobre o direito interno, conforme resulta da consagração constitucional bem como da jurisprudência do TJUE;

J. Nos termos do Artigo 18.º do TFUENo âmbito da aplicação dos Tratados, (…), é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.” Conforme Jurisprudência assente do TJUE, o princípio da não discriminação proíbe não apenas as discriminações diretas ou ostensivas, baseadas na nacionalidade, mas também qualquer forma dissimulada de discriminação que, por aplicação de outros critérios de distinção, leve, de facto, ao mesmo resultado (acórdãos Comissão/Itália, proc. C-212/99, n.º 24, e Comissão/Itália, proc. C-224/00, n.º 15);

K. Conforme tem sido entendimento comum, o princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade apenas deve ser objecto de aplicação autónoma quando esse mesmo princípio se não encontre concretizado em disposições específicas do Tratado relativas às liberdades de circulação. E, nesse sentido, pode dizer-se que o princípio da não discriminação se realiza, designadamente, por via do direito ao estabelecimento previsto no artigo 49.º ou da livre circulação de movimentos de capitais a que se refere o artigo 63.º do Tratado (cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Coimbra, 2011, pág. 254);

L. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, entende a Fazenda Pública que não se verifica qualquer incompatibilidade entre o regime da CSB e o direito da União Europeia, designadamente com os sobreditos princípios;

M. O cálculo da base de incidência remete-nos para as normas de contabilidade aplicáveis (“A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição”);

N. De acordo com as Normas Internacionais de Relato Financeiro, uma entidade reconhece os itens como ativos, passivos, capital próprio, rendimentos e gastos (os elementos das demonstrações financeiras) quando satisfizerem as definições e os critérios de reconhecimento para esses elementos contidos na Estrutura Concetual (§28 da IAS 1). E a Estrutura Concetual para a Apresentação e Preparação de Demonstrações Financeiras (EC) define Passivo como uma obrigação presente da empresa proveniente de acontecimentos passados, da liquidação da qual se espera que resulte um ex fluxo de recursos da empresa incorporando benefícios económicos e Capital próprio como o interesse residual nos ativos da empresa depois de deduzir todos os seus passivos (§49 da EC). Acrescenta que uma característica essencial de um passivo é a de que a empresa tenha uma obrigação presente, sendo que uma obrigação é um dever ou responsabilidade para agir ou executar de certa maneira e que as obrigações podem ser legalmente impostas como consequência de um contrato vinculativo ou de requisito estatutário (§60 da EC);

O. Ao valor total do passivo apenas são expurgados elementos que o integram, de acordo com as normas de contabilidade aplicáveis. Se o valor total do passivo apurado pelos sujeitos passivos não integrar quaisquer elementos que possam ser considerados como “elementos dos fundos próprios” nenhuma importância será deduzida a esse título – quer se trate de sucursais de entidades não residentes, quer de sociedades residentes. Não se vislumbra fundamento para alegar haver discriminação de tratamento na fórmula legal para a determinação da base de incidência da CSB;

P. Note-se que o próprio legislador utiliza a seguinte expressão “O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável” (sublinhado nosso). Dali decorre que não desconhece o legislador poder haver situações em que do Passivo nada haverá a deduzir;

Q. Como se lê na norma de incidência (art.º 3.º, al. a) do RJ da CSB e art.º 3.º, al. a) da Portaria, que o reproduz, e depois art.º 4.º da Portaria), é àquele Passivo referido no art.º 3.º al. a) que depois se vão “deduzir” (dali, dele, desconsiderar) elementos que caibam em alguma das alíneas do n.º 1 do art.º 4º da Portaria. E no n.º 2 deste último ainda se esclarece que, também para efeitos do apuramento do Passivo ali referido no art.º 3.º, al. a), o valor dos fundos próprios há-de calcular-se por apelo ao normativo constante a respeito do Regulamento (UE) ali referido. E já antes (na versão inicial) assim se fazia, mas para Aviso do Banco de Portugal. Ou seja, tudo o que em Portaria o legislador elencou nas alíneas do artigo 4.º, n.º 1, não pode senão reconduzir-se...

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