Acórdão nº 00713/20.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-11-03
Data de Julgamento | 03 Novembro 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 00713/20.0BEBRG |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga) |
1. RELATÓRIO
1.1. S..., S.A. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgado totalmente improcedente o recurso da decisão de aplicação de coima proferida no processo de contra-ordenação n.º 039...264, por falta de prestação do IVA apurado dentro do prazo legal, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«B.2. Conclusões
45. A Recorrente conclui pelos factos descritos e pelo Direito invocado que:
a) O facto julgado não provado (“A Recorrente apenas não pagou atempadamente a prestação do IVA aqui em causa por mera carência de tesouraria”)
46. Decorre da atividade exercida pela Recorrente, que as faturas das vendas ou prestações de serviços a clientes, tenham prazo de vencimento de 60 / 90 dias;
47. O que faz com que, na declaração periódica relativa a um determinado período, conste um valor de IVA liquidado superior ao valor de IVA efetivamente recebido pela Recorrente;
48. Foi o que aconteceu no período de janeiro de 2016 aqui subjacente, conforme demonstrado no presente recurso;
49. A maioria das faturas emitidas pela Recorrente no período em questão foram pagas depois, ou muito depois, da data limite de pagamento do IVA (10 de março de 2016);
50. A Recorrente não se locupletou indevidamente de imposto repercutido aos seus clientes em detrimento da sua entrega aos cofres do Estado;
51. A Recorrente padeceu de uma carência de tesouraria no período aqui em questão, tal como gerou noutros períodos referidos na sentença recorrida que determinaram a instauração de processos de contraordenação;
52. Esta situação não configurou qualquer vantagem competitiva relevante para a Recorrente porque, por um lado, a Recorrente não dispunha do valor do imposto cuja entrega não realizou no prazo legal previsto para o efeito e, por outro lado, a Recorrente não retira qualquer benefício ou vantagem pelo atraso na entrega do IVA ao Estado;
53. A verdade é que a Recorrente acaba sempre por entregar o imposto ao Estado, não o fazendo dentro do prazo legal previsto para o efeito relativamente aos períodos em que padece de carência de tesouraria pelo atraso que, por sua vez, verifica no recebimento do montante das faturas que emite;
54. Nestes termos, podemos concluir que deverá ser considerado como provado o facto de que a Recorrente apenas não entregou o IVA aqui em apreço no prazo legal previsto para o efeito por mera carência de tesouraria e, consequentemente, a sentença recorrida deverá ser revogada quanto a este aspeto, por erro nos pressupostos de facto;
b) A verificação dos pressupostos da aplicação de admoestação
55. O Tribunal a quo considerou não haver lugar à aplicação de admoestação porque a gravidade da infração e a culpa da Recorrente não justificam tal medida;
56. O Tribunal a quo não teve em conta os factos demonstrados anteriormente neste recurso relativamente aos pagamentos “tardios” realizados pelos clientes da Recorrente;
57. Perante a evidência de que a Recorrente recebeu mais de metade do valor das faturas emitidas no mês de janeiro de 2016 após a data limite de entrega do IVA do mesmo período, podemos concluir que a gravidade da conduta e da culpa da Recorrente é diminuta;
58. A Recorrente entregou o montante do imposto em causa logo que teve condições para o fazer e não teve intenção de prejudicar nem de se locupletar às custas do património do Estado;
59. A Recorrente, através do pagamento do imposto e acréscimos legais antes da decisão do processo de contraordenação aqui subjacente, demonstrou o reconhecimento absoluto e expresso da sua responsabilidade, não tendo praticado quaisquer atos de ocultação;
60. Deste modo, podemos concluir que o presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a esta questão, porquanto estão verificados os pressupostos para aplicação de admoestação (artigo 51º do RGCO);
c) A atenuação especial da coima
61. O Tribunal a quo considerou que, em razão da gravidade e culpa associada à conduta da Recorrente, a coima a aplicar não pode ser especialmente atenuada;
62. O Tribunal a quo considerou que estão preenchidos os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 32º do RGIT quanto à atenuação especial da coima;
63. Contudo, o Tribunal a quo entendeu, com base no pressuposto de que a Recorrente se locupletou temporariamente de um montante de imposto repercutido aos seus clientes, não dever aplicar uma coima especialmente atenuada;
64. A Recorrente não entregou o montante do IVA ao Estado dentro do prazo legal previsto para o efeito, porque, no termo desse prazo, ainda não tinha recebido mais de metade do valor da faturação do período em questão;
65. Ora, atendendo à proporcionalidade que deverá estar inerente na fixação da coima e a culpabilidade subjacente à infração, e por se encontrarem integralmente preenchidos os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 32º do RGIT, a coima aqui em apreço deverá ser especialmente atenuada;
66. Deste modo, podemos concluir que o presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a esta questão, porquanto estão verificados os pressupostos para aplicação da coima especialmente atenuada (artigo 32º, n.º 2 do RGIT).
Pedido:
Nestes termos e nos demais que V. Exa. não deixará de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve:
a) O presente recurso deve ser julgado procedente e deverá ser considerado como provado o facto de que a Recorrente apenas não entregou o IVA aqui em apreço no prazo legal previsto para o efeito por mera carência de tesouraria e, consequentemente, a sentença recorrida deverá ser revogada quanto a este aspeto, por erro nos pressupostos de facto; sem prescindir,
b) O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, porquanto estão verificados os pressupostos para aplicação de admoestação (artigo 51º do RGCO); sem prescindir,
c) O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, porquanto estão verificados os pressupostos para aplicação da coima especialmente atenuada (artigo 32º, n.º 2 do RGIT. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!»
1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 537 SITAF, no sentido da improcedência do recurso, formulando a final as seguintes conclusões que aqui se transcrevem:
«III – Conclusões:
a) - o recurso interposto pela arguida S..., S.A. deve ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se na Ordem Jurídica a douta decisão recorrida por estar conforme à lei e ao direito; e
b) - com custas processuais a cargo da arguida/recorrente [(cf. artigo 93º, n.º 3 do DL nº 433/82, de 27 outubro com as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas legais, Decreto-Lei 356/89, de 17 outubro, Decreto-Lei 244/95, de 14 setembro, e Lei 109/2001, de 24 dezembro - Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social [RGIMOS]) e artigo 513º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigos 92º, n.º 1 do RGIMOS e 3º, alínea b) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).]
É este, em suma, s.m.o., o sentido do nosso parecer.»
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, tal como resulta do disposto no artigo 72.º-A do mesmo diploma, sendo estas disposições aqui aplicáveis ex vi art. 3.º, alínea b) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
Não obstante, o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões, tal como resulta do disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ex vi artigo 74.º, n.º 4 do RGIMOS, ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT, exceto quanto aos vícios de conhecimento oficioso. Por outro lado, o objeto do recurso pode abranger a matéria de facto e de direito – cf. artigo 83.º, n.º 2, primeira parte, do RGIT, a contrario sensu.
Assim sendo, cabe a este Tribunal, decidir sobre as questões colocadas pela Arguida, aqui Recorrente, e que, se reportam ao (i) erro de julgamento de facto, ao fixar como não provado a “…a carência de tesouraria” determinante do não pagamento atempado da prestação de IVA (conclusão 46. a 54.); (ii) do erro de julgamento ao não considerar verificados os pressupostos para a aplicação da pena de admoestação prevista no artigo 50º do RGCO (conclusão 55. a 60.) e, (iii) do erro de julgamento quanto à atenuação especial da coima, a qual cumpria aplicar, por estarem preenchidos integralmente os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 32.º do RGIT (conclusão 61. a 66.).
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com interesse para a decisão da presente lide, julga-se provados os seguintes factos:
A. Em 31-05-2013, a Recorrente foi condenada no pagamento de uma coima de 12.500 € por atraso no pagamento de impostos, depois de o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ter aplicado o regime da atenuação especial da coima (fls. 181 do processo n.º 1...4/....5BEBRG);
B. Em 22-11-2013, a Recorrente foi condenada no pagamento de uma coima de 32.351,49 € pela falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo (IVA do período de 09-2012), depois de o Tribunal...
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