Acórdão nº 01214/11.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-04-27

Data de Julgamento27 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão01214/11.3BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada procedente a acção administrativa especial com vista à impugnação da decisão de indeferimento do pedido de dissolução oficiosa de sociedade, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«a) A douta sentença recorrida padece de vício de nulidade – alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil – por omissão de pronúncia.
b) No caso concreto, a apontada omissão é consubstanciada no facto de a prolação do Tribunal apenas ter incidido sobre o mérito do pedido formulado pelo Autor, olvidando, por completo, a análise das razões e argumentos apresentados em sede de contestação como forma de obviar à procedência do pedido formulado.
c) Ao omitir, como omitiu, pronúncia sobre as razões jurídicas avançadas pelo demandado como forma de obviar à procedência do pedido, verifica-se a aludida nulidade, por violação do preceituado no n.º 1 do artigo 95º do CPTA e ainda do n.º 2 do artigo 660º do Código de Processo Civil, isto pela não observância do dever que incumbe ao juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
d) Caso assim não se entenda, algo que só hipoteticamente e sem conceder aqui se configura, a douta sentença de fls., será sempre anulável por deficiente valoração da prova produzida e errada aplicação da norma do artigo 83º do CPPT.
e) Na concreta situação dos autos, o Autor, ora recorrido, sendo titular de um direito, ou seja, de enquanto sócio de uma sociedade promover, junta da conservatória competente, a instauração de procedimento tendente à dissolução e liquidação da mesma – nos termos do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 209 de Março – veio pedir a condenação da administração fiscal a fazê-lo.
f) A douta sentença de fls., dá por assente – cf. ponto 1. da matéria de facto – que o autor, ora recorrido, é, conjuntamente com outro, sócio da sociedade “BO---, Lda”.
g) Resultou igualmente provado que a sociedade apenas cumpre as suas obrigações declarativas em sede de IVA, não resultando (das declarações) o registo de qualquer operação activa ou passiva e que (ponto 6 do probatório) a sociedade “Desde 2002 que está em situação de inactividade”.
h) Não obstante, o Tribunal sancionou o comportamento negligente dos gerentes/sócios da sociedade e condenou a Administração Tributária a praticar um acto que aquele/aqueles se recusam/recusaram a fazer durante anos de inactividade da sociedade, ou seja promover a sua dissolução.
i) É um facto que a Administração, em face do disposto no artigo 83º do CPPT, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, detêm o poder/dever de promover junto dos competentes serviços a instauração de procedimento tendente à dissolução e liquidação de entidades comerciais.
j) No entanto e pese embora os indícios recolhidos das declarações de rendimentos apontem no sentido de a sociedade não exercer qualquer actividade, nunca os sócios/gerentes comunicaram à administração tributária a cessação de actividade, algo que, conjugado com o facto de a sociedade ter cumprido as suas obrigações declarativas em sede de IVA, pode ser indicativo de que existe um interesse real, pelo menos por parte de algum dos sócios, em “manter” a sociedade.
k) Acresce que o Autor, ora recorrido, “confessa” a sua falta de entendimento com o outro sócio no que concerne à dissolução da sociedade.
l) Esta circunstância, que nos termos da douta sentença não constitui óbice a que a Administração promova a dissolução, permite que se suscitem dúvidas quanto à legitimidade o autor para formular o pedido que formulou à administração tributária.
m) Sabendo que a sociedade tem dois sócios e são ambos titulares de 50% do capital, poderá o autor formular à administração fiscal um pedido que sabe contrário à vontade do outro sócio?
n) O confessado antagonismo dos sócios permite que, no concreto caso dos autos, se torne legitima a tese de que a utilização pela administração fiscal da faculdade prevista no artigo 83.º do CPPT se deve orientar por critérios de interesse público subjacentes à actividade que desenvolve e não casuisticamente ou como forma de ultrapassar diferendos societários.
o) É ainda de acrescentar que o procedimento de dissolução de sociedades comerciais se encontra regulado no Código das Sociedades Comerciais (artigos 141º a 145º).
p) Visando o pedido formulado pelo Autor à administração atingir esse desígnio, não se alcança por que razão, o mesmo não é atingido por mera manifestação de vontade dos sócios ou da sociedade, nomeadamente de acordo com o disposto nos artigos 141º, n.º 1, alínea b) ou 142º, n.º 1, alínea c) do CSC, situações em que, sem necessidade de forma especial o efeito pretendido se produziria automaticamente.
q) Refere-se ainda que, de acordo com o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, é facultado aos sócios de sociedades comerciais apresentar requerimento tendente a iniciar procedimento administrativo de dissolução, sem que, ao nível da iniciativa seja necessária a intervenção da administração fiscal.
r) Por tudo e em suma, não faz sentido a administração tributária ser condenada a praticar junto de terceiros um acto que está na esfera de iniciativa do requerente e que este se recusa a praticar.
s) Não obstante, o Tribunal sancionou a inércia do autor e condenou a administração tributária a fazer aquilo que aquele podia fazer mas não quis, algo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, é absolutamente carecido de sentido.
t) Ao decidir como decidiu, o Tribunal incorreu em erro na apreciação da matéria de facto em causa e aplicou erradamente a norma do artigo 83º, n.º 1, do CPPT.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado procedente, com legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.»

1.2. O Recorrido (NL...), notificado da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

«1ª – Não tem a mínima razão o recorrente, ao referir que o Tribunal não decidiu todas as questões pertinentes que até ele chegaram.
2ª – O Tribunal, de acordo com a prova documental – e era essa a determinante, como de resto ficou claro no despacho notificado às partes para efeitos de produção de alegações de direito, decidiu em conformidade.
3ª – Pelo contrário, o recorrente ultrapassou manifestamente tal fronteira, pretendendo trazer ao caso o direito comercial do âmbito das sociedades comerciais e procedimental inerente à dissolução das mesmas.
4ª – Esquecendo que o Código de Procedimento e de Processo Tributário, dispõe expressa e suficientemente de mecanismos pertinentes para a resolução da questão concreta que foi submetida ao Tribunal e que este, naturalmente, utilizou.
5ª – De resto, é o próprio recorrente que o reconhece na al. i), das suas alegações.
6ª – Sendo puramente especulativo o alegado na alínea j) e confunde a “legitimidade”, do recorrido com o poder-dever dele próprio (de resto cimentado no princípio do inquisitório, presente na atividade procedimental e processual tributária —cfr. artº 58º, da L.G.T.).
7ª – O Tribunal a quo, no seio da prossecução do interesse público, como expressamente emana da decisão recorrida, limitou-se a aplicar a norma objetiva e taxativa do artigo 83º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
9ª – Daí que, quando a decisão recorrida refere que o recorrente ofereceu o merecimento dos autos, apenas quis dizer que as questões privatísticas que o mesmo trouxe à colação, face à suficiência do direito e dos princípios tributários in casu, pura e simplesmente irrelevam.
10ª – Diga-se, todavia, que nos factos dados como provados – cfr. 7, a decisão alude expressamente à posição da administração, o mesmo é dizer, do recorrente.
11ª – A decisão recorrida não se encontra, pois, de modo algum, inquinada da apontada nulidade ou sofre de qualquer outro vício.
12ª – Esteve, pois, bem a decisão recorrida, nada havendo a apontar-lhe, pelo que deverá manter-se.
Termos em que deve improceder na íntegra o recurso!».

1.3. Foi notificado o Ministério Público junto deste Tribunal.

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam...

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