Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2016

Data de publicação18 Julho 2016
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2016

Acórdão do STA de 16-06-2016, no Processo n.º 201/16

Processo n.º 201/16 - Pleno da 1.ª Secção

Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1 - RELATÓRIO

1.1 - A ..., devidamente identificada nos autos, inconformada com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCA/S], datado de 19.06.2014, que, negando provimento ao recurso, manteve a decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [«TAC/L»] que havia julgado procedente a ação de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra a mesma movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e que determinou o arquivamento do processo relativo ao registo pendente na Conservatória dos Registos Centrais, veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência nos termos do artigo 152.º do CPTA, apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cf. fls. 672 e segs. - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]:

"...

I. Tem pleno fundamento o pedido de uniformização de jurisprudência sobre a seguinte questão fundamental de direito: continua a ser exigível, tomando em consideração a alteração legislativa introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril que o requerente da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade apresente provas de ligação à comunidade nacional, conforme era determinado pelo artigo 9.º, alínea b) da Lei da Nacionalidade Portuguesa?

II. Verifica-se que há uma clara contradição entre a resposta dada a essa questão pelo tribunal a quo, no acórdão sob recurso e a solução constante do acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 19/06/2014, no Proc. n.º 0103/14.

III. Verifica-se ainda que o mesmo tipo de contradição, sobre a mesma questão de direito, se encontra entre o acórdão sub judice e os demais acórdãos supra citados.

IV. Tendo em consideração todo o exposto, deve ser proferido acórdão uniformizador de jurisprudência no seguinte sentido, aliás já expresso por este Supremo Tribunal Administrativo, no referido acórdão:

a) A partir da entrada em vigor da Lei 2/2006 passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade «a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional» (nova redação da al.ª a) do artigo 9.º) a qual, como decorria da Exposição de Motivos dessa Lei, tinha de ser provada pelo M.P..

b) Nos termos do disposto na Lei da Nacionalidade (Lei 37/81, de 3/10, na redação que lhe foi dada pela Lei 2/2006, de 17/4, aqui aplicável) a aquisição da nacionalidade portuguesa pode resultar de uma de três circunstâncias: de uma declaração de vontade, da adoção plena e da naturalização (vd. seus arts. 3.º a 5.º) sendo que cada uma dessas formas de aquisição da nacionalidade obedece a requisitos próprios.

c) A aquisição da nacionalidade em razão da vontade - pressupõe que o interessado esteja casado ou viva em união de facto há mais de três anos com o cidadão nacional (O artigo 3.º daquela Lei tem a seguinte redação:

i) «1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.

ii) 2 - A declaração de nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o contraiu de boa fé.

iii) 3 - O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível»). Ou seja, depende não só de uma realidade - a constância de um casamento (ou união de facto) por mais de três anos - e de manifestação de uma vontade - o querer ser cidadão português.

d) O que quer dizer que o fator decisivo nessa aquisição de nacionalidade não é a constância do casamento por mais de três anos - esse é um mero pressuposto - mas a declaração de vontade manifestada pelo interessado visto essa aquisição não ocorrer se o cônjuge estrangeiro, apesar de preencher aquele requisito, não estiver interessado em ser cidadão nacional e, por essa razão, não formular o necessário pedido.

e) Todavia, a aquisição da nacionalidade por essa via não se produz automaticamente com a simples reunião daqueles pressupostos já que essa pretensão pode ser contrariada pelo M.P. através da propositura de uma ação especial fundamentada num dos seguintes factos: (1) a ausência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional por parte do interessado, (2) este ter sido condenado por sentença transitada pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a 3 anos e (3) ter prestado funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou prestado de serviço militar a Estado estrangeiro (artigo 9.º da citada Lei) (Nos termos do artigo 9.º da Lei 37/81, na versão que lhe foi dada pela Lei 2/2006:

f) «Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:

i) a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;

ii) b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;

iii) c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro»).

g) ... De acordo com a redação inicial da Lei 37/81 «o estrangeiro casado com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento» (artigo 3.º/1) sendo fundamento de oposição a essa aquisição «a manifesta inexistência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional» [artigo 9.º, al.ª a)]. A jurisprudência posta perante a redação dessas normas, considerou que, tendo em conta os princípios gerais do ónus da prova inscritos no artigo 342.º do CC e tratando-se de factos impeditivos, cabia ao M.P. - na ação a propor a coberto do disposto nos arts. 10.º daquela Lei e 56.º do DL 237-A/2006 - provar que o interessado não tinha qualquer ligação a Portugal.

h) Todavia, o legislador, provavelmente na tentativa de neutralizar os eventuais efeitos negativos decorrentes da facilidade com que se podia adquirir a nacionalidade por ato de vontade, resolveu alterar a redação de tais normas por forma a dificultar essa aquisição pelo que, a partir da entrada em vigor da Lei 25/94, de 19/08, só o estrangeiro casado com nacional português «há mais de três anos» é que podia adquirir a nacionalidade por essa via, passando a ser fundamento de oposição «a não comprovação, pelo interessado, de ligação efetiva à comunidade nacional» - vd. as novas redações dos citados preceitos - o que significa que a nova redação das apontadas disposições dificultou a aquisição da nacionalidade por ato de vontade na medida em que, por um lado, só a constância do casamento por, pelo menos, três anos dava direito a essa aquisição e, por outro, atribuía ao pretendente da nacionalidade o ónus da prova da sua ligação efetiva a Portugal.

i) Nesta conformidade, a partir dessa alteração legislativa, ficou claro que cabia ao interessado a obrigação de provar a sua ligação efetiva à comunidade nacional dispensando o M.P. de fazer essa demonstração.

j) No entanto, o legislador, considerando que o equilíbrio na atribuição da nacionalidade passava por uma previsão de regras que, «garantindo o fator de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal, não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objetivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000», resolveu, uma vez mais, alterar a redação da mencionada norma com vista a que, no procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, se invertesse «o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9.º que passa a caber ao Ministério Público. Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro» - Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 32/X.

k) E, porque assim, a partir da entrada em vigor da Lei 2/2006 passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade «a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional» (nova redação da al.ª a) do artigo 9.º a qual tinha de ser provada pelo M.P.

l) A partir da entrada em vigor da nova redação do artigo 9.º da Lei 37/81, aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, cit. é ao M.P. que cabe provar que ao/à requerente casado/a com nacional português, não têm qualquer ligação efetiva à comunidade portuguesa.

m) Sendo assim, se uniformiza a jurisprudência declarando que incumbe ao M.P. alegar e provar a inexistência de ligação à comunidade nacional, nos termos do disposto no artigo 9.º da Lei da Nacionalidade ...".

1.2 - Devidamente notificado o MINISTÉRIO PÚBLICO não veio produzir contra-alegações [cf. fls. 703 e segs.].

1.3 - Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1 - DE FACTO

2.1.1 - Resultou como assente no acórdão recorrido o seguinte quadro factual:

I) A R. nasceu em 14.01.1974, em ..., São Paulo, no Brasil.

II) Filha de E ... e de F..., ambos de nacionalidade brasileira.

III) Tem nacionalidade brasileira.

IV) Em 04.10.2003, contraiu casamento com G ..., em São Paulo, no Brasil.

V) O cônjuge é natural de São Paulo, Brasil e tem...

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