Acórdão nº 03962/22.3T8VCT.G1.S1 de Tribunal dos Conflitos, 2023-11-22
Ano | 2023 |
Número Acordão | 03962/22.3T8VCT.G1.S1 |
Órgão | Tribunal dos Conflitos - (CONFLITOS) |
1. Em 27 de Novembro de 2022, AA instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo uma acção declarativa com processo comum contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P. e BB, formulando os seguintes pedidos:
“a) Condenar-se a primeira Ré a reconhecer que a Autora vivia em união de facto com o falecido CC, desde junho de 2018, até à data do seu óbito, ocorrido em ... de ... de 2020, na morada de Rua ..., cidade de ...;
b) Condenar-se ainda a mesma Ré a reconhecer à Autora o direito à pensão de sobrevivência por óbito de CC, bem assim como ao respetivo pagamento, a partir de Dezembro de 2020;
c) Condenar-se a primeira Ré ao pagamento de juros de mora, à taxa legal anual, pelos valores das pensões de sobrevivência vencidas, desde o mês seguinte ao decesso de CC até à data da entrada da presente ação, bem como pelas que se vencerem mensalmente, enquanto não regularmente pagas, até efetivo pagamento;
d) Condenar-se a segunda Ré a reconhecer que a Autora viveu em união de facto com o falecido CC, desde junho de 2018, até à data do seu óbito, ocorrido em ... de ... de 2020;
e) Serem as Rés condenadas nas custas e demais encargos com o processo.”.
Para o efeito, e em síntese, alegou ter vivido em comunhão de cama, mesa e habitação, com CC, entre 8 de Junho de 2018 e a data do falecimento deste, ocorrido em ... de ... de 2020. Pretendendo o reconhecimento de que vivia em união de facto com CC, à data do falecimento deste e há mais de dois anos, reclamou o direito à pensão de sobrevivência.
Por despacho de 19 de Dezembro de 2022, o Tribunal Judicial da Comarca de Viana de Castelo – Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo – Juiz 2, atribuindo a competência à jurisdição administrativa, julgou-se absolutamente incompetente em razão da matéria para conhecer da acção e absolveu as rés da instância.
Inconformada, a autora apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães, em 18 de Janeiro de 2023.
Por despacho de 23 de Janeiro de 2023, o Tribunal Judicial da Comarca de Viana de Castelo – Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo – Juiz 2 admitiu o recurso e determinou a citação das rés, tanto para os termos do recurso como para os da causa, nos termos do n.º 7 do artigo 641.º do Código de Processo Civil.
Em 15 de Fevereiro de 2023, a ré Caixa Geral de Aposentações contestou. Por entre o mais, sustentou que cabia ao Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo a competência para o conhecimento da causa.
O Ministério Público junto do Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo respondeu ao recurso, pronunciando-se pela sua improcedência. Sustentou, em síntese, que, atenta a natureza pública da entidade processadora da pensão de sobrevivência, a competência pertencia à jurisdição administrativa.
Também contestou a ré BB, excepcionando a litispendência e impugnando os factos; e deduziu pedido reconvencional, requerendo, ainda, a intervenção principal provocada da Caixa Geral de Aposentações, I.P., na qualidade de reconvinda no pedido reconvencional.
Por acórdão de 20 de Abril de 2023, o Tribunal da Relação de Guimarães negou provimento à apelação, confirmando a decisão recorrida e reafirmando “a incompetência absoluta, em razão da matéria, do Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo para conhecer e decidir do peticionado pela autora no âmbito da presente ação, por estarmos efetivamente perante uma ação que visa o reconhecimento do direito da autora a prestação social consagrada na referida Lei n.º 7/2001, de 11-05 para a qual são materialmente competentes os Tribunais Administrativos, à luz da als. a), e c) do n.º 1 do artigo 4° do ETAF.”.
2. A autora recorreu para o Tribunal dos Conflitos, nos termos do n.º 2 do artigo 101.º do Código de Processo Civil, para efeitos de determinação do Tribunal competente em razão da matéria.
Nas alegações que apresentou, formulou as conclusões seguintes:
«Ia - São os Tribunais Comuns, e não os Tribunais Administrativos, os competentes para efeito de intentar a ação para reconhecimento do direito a prestações sociais por morte do beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, com vista a que se se apurem factos reveladores de uma situação de união de facto que perdure há mais de dois anos à data do óbito do beneficiário;
2.ª - Como decorre de jurisprudência recente do STJ - Ac. de 12/01/2022, m CJ, STJ, Ano XXX, tomo I/2022, pg. 289, em que foi Relator o Sr. Juiz Conselheiro, Abrantes Geraldes,
3a - No caso, é competente o Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo - Juízo de Família e Menores;
4a - E o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães sempre violou, assim, o artigo l22°, n° 1, al. g), da LOSJ.
Termos em que, dirimindo o conflito da competência do tribunal em razão da matéria, determinando que, no caso que nos ocupa, são competentes os Tribunais de Família e Menores, in casu, o Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo -Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo, será feita JUSTIÇA!»
Não houve contra-alegações.
Por despacho de 7 de Julho de 2023, foi admitido o recurso e determinada a subida dos autos ao Tribunal dos Conflitos.
Remetidos os autos ao Tribunal dos Conflitos, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou que fossem autuados como recurso.
Os factos relevantes para a respectiva apreciação constam do relatório.
3. Está pois em causa, apenas, determinar quais são os tribunais competentes para apreciar os pedidos da autora, se os tribunais judiciais – que, no conjunto do sistema judiciário, têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição, n.º 1 do artigo 40º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e artigo 64.º do Código de Processo Civil) – , se os tribunais administrativos e fiscais, cuja jurisdição é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Os tribunais administrativos «são os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo «reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição» [ver AC TC nº508/94, de 14.07.94, in Processo nº777/92; e AC TC nº347/97, de 29.04.97, in Processo nº139/95]” – acórdão do Tribunal dos Conflitos de 8 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 020/18.
Esta forma de delimitação recíproca obriga a começar por verificar se a presente acção tem por objecto um pedido de resolução de um litígio “emergente” de “relações jurídicas administrativas e fiscais” (n.º 2 do artigo 212º da Constituição, n.º 1 do artigo 1.º e artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
Como escreve Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 18.ª ed., Coimbra, 2020, pág. 52-53, o legislador deveria esclarecer o que se entende como “relação jurídica administrativa”, nomeadamente para ser possível saber, com segurança, como delimitar o âmbito da jurisdição administrativa: “De facto, face à complexidade actual das relações entre o direito público e o direito privado no âmbito da actividade administrativa, a questão (…) transformou-se numa decisão, numa opção política entre soluções igualmente defensáveis” (nota 68).
«Mas, na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração. (…)
A determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela...
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