Acórdão nº 03880/21.2T8VFR.S1 de Tribunal dos Conflitos, 2022-04-19

Data de Julgamento19 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão03880/21.2T8VFR.S1
ÓrgãoTribunal dos Conflitos - (CONFLITOS)
Acordam, no Tribunal dos Conflitos:

1. Em 28 de Setembro de 2021, AA, residente no ..., requereu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, contra o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, EPE (sendo contrainteressado BB), uma providência cautelar, pedindo que fosse decretada:
«A. suspensão da deliberação do conselho de administração datada de 14/07/2021 relativa à nomeação do aqui contrainteressado.
B. impossibilidade em celebrar o contrato de comissão de serviços com o aqui contrainteressado.»
Alegou, em suma, que o contrainteressado foi nomeado para o cargo de diretor de serviço, em regime de comissão de serviço, pela deliberação do Conselho de Administração do requerido de 14 de Julho de 2021; mas que essa deliberação padece de “diversos vícios conducentes a ilegalidades, conducentes à respectiva nulidade ou anulação”, designadamente falta de fundamentação, violação do direito de audiência de interessados, prevista no art. 121.º do CPA, violação de lei, por “falta de pressupostos legais para o provimento do cargo” e “violação de princípios constitucionais de igualdade e imparcialidade da administração”, legalidade, boa-fé e transparência.
O Centro Hospitalar Entre o Douro e Vouga, EPE, deduziu oposição, sustentando a falta de pressupostos da providência requerida
Por decisão de 2 de Dezembro de 2021, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou-se incompetente em razão da matéria, por estarem em causa “relações jurídicas laborais estabelecidas mediante instrumentos que expressamente se designaram de ‘contratos de trabalho’ (… ou ‘contrato individual de trabalho’ “, regulados pelo Código do Trabalho, privadas, “as quais, por sua vez, subjazem ao concurso de recrutamento aqui submetido a litígio”; “o próprio concurso de recrutamento dirige-se à formação de uma relação contratual disciplinada pelo Código do Trabalho (…)”.

Concluiu, portanto, que a competência para o seu conhecimento cabe aos tribunais judiciais, nos termos do art. 4.º, n.º 4, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Em 16 de Dezembro de 2021, a autora requereu a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira, o que veio a ser determinado por despacho de 17 de Dezembro de 2021.
Por despacho de 17 de Janeiro de 2022, o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juiz do Trabalho de Santa Maria da Feira – Juiz 1, referindo que a requerente “se conformou com a decisão proferida pelo TAF de Aveiro, em virtude da urgência da situação, não obstante considere ser a jurisdição administrativa a competente “, julgou-se materialmente incompetente para conhecer do litígio e absolveu o requerido da instância.
Para tanto considerou, em suma, que o objeto da lide “não são os vínculos contratuais que unem a requerente e o contrainteressado ao requerido, mas antes o procedimento (concurso) de recrutamento levado a cabo pelo requerido para a contratação de um diretor de serviço de gastrenterologia”, ou seja, “um momento prévio à constituição do vínculo laboral”.
Acrescentou que o acto administrativo impugnado é a deliberação de 14 de Julho de 2021 do Conselho de Administração do requerido, não estando em causa qualquer litígio que decorra de um contrato de trabalho, e que “a acção administrativa principal a que os presentes autos de procedimento cautelar respeita, encontra-se pendente no TAF de Aveiro (…)”.
O requerido pronunciou-se no sentido de a competência pertencer à “jurisdição administrativa”.
Por despacho de 15 de Fevereiro de 2022 do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juiz do Trabalho de Santa Maria da Feira – Juiz 1, foi determinada a remessa dos autos ao Tribunal dos Conflitos.
Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça para resolução do conflito negativo de jurisdição, foi determinado pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que se seguisse a tramitação prevista na Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro (Tribunal dos Conflitos).
Nos termos do n.º 4 do respectivo artigo 11.º, o Ministério Público proferiu parecer, no sentido de a competência caber ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, por estar em causa a impugnação do “procedimento concursal”.

2. Os factos relevantes para a decisão do conflito constam do relatório.
Está apenas em causa determinar quais são os tribunais competentes para apreciar a providência cautelar requerida, se os tribunais judiciais – nos quais se integram os tribunais do trabalho e que, no conjunto do sistema judiciário, têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição e n.º 1 do artigo 40º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) –, se os tribunais administrativos e fiscais, cuja jurisdição é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Esta forma de delimitação recíproca obriga a começar por verificar se a presente providência tem por objecto um pedido de resolução de um litígio “emergente” de “relações jurídicas administrativas e fiscais” (nº 2 do artigo 212º da Constituição, nº 1 do artigo 1º e artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), sendo certo que, segundo a al. b) do nº 1 deste artigo 4º, cabe “aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal” julgar os litígios relativos aos actos da Administração Pública praticados “ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal”.
Tem especial relevo o n.º 4 deste artigo 4.º, cuja al. b) exclui da competência dos tribunais administrativos “a apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público”, “com excepção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público”, excepção introduzida como al. d) do n.º 3 do artigo 4.º pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, e que está em consonância com a atribuição aos tribunais administrativos e fiscais da competência para apreciar “os litígios emergentes do vínculo de emprego público”, resultante do artigo 12.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.
Trata-se de uma...

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