Acórdão nº 02258/22.5BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO MACHETE
Data da Resolução23 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I. Relatório 1.

Nos presentes autos de recurso de revista vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, vem o Banco 1..., S.A., recorrer do acórdão daquele Tribunal datado de 16.06.2023, que negou provimento à sua apelação e manteve o decidido pela sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 7.12.2022, no sentido de julgar procedente a intimação para prestação de informações, consulta de documentos ou passagem de certidões requerida por A..., S.A., tendo por objeto diversos documentos respeitantes ao procedimento de seleção de sociedades de capital de risco ou entidades equiparáveis para atribuição de fundos ao abrigo do Programa Consolidar aberto pelo Aviso n.º ...2...- i06.01/2022, de 25.01.2022, nomeadamente: a) A lista dos candidatos e candidaturas; b) A ordenação e pontuação das candidaturas; c) Os relatórios ou outros documentos que contenham a avaliação e pontuação das candidaturas e sua fundamentação; d) A decisão final sobre as candidaturas.

No final da sua alegação de recurso, o recorrente formulou as seguintes conclusões relativas ao mérito daquele: «IV. Nos presentes autos está em causa o acesso a (i) informação apresentada num procedimento, (ii) requerida no decurso do procedimento (iii) por um interessado (candidato) no procedimento, pelo que está em causa o acesso a informação procedimental, nos termos dos artigos 82.º e ss. do Código do Procedimento Administrativo [“CPA”]; V. Nos termos do artigo 1.º, n.º 4, alínea a), da LADA, o regime aí instituído não prejudica a aplicação da legislação que rege o acesso à informação procedimental – o [CPA]; VI. Ao aplicar a LADA ao caso dos autos, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto no artigo 1.º, n.º 4, alínea a), da LADA e nos artigos 82.º e ss. do [CPA]; VII. Nos termos do artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, no âmbito dos factos provados só podem ser considerados factos, e não matéria conclusiva ou de Direito; VIII. Ao manter nos Factos Provados 9) e 10) matéria que é conclusiva e que resulta de uma operação subsuntiva face ao Direito aplicável, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 607.º, n.º 4, e 662.º do Código de Processo Civil; IX. A decisão de recusa ou de deferimento parcial de acesso a documentos administrativos/informação procedimental não consubstancia uma operação material ou uma prestação de facto, mas um verdadeiro e próprio ato administrativo, nos termos do artigo 148.º do [CPA]; X. Nos termos do artigo 13.º, n.º 2, do [CPA], a Administração não tem a obrigação de decidir pretensões apresentadas pelo mesmo requerente há menos de dois anos; XI. Ao considerar que a decisão de recusa ou de deferimento parcial do acesso não constitui um ato administrativo para efeitos da aplicação do disposto no artigo 13.º, n.º 2, do [CPA], o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nessa norma e no artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo; XII. Nos termos do artigo 105.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [“CPTA”], o interessado dispõe do prazo de caducidade de 20 dias a contar da data da notificação da satisfação parcial do pedido para requerer a intimação para consulta de documentos e passagem de certidões; XIII. Ao considerar que, perante o deferimento parcial, o interessado pode continuar a apresentar requerimentos e que são estes últimos os que relevam para que se inicie a contagem do prazo legalmente estabelecido, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto no artigo 105.º, n.º 2, alínea c), do [CPTA]; XIV. Como afirma o Tribunal a quo, o legislador do artigo 13.º do RJFdCR tem ínsita uma presunção (legal) de que a documentação remetida ao Banco 1... na qualidade de entidade gestora contém segredos comerciais, industriais ou acerca da vida interna da empresa; XV. Nos termos do artigo 344.º, n.º 1, do Código Civil, quando haja uma presunção legal, inverte-se a regra geral do ónus de prova; XVI. Nos termos do artigo 2.º, n.º 5, do [CPA], as disposições contidas nos respetivos artigos 82.º e ss. aplicam-se de forma meramente subsidiária ao procedimento tramitado, sendo aplicável em primeira linha o artigo 13.º do RJFdCR; XVII. Ao considerar que cabia ao Banco 1... demonstrar que os documentos requeridos continham informação reservada, e que, na falta dessa demonstração não poderia ser impedido o acesso à informação, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto no artigo 13.º do RJFdCR, no artigo 2.º, n.º 5, do [CPA] e no artigo 344.º, n.º 1, do Código Civil.» A recorrida contra-alegou, sustentando quer a inadmissibilidade do recurso de revista, quer a sua improcedência.

  1. O presente recurso foi admitido por acórdão de 7.09.2023, proferido nos termos do artigo 150.º, n.º 6, do CPTA, tendo a formação de apreciação preliminar fundamentado a sua decisão com base nas seguintes considerações: «Na verdade, a questão nuclear que nela [- a presente revista -] vem colocada cifra-se em conciliar de forma assaz congruente e respeitadora do espírito do sistema a interpretação e aplicação do “dever de sigilo” prescrito no artigo 13º do RJFCR com o pertinente regime geral do CPA e LADA. Não se trata de fazer um juízo negativo sobre o mérito jurídico do acórdão ora recorrido, mas antes da necessidade de esclarecer e solidificar a solução jurídica de uma questão que se coloca, com carácter de novidade, ao tribunal de revista, e que, segundo tudo aponta, é suscetível de se replicar noutros casos análogos que contendem, também, com a execução das verbas do PRR. Assim, sobressai a vocação paradigmática e importância fundamental da questão, justificativa, também, da admissão da presente revista.

    Deste modo, quer em nome da relevância jurídica e até social da “questão”, quer em nome da necessidade da clarificação da sua abordagem e solução sobretudo em ordem à orientação prática de decisões futuras sobre temas idênticos, justifica-se a admissão do recurso de revista interposto pelo Banco 1....» 3.

    O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu o seguinte parecer: «4. Apreciando (a posição do Ministério Público): Importa, pois, tomar posição sobre as questões trazidas à apreciação desta instância, e desde logo sobre a questão central, a do eventual erro de julgamento de direito, por violação da decisão recorrida do disposto no artigo 13º do RJFCR [– Regime Jurídico do Fundo de Capitalização e Resiliência, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 63/2021, de 29 de julho –], vício imputado à decisão por parte do Recorrente/Requerido.

    Estabelece esse preceito, e sob a epígrafe dever de sigilo, que: “…Os dados, documentos e informações que sejam submetidos à sociedade gestora, à comissão técnica de investimento e ao revisor oficial de contas, em virtude das funções que lhes são cometidas ao abrigo do presente decreto-lei, têm caráter reservado e, com as exceções previstas na legislação em vigor, não podem ser divulgados a nenhuma pessoa ou entidade, nem utilizados com finalidades distintas daquelas para que foram obtidos, ficando também os auditores, assessores jurídicos e demais peritos que possam ser designados, em cumprimento das respetivas funções, adstritos ao dever de sigilo e a não utilizar a informação recebida para finalidades distintas daquelas para que foram obtidos…”.

    Ora, neste particular, sustenta o Recorrente/Requerido nas conclusões do recurso que o tribunal de apelação teria feito letra morta da disposição em causa na medida em que a desaplicara ao caso dos autos, mas sem que para tanto tivesse formulado qualquer juízo de inconstitucionalidade ou ilegalidade.

    Porém, quanto a nós, e no essencial, não lhe assiste razão em tal ordem de argumentação, e isto porque a pretensão formulada pela sociedade Requerente/Recorrida de obter informação/documentação do procedimento concursal em que fora concorrente, mais concretamente, a lista dos candidatos, a ordenação e pontuação das candidaturas, relatórios (ou outros documentos), que contenham a avaliação das candidaturas e a sua fundamentação, bem como a decisão final proferida sobre as mesmas, não cabe no dever de sigilo aludido no artigo 13º, do RJFCR, ou seja, nenhum desses documentos se encontra abrangido pela confidencialidade estabelecida na citada disposição legal do RJFCR, antes nos transporta para o âmbito do direito à informação procedimental, que tem consagração constitucional no artigo 268º, nº 1, da CRP, como direito com natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias fundamentais, e por isso mesmo sujeito ao regime previsto no artigo 18º, da CRP.

    Importa referir, e nisto assiste alguma razão ao Recorrente/Requerido, que embora na decisão das instâncias se tenha feito apelo ao regime jurídico instituído pela Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto [– regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos (a atual LADA) –], cremos que, e de acordo com o que dispõe o artigo 1º, nº 4, alínea a), desse diploma, será antes de acolher para a solução do dissidio o quadro normativo previsto no [CPA], isto porque o mesmo se insere no âmbito do direito à informação administrativa procedimental e não em sede de informação não procedimental.

    Para tanto cumprirá conferir da matéria de facto dada por assente a que se mostra referenciada sob os números 7, 8, 9 e 10, da qual se colhe que a informação/documentação pretendida pela sociedade Requerente se integra em sede procedimental, ou seja, no seio do exercício do direito à informação procedimental, isto porque daquela resulta a indicação de pretender exercer o direito de audiência prévia sobre o projeto de decisão de não investimento no Fundo de Capital de...

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